O mundo não é mais americano

terça-feira, 17 de agosto de 2010
por Jornal A Voz da Serra
O mundo não é mais americano
O mundo não é mais americano

Por Alessandro Lo-Bianco

A sensação que dá nos EUA é que forças poderosas estão surgindo no mundo. E não é só isso. A novidade é que depois de anos os americanos não parecem liderar esse ataque. Há uma percepção no Tio Sam de que um mundo novo está nascendo e uma preocupação de que seja em terras distantes e estrangeiras. Ainda se debate o antiamericanismo, entretanto o mundo econômico avançou para era pós-americana sem que as pessoas percebessem essa mudança. O prédio mais alto do mundo fica em Taiwan; a maior empresa do mercado acionário, em Pequim, bem como a melhor tecnologia, na China; a maior refinaria do mundo, na Índia; o maior avião de passageiros é europeu; o maior fundo de investimentos do planeta está em Abu Dhabi; e a maior indústria cinematográfica é Bollywood, na Índia; a maior roda gigante do mundo, em Cingapura; e o maior cassino, em Macau. Para resumir, apenas duas das dez pessoas mais ricas do planeta são americanas.

Vivemos a terceira grande mudança de poder da história moderna. O primeiro foi a ascensão do ocidente perante o resto do mundo, por volta do século XV, que produziu o mundo como o conhecemos hoje: ciência, tecnologia, comércio e capitalismo, as revoluções industriais e agrícolas. O segundo ocorreu no final do século XIX, com a ascensão dos EUA, tendo seu poder global passado praticamente incontestado. Ocorre que, para virada de jogo, com a estratégia de globalização, a economia global acelerou drasticamente e essa mola propulsora agora é responsável pela terceira grande mudança na história do poder: a ascensão do resto. Cabe ressaltar que isso não significa o fim dos EUA, principalmente depois do resgate “Obama”, mas sim o crescimento dos outros países. E esse fenômeno causa um certo tremor nos EUA, porque não acontece por meio de guerras, apesar de todo terrorismo global e sua ameaça. Com um breve panorama pela história, podemos notar que vivemos na “era mais pacífica da existência de nossa espécie”, como relata o jornalista Fareed Zakaria, em seu livro The Post-American World.

Estudiosos estão dizendo que a decadência dos EUA se dá através da demonstração de força de países antiamericanos , como o Iraque, Afeganistão e Irâ, ou devido a governos classificados ditatoriais como China, Rússia e Venezuela. É um erro. São motivos também, mas não preponderantes nos últimos anos. No caso do Irâ, por exemplo, a economia americana é 68 vezes maior que a dos mulás, e seu orçamento militar, 110 vezes maior. Isso nem se compara ao que foi com a Alemanha em ascensão na primeira metade do século XX ou uma União Soviética expansionista na outra metade. Dizia-se que os países derrubariam os EUA formando forças ameaçadoras embasadas de conspiração, financiando insurgências e guerras civis. Mas agora, o diferente é que os países enriqueceram dentro da ordem vigente, por isso não há como ser combatido. A China e a Índia estão nessa direção. Como ficou com essa expansão econômica a situação militar? Os gastos militares da Rússia estão na ordem de US$ 35 bilhões, ou 0,05 do que o Pentágono americano gasta. Enquanto os EUA têm cerca de 900 mísseis que podem chegar à China, os chineses têm cerca de 20 mísseis nucleares mirados para os EUA com alguns outros do Japão. E se tratando que o Oriente nunca esteve conformado com as explosões de Hiroshima e Nagasaki, quem deve se preocupar com quem? Apesar da invasão no Iraque, a Turquia, Jordânia e Arábia Saudita desfrutam de uma prosperidade sem precedente. Os países do golfo se modernizaram, e está cada vez mais descentralizado o fundamentalismo.

A era da informação fez o homem conhecer pela tela de casa um mundo novo, principalmente pelo livre acesso às informações que estão na internet. Hoje, graças a revolução da informação, o mundo inteiro está dissecando os assuntos internacionais, protestando e pressionado pela paz mundial. Antigamente, nunca haveria um protesto na praia de Ipanema, no Rio, a favor dos monges censurados de Budapeste. Nem os organismos internacionais supremos, moldados à temática do Tio Sam, estão dando conta, como a manutenção dos interesses do Conselho de Segurança da ONU, que tem como membros permanentes os vencedores de uma guerra que acabou há mais de 60 anos. Como pode hoje o G8 não incluir o Brasil, a Índia ou a China? Os EUA permanecem com as melhores universidades do mundo, entretanto só formou ano passado uma média de 90 mil engenheiros, enquanto a China e a Índia formaram um milhão. Além disso, durante a expansão da globalização, os EUA enviaram pesquisadores e executivos para propagarem suas tecnologias para outros países. Agora, se permanecerem nesses países emergentes, contribuirão ainda mais para o seu crescimento e seu potencial competitivo, e se saírem, levarão de volta consigo seus investimentos e não terão onde aplicar.

No entanto, os EUA continuam sendo a sociedade mais aberta e flexível do mundo. Não é à toa que até hoje prospera com a fome e energia de imigrantes pobres. Diante das novas tecnologias de companhias estrangeiras e dos mercados em expansão no exterior, ele se adapta e se ajusta. Quando você compara esse dinamismo com as nações hierárquicas e fechadas que no passado foram superpotências, sente que os EUA são diferentes porque conseguem brigar com uma economia aberta a todos os mercados. Está aí a força dos EUA e seu diferencial: não caem na armadilha de virarem ricos, gordos e preguiçosos. Quando Obama subiu à Casa Branca, a sociedade americana deu sinais de que se adaptariam a esse novo mundo. O que realmente eles não esperavam, era que as nações buscariam maior liberdade de ação conforme fossem se tornando mais ativas economicamente. A única saída que resta aos EUA agora, vendo o sistema que criou produzir competidores contra si mesmo, é trazer ainda mais as forças emergentes para seu convívio econômico e social, como a China, Brasil, Índia e Rússia. Não é de estranhar que o Oscar tenha ido para o cinema indiano (Quem quer ser um Milionário) e que tenham enviado um brasileiro para Lua como cortesia ao Brasil. Pois é sentindo que estão participando do jogo mundial, que esses países não serão uma ameaça de guerra, depressão, e o principal, colapso financeiro.

Para finalizar, cabe ressaltar que tudo isso está acontecendo por causa dos EUA. Durante 60 anos eles incentivaram os países a abrirem seus mercados, a liberarem suas políticas abraçando o comércio e a tecnologia. O impressionante é que, justamente quando todos os países começam a fazer isso, os EUA vão perdendo a fé nesses ideais, ficando desconfiados do comércio, da abertura, da imigração e do investimento, porque agora não se trata de americano indo ao exterior, mas de estrangeiros indo para os EUA.

Daqui a algumas gerações, quando os historiadores escreverem sobre esses tempos, poderão notar que, na virada do século XXI, os EUA tiveram sucesso em sua grande histórica missão: globalizar o mundo. E que eles mesmos esqueceram de se globalizar.

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