Carlos Emerson Junior
Era um móvel de madeira escura que abrigava um moderno (para os padrões dos anos 50) toca-discos com duas velocidades, 78 e 45 rpm, e um enorme rádio naval, daqueles que a gente via nos navios da última grande guerra, adquirido por um tio em um leilão da Marinha. O bicho, imponente, cheio de botões, osciloscópio e um ar meio bélico, pegava estações do mundo inteiro e só não transmitia mais nada porque essa função fora desativada.
Meus pais adoravam música e ouvir rádio, naqueles dias, equivalia ao nosso hábito de assistir televisão ou interagir com a internet. Assim, falar que cresci ao som das ondas de rádio é um baita clichê, seja de que ângulo for! A outra grande diversão, ir ao cinema, era quase um ritual, ainda mais para uma criança pequena. Lembro com muito carinho das matinês aos domingos no belo Metro Copacabana que, infelizmente, virou uma loja de roupas...
Mas voltemos ao rádio de navio, que é como eu e minha irmã chamávamos aquele aparelhão. Aliás, meu tio, um gozador de primeira linha, jurava que o rádio era de um submarino alemão que foi posto à pique pela aviação norte-americana na entrada da Baia da Guanabara. Uma maldade, claro e confesso que até fiquei meio decepcionado quando soube que ele tinha vindo de um simples navio-aviso!
De qualquer maneira, adorava ouvir o rádio. Durante toda a minha infância, foram os programas infantis, o circo do Carequinha, o “Balança mais não cai”, com o seu humor hoje quase ingênuo e as estações e os discos de música clássica e tango que meu pai tanto amava, que embalaram os sonhos de um menino da zona sul carioca.
Junto com toda a família reunida na sala, vibrei muito com a vitória do Brasil na final da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, acompanhando a partida pela Rádio Nacional, com narração do Jorge Cury. Fomos comemorar na Avenida Atlântica, todo mundo com alma lavada, depois do fiasco do “Maracanazo” de 1950. Puxa vida, eu era feliz e não sabia!
Na década seguinte, a tecnologia trouxe um dos melhores presentes de Natal que já ganhei, um rádio portátil da Spica, japonês, o iPod da época, para a turma de hoje. Nossa, com capa de couro e um fone de ouvido, foi o grande sucesso de toda uma geração e nem preciso falar que foi meu companheiro por muito tempo (é, meus queridos, naqueles dias, esses gadgets não duravam apenas alguns meses).
— A Rádio de Moscou mente! — Era assim que a RTP, rádio de Portugal, na época sob a ditadura de Salazar, respondia às provocações da emissora oficial da extinta União Soviética. O Rádio é libertário! Minha mãe contava que acompanhou a Segunda Guerra mundial, em Cuiabá, lá no Mato Grosso, pelas ondas curtas da Rádio de Berlim, BBC de Londres, Voz da América e Voz do Brasil, ouvindo em bom português as diferentes versões para o conflito.
Já meu pai, jornalista, contador, boêmio e um gozador de primeira, não necessariamente nessa ordem, gostava de lembrar que mandava artigos para as rádios de Campinas, só pela curtição (desculpem, não me lembro mais seu sinônimo na década de 50) de ter seu nome citado numa emissora. Hoje ele diria, às gargalhadas: “As mina pira”!
Quando nos mudamos de endereço, na década de 70, o velho “rádio de navio” finalmente voltou para a casa de meu tio, em Santos, onde funciona até hoje.
Rádio, se formos pensar bem, é que nem um livro: você lê (ouve) e se deixa levar por lugares, imagens, cores e sabores. O mais irônico, no entanto, é saber que toda a parafernália eletrônica atualmente à nossa disposição se torna inútil a uma simples falta de energia. E aí, como já sabemos, a Defesa Civil recomenda e eu endosso, nada como um simples rádio de pilha nas mãos (com as pilhas em dia, é bom não esquecer).
carlosemersonjr@gmail.com
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