“O programa só acaba quando termina”

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Mario de Moraes

Há muito ele merecia essa homenagem, não só pela alegria que deu ao povo desta terra, como o grande animador de auditório que foi. É possível que tenha existido ou exista outro igual a ele, mas duvidamos.

Quando foi batizado em Recife (PE) deram-lhe o nome de José Abelardo Barbosa de Medeiros, mas ele ficou famoso com o apodo de Chacrinha. Tão famoso que chegou a ser reconhecido como o maior comunicador do país.

Chacrinha nasceu no dia 20 de janeiro de 1916. Aos 10 anos de idade mudou-se com a família para Campina Grande (PB). Aos 17, foi estudar em Recife, ingressando na faculdade de Medicina em 1936. No terceiro ano teve o primeiro contato com o rádio ao dar uma palestra sobre alcoolismo.

Compreendeu, então, que não tinha nenhuma inclinação para ser médico, largou os estudos pra lá e viajou para o Rio de Janeiro. Depois de alguns testes, conseguiu a vaga de locutor da Rádio Tupi (RJ). Achando que não passaria disso, em 1943 mandou-se para Niterói (RJ) e conseguiu emplacar na Rádio Fluminense um programa de músicas de Carnaval, Rei Momo na Chacrinha, que fez bastante sucesso.

E aí temos que explicar o porquê de Chacrinha. Seu programa de rádio era transmitido de uma pequena chácara em Niterói, adaptada para estúdio. Como ele vivia dizendo que estava irradiando “de uma chácara”, a coisa pegou. De início, seus ouvintes passaram a chamá-lo de Abelardo Chacrinha Barbosa. Depois, resumiram para Chacrinha.

Nos anos 50 ele passou a comandar o programa Cassino do Chacrinha, lançando diversos sucessos da MPB, como Estúpido Cupido, com Celly Campelo e Coração de Luto, uma choradeira do cantor gaúcho Teixeirinha.

A televisão, no entanto, o atraía. Ela era quem poderia fazê-lo alcançar o estrelato. Era 1956 e a TV Tupi, na época praticamente absoluta, pois fora a primeira estação a ser inaugurada no Rio de Janeiro, estava precisando de um bom animador de auditório. Chacrinha foi contratado e passou a comandar dois programas: Rancho Alegre e Discoteca do Chacrinha.

Dado o seu Ibope, ele passou a ser cobiçado pelas outras estações, terminando por assinar contrato com a TV Rio. E, finalmente, em 1968, com a Rede Globo de Televisão. Na época esse contrato deu uma grande polêmica, já que ele mesmo se considerava o palhaço do povo, e o Canal 4 mantinha uma séria linha de conduta.

As boazudas do Chacrinha

Acontece que Abelardo entrou na Globo e subiram os pontos do Ibope no seu horário. Isso era o mais importante para a direção da TV de Roberto Marinho. Chacrinha chegou a fazer dois programas semanais no Canal 4 carioca: A Buzina do Chacrinha, levada ao ar aos domingos – na qual realizava concursos de calouros; jogava bacalhau na plateia e indagava ao público: “Vai ou não vai para o trono ?”; e a já manjada Discoteca do Chacrinha. Nessa época eram as Casas da Banha, já extintas, que patrocinavam a Buzina. Quando o calouro não agradava, ele tocava uma enorme e ensurdecedora buzina. Na década de 70, as chacretes – bem diferentes das atuais dançarinas do Faustão, de corpo escultural e malhado – deixavam a maioria dos homens de olhos rútilos, como diria Nélson Rodrigues, já que todas eram, como dizia-se na época, boazudas, com coxas e bumbuns volumosos. Elas faziam uma coreografia primária e recebiam nomes exóticos, como Rita Cadilac, Índia Amazonense, Fátima Boa Viagem, Suely Pingo de Ouro, Fernanda Terremoto etc. Rita Cadilac ainda anda por aí, de quando em quando aparecendo na televisão. O mais curioso é que Chacrinha as vigiava todo tempo, impedindo que elas saíssem da linha. Mas, nas horas vagas, quem sabe ?

