Henrique Amorim
O pediatra Dagoberto José da Silva enfrenta atualmente um dos maiores desafios de toda a sua vida: gerenciar a complexa saúde pública em Nova Friburgo, sem dúvida, um dos setores mais polêmicos de toda administração. Além das constantes cobranças dos usuários, que enfrentam dificuldades na busca por um atendimento ágil e de qualidade, a Secretaria Municipal de Saúde é pressionada por soluções urgentes, muitas delas através de intervenções judiciais, como a ocorrida essa semana, que culminou na transferência de uma paciente internada há quase dois meses no Hospital Raul Sertã para uma unidade em Itaperuna, a fim de ser submetida a uma cirurgia vascular. A Justiça determinou que a cirurgia fosse realizada imediatamente sob pena até de prisão do gestor da Saúde.
Mas, a situação administrativa da pasta é infinitamente mais complexa. O próprio Sistema Único de Saúde (SUS), com sua rotina burocrática, cria entraves administrativos para que as demandas sejam atendidas com a rapidez que se almeja. Nesta entrevista, Dagoberto fala das dificuldades que enfrenta para gerenciar a Saúde e festeja alguns avanços, como a ampliação do programa de atenção básica (saúde preventiva), com mais unidades de saúde nos bairros e distritos. "Acredito que é possível fazer, mas para isso tem que se arrumar a casa”, diz.
A VOZ DA SERRA: Quando o paciente sente dor, ele busca atendimento e quer solução na hora. É um direito. Mas, infelizmente, nem sempre isso é possível devido à estrutura do sistema. E o que ecoa nas ruas é "caos na Saúde”. Como o senhor reage a isso? Qual o seu maior desafio como secretário de Saúde?
Dagoberto José da Silva: O maior desafio é uma tarefa que pode parecer simples: organizar a Saúde. Nova Friburgo cresceu demais e na Saúde os avanços necessários, como em outros municípios, não acompanharam a maior demanda. Dizer que faltam médicos na rede é uma verdade, e ao mesmo tempo não é. Algumas especialidades têm poucos profissionais e, neste caso, a procura obviamente se torna maior. O que muita gente desconhece é que o SUS tem os financiamentos como base de fundamento. Sendo assim, o município tem que seguir regras específicas que fogem a nossa interferência. Por exemplo: Nova Friburgo tem que oferecer atenção básica e atendimentos de urgência e média complexidade. Alta complexidade não.
A VOZ DA SERRA: E quando há casos mais graves, como a da paciente que necessita de cirurgia vascular e a família recorreu à Justiça, o procedimento, então, seria a transferência, mas por que isso não ocorre com a rapidez que se almeja?
Dagoberto: Para a rotina do SUS funcionar plenamente é preciso que as regras do jogo administrativo sejam seguidas. No caso dessa paciente, a cirurgia vascular recomendada pelo especialista (temos quatro atualmente na rede) não é feita aqui. Solicitamos então à central estadual de regulação uma vaga para ela ainda em 21 de outubro passado, para Itaperuna, mas lá também há grande demanda, pois, por ser uma unidade capacitada para tal, atende pacientes de municípios vizinhos. Estávamos no aguardo do andamento da fila. O trâmite estava sendo cumprido até que a decisão judicial atropelou o processo.
A VOZ DA SERRA: Mas a paciente corria risco de vida...
Dagoberto: Neste caso específico é preciso observar que a paciente é doente renal crônica, está descompensada e não pode ser submetida imediatamente a uma cirurgia. É preciso um preparo, que já está sendo feito em Itaperuna, com exames pré-operatórios. A Justiça, em muitos casos, acaba atropelando as regras do jogo. Hoje (sexta-feira, 8), por exemplo, já recebi 15 mandatos de intimação judicial relacionados à distribuição de medicamentos. Um deles questiona a falta do remédio Omeprazol (indicado para dores estomacais), que tem na rede. Às vezes o paciente não acha o remédio num posto e em vez de ir em outro prefere ir à Justiça. E aí todo o planejamento que está em andamento é interrompido para resolver esses atropelos.
A VOZ DA SERRA: E como está esse planejamento? O que está sendo feito para melhorar o sistema como um todo?
Dagoberto: Assumi o cargo com a meta de primeiramente tentar sair do caos e fortalecer a atenção básica. Já implantamos o sistema Sisreg, que permite a marcação de consultas on-line nos postos de saúde, o que contribui para reduzir as filas e facilita os pacientes, que podem obter o atendimento inicial perto de suas casas e depois desenvolverem o tratamento necessário nas unidades que dispõem de especialistas. Já contamos atualmente com 15 unidades de atenção básica nos bairros. Em breve teremos um ambulatório de cirurgia vascular no Hospital Raul Sertã que irá desafogar um pouco a demanda.
A VOZ DA SERRA: Mas há uma carência de médicos no município e com frequência sabe-se de desligamentos de profissionais tanto no Raul Sertã como nos postos. Por que os médicos não querem trabalhar no SUS? São os salários que não atraem?
Dagoberto: Uma das propostas de organização da Saúde é aumentar a quantidade de especialistas na rede e temos conseguido alguns avanços. No setor de endoscopia do hospital já temos cinco profissionais, o que aumentou a quantidade de exames realizados por mês de 40 para 220. Os exames de colonoscopia agora são feitos por dois profissionais e, dos 18 exames/mês, agora fazemos 110. Cirurgiões vasculares já temos quatro, dois novos cardiologistas do concurso de 1999 foram contratados. Temos também 16 ortopedistas, cinco neurologistas e dez cirurgiões em atividade na rede. Ainda não é o ideal, mas também não podemos contratar mais, pois a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) limita os gastos com pessoal em 51% do orçamento. Ocorre ainda que muitos profissionais fazem concursos para outros municípios atraídos por salários maiores e, quando aprovados, aí não há outro jeito: amargamos essas perdas. Em contrapartida, a demanda de pacientes só aumenta. A mesma Justiça, que por vezes nos obriga a fazer o que não está ao nosso alcance, nos priva de criar mecanismos para melhorar a situação. Outro fato é que alguns profissionais também faleceram e não se pode substituí-los imediatamente por causa da LRF. Para reverter isso a Prefeitura tenta aumentar a arrecadação e, então, sobrar mais para pagar salários melhores.
A VOZ DA SERRA: Nos postos de saúde e no ambulatório do Raul Sertã há uma grita geral devido à carência de médicos. O setor de patologia cervical, que trata do câncer do colo do útero, estaria sem médico. Por quê?
Dagoberto: Não é verdade que o serviço esteja parado e mulheres morrendo por não terem tratamento. O ginecologista que trabalhava lá (no ambulatório do Raul Sertã) desligou-se devido a uma proposta de trabalho melhor, mas as pacientes estão tendo o acompanhamento com demais profissionais nas unidades de atenção básica — que realizam coleta de amostras para os exames de prevenção ao câncer. Hoje essas unidades cobrem 19% do município. Ainda faltam instalar 72, o que não é fácil e não acontecerá até o ano que vem. Veja só, o próprio governo determinou recentemente que cada unidade da Estratégia de Saúde da Família (ESF) atenda no máximo dois mil pacientes cadastrados residentes em sua área de abrangência, e não mais três mil. Com isso, a meta apertou. E vale lembrar que cada ESF gera gastos com 11 funcionários, entre médicos, enfermeiros e pessoal de apoio. Como contratar tudo isso com a LRF em cima? Se estourar os 51% com gasto de pessoal, o prefeito responde. É uma conta que não fecha. Para piorar a situação, Nova Friburgo é polo de uma região e o Hospital Raul Sertã acaba funcionando como um hospital regional, mesmo sendo municipal.
A VOZ DA SERRA: Diante de tantos e inúmeros problemas, entraves e a tamanha complexidade no gerenciamento dessa intrincada máquina que é a saúde pública, como se sente o Dagoberto José da Silva, cidadão e médico, que sabe das angústias dos pacientes que buscam um atendimento?
Dagoberto: Motivado para continuar, pois tenho em mãos o desafio de tentar fazer a mudança. E acredito que é possível fazer. Não sei se terei tempo para fazer tudo o que quero, na velocidade que eu gostaria, mas vou tentar. Infelizmente recebo muitas críticas de pessoas que deveriam antes buscar saber as respostas. Não estamos negligentes. Estamos trabalhando, mas não podemos passar por cima de leis e regras que foram criadas para serem seguidas. Quando há atropelos, ou seja, se passa por cima dos trâmites para conseguir algo de outra forma, se emperra mais o gerenciamento, comprometendo todo um planejamento.