O mestre do coração - 23 de janeiro.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Pesquisa de Mario de Moraes

Zerbini sempre acompanhou a evolução das técnicas de transplantes de órgãos humanos e isto lhe valeu em diversas ocasiões provar sua capacidade cirúrgica

Em dezembro de 1967 um médico sul-africano, Christian Barnard, surpreendeu o mundo científico ao anunciar que fizera um transplante de coração inter-humanos. Um sonho há muito acalentado pelos cirurgiões cardíacos tornava-se realidade, iniciando uma nova era na luta pela sobrevivência. No Brasil a repercussão do extraordinário feito não foi menor, mas em 26 de maio de 1968, apenas cinco meses depois, o cirurgião brasileiro Euryclides de Jesus Zerbini e sua equipe fizeram o primeiro transplante cardíaco na América Latina e o quinto no mundo, demonstrando os avanços tecnológicos da cirurgia entre nós. Zerbini fora aluno de Barnard nos Estados Unidos e assimilara perfeitamente suas lições.

Atualmente essa operação, que causou a maior surpresa quando foi realizada pela primeira vez, vem sendo feita por cirurgiões especializados em todos os países que têm meios para isso. Segundo o cirurgião cardíaco Noedir Stolf, do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo, ela só deve ser efetuada em último caso, quando o enfermo cardíaco não tiver mesmo mais nenhum recurso clínico para salvar-se. Cada vez mais aperfeiçoada, a cirurgia não deixa de envolver fatores de risco, como infecções e possibilidade do novo coração implantado ser rejeitado pela pessoa operada. Apesar desses fatores negativos, o índice de sobrevivência vem aumentando com o passar dos anos. Numa entrevista realizada pelo jornalista Dante Grecco, o doutor Noedir informou que, com as cada vez melhores condições para a realização desse tipo de cirurgia, o risco do paciente falecer “é de 80% durante um ano ou mais. Com o passar do tempo, é claro, esse índice vai se reduzindo, até chegar a cerca de 50% de chance de o transplantado sobreviver ao longo de dez anos ou mais.”

Muitos podem achar que é pouco tempo, mas é bom lembrar que os transplantados estavam à beira da morte e sentem-se felizes por ficarem vivos mais alguns meses ou até anos.

Zerbini foi o iniciador

Atualmente fazem-se transplantes de quase todos os órgãos humanos, a maior dificuldade sendo a falta de doadores. Zerbini sempre acompanhou a evolução das técnicas de transplantes de órgãos humanos e isto lhe valeu em diversas ocasiões provar sua capacidade cirúrgica. Em 1942, quando dava plantão no serviço de urgência de um hospital, ele foi chamado às pressas para atender a um menino de sete anos que tinha um estilhaço de ferro dentro do peito. Vendo que não havia outra solução, o doutor Zerbini abriu o coração da criança e religou sua artéria coronária, salvando a vida do garoto. Foi um grande feito, que fez Zerbini compreender que devia especializar-se em cirurgia torácica. Para tanto ele viajou para os Estados Unidos, onde estudou com Barnard.

Um cirurgião especializado

Euryclides de Jesus Zerbini nasceu em Guaratinguetá (SP) no dia 10 de maio de 1912, formando-se em Medicina em 1935 e especializando-se em cirurgia geral. Na época operar o coração constituía um desafio para todos os cirurgiões.

Certo da especialidade que escolhera, a partir de 1950, o doutor Zerbini iniciou suas experiências cirúrgicas intracardíacas fechadas. Professor da Universidade de São Paulo, criou o Centro de Cirurgia Cardíaca, que mais tarde se transformaria no Instituto do Coração, reconhecido mundialmente.

Animado com os resultados positivos do seu trabalho, em 1957 Zerbini e sua equipe passaram a realizar as primeiras cirurgias cardíacas com circulação extracorpórea. Aproveitando o espaço existente nos porões do Hospital das Clínicas (SP), ele instalou ali uma oficina experimental. E foi nela que produziu artesanalmente máquinas que faziam a circulação e oxigenação do sangue para fora do corpo durante as cirurgias.

Ao realizar no Brasil o primeiro transplante do coração, Zerbini e sua equipe ficaram famosos internacionalmente e a mídia lhes deu grande e justa cobertura. Para o competente cirurgião, no entanto, a façanha fora mais uma entre tantas que ele obtivera em toda sua dedicada vida profissional.

Zerbini tinha um sonho: construir um hospital dedicado exclusivamente à sua especialidade. E ele se realizou em 1975, com a construção, em São Paulo, do Instituto do Coração (Incor), cujo padrão de qualidade é reconhecido em todo o mundo. Pouco depois foi criada a Fundação Zerbini para o Desenvolvimento da Bioengenharia, que passou a dar suporte técnico ao Incor.

Atualmente existem diversas nações que importam a nossa tecnologia. Como o sucesso dos transplantes cardíacos não foi o esperado, eles foram suspensos em 1969. Mas com a descoberta da ciclosporina, uma droga capaz de evitar a rejeição do órgão transplantado, eles voltaram a ser realizados em 1980.

Zerbini, no entanto, batalhou até o fim e, em 1985, aos 73 anos de idade, foi o primeiro cirurgião a realizar um transplante de coração num paciente vítima do mal de Chagas. E isto também foi feito pela primeira vez.

A classe médica brasileira sempre o valorizou, aplaudindo seus assombrosos feitos em relação à cirurgia cardíaca. Nos seus 58 anos de carreira, Zerbini recebeu 125 títulos honoríficos e inúmeras homenagens de governos de todo o mundo; participou de 314 congressos médicos e realizou pessoalmente ou através de sua equipe, mais de quarenta mil cirurgias cardíacas. Segundo suas próprias palavras, “Operar é divertido, é uma arte, é ciência e faz bem aos outros.”

Trabalhando até o fim

Euryclides de Jesus Zerbini faleceu aos 81 anos de idade, no dia 23 de outubro de 1993. Até às vésperas de sua morte ele participou de diversas conferências, fez algumas palestras e continuou operando.

Zerbini, em seus 58 anos de atividades, formou, direta ou indiretamente, todos os especialistas em cirurgia cardíaca que atuam no Brasil. Em 1983, um ano antes do seu falecimento, foi criada a Associação dos Discípulos de Zerbini, cujos membros reúnem-se anualmente para discutir trabalhos científicos e homenagear o ex-professor.

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