Havia um júri para classificar os calouros mas, na verdade, quem decidia quem ficava ou não para o próximo programa era mesmo o Chacrinha. Quando ele não gostava do candidato, fazia um sinal previamente estabelecido e os ‘juízes’ derrubavam o infeliz. Por vezes o candidato nem chegava a terminar de cantar, sendo abatido pela buzina. O público por vezes discordava e apupava a ‘comissão julgadora’. Nesta havia ‘juízes’ de todo o tipo. Desde o gozador ao fingido zangado. Entre eles Carlos Imperial, Aracy de Almeida, Elke Maravilha, o furioso Pedro Lara e alguns outros.

Irrequieto, dois anos depois, apesar de todo o sucesso que vinha fazendo e do excelente salário que recebia, mudou-se novamente para a Tupi. Não sossegou. Em 1978 transferiu-se para a TV Bandeirantes e, em 1982, retornou à Globo. Desta vez seus dois programas foram fundidos num só, Cassino do Chacrinha, ganhando fácil as tardes de sábado.

Fingiam que não viam

O mais curioso é que os falados intelectuais o criticavam de todos os modos, mas seu grande índice de audiência comprovava que Chacrinha não era assistindo apenas pelo povão, como eles queriam fazer crer.

Entre os atrativos do Cassino do Chacrinha estavam as roupas que ele vestia, sempre espalhafatosas e engraçadas. O público aguardava ansioso a sua entrada no palco para ver como ele vinha vestido. Por vezes trazia um enorme relógio na cabeça; outras, vinha com um belo vestido ou um saiote de escocês. Uma pândega, sem dúvida.

Quanto aos calouros, Chacrinha tinha uma estratégia. Quando sentia que o programa estava ‘esfriando’, acenava discretamente para um dos seus assistentes e este fazia entrar um calouro aparentemente amalucado. É lógico que tudo isso era combinado.Havia uma senhora que matava o público de rir. Muito mal vestida, ela dizia-se cantora de ópera. Com a voz esganiçada, agarrada ao microfone, a mulher resistia para não sair do palco. Uma cena hilária.

Chacrinha entrava gritando: “Terezinhaaaa... !”, “Terezinhaaaa...”, e o público prorrompia em palmas. Depois um assistente entregava-lhe algumas postas de bacalhau – por vezes eram abacaxis, pepinos ou outros legumes, que ele jogava para a plateia – e indagava aos berros: “Vocês querem bacalhau ?” E no decorrer do programa soltava frases e bordões que terminaram famosos: “Quem não se comunica se trumbica !”; “Eu vim pra confundir, não para explicar”; “Se não abrir o pano vai entrar pelo cano !”; “Na televisão nada se cria, tudo se copia”.

Por mais que o criticassem, a verdade é que seus programas eram plenos de calor humano e bom humor. Até hoje seus admiradores lembram-se dele e da música Aquele Abraço, de Gilberto Gil, que diz “balançando a pança e comandando a massa...” É bom lembrar que diversos e atuais ídolos da MPB foram lançados por ele. Durante três décadas seus programas foram líderes de audiência.

Anualmente Chacrinha lançava uma marchinha para o Carnaval que, dada a sua popularidade, sempre fazia sucesso. Conhecido como Velho Guerreiro, em 1987 foi homenageado pela Escola de Samba carioca Império Serrano – com o enredo Com a boca no mundo, quem não se comunica - e recebeu o título de professor honoris causa da Faculdade da Cidade. Chacrinha foi casado com dona Florinda Barbosa por 41 anos e teve três filhos: José Amélio, Jorge Abelardo e Zé Roberto. Tido como mulherengo, obrigava dona Florinda a viver nos seus calcanhares.

José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, faleceu no dia 30 de julho de 1988, no Rio de Janeiro, aos 72 anos de idade.

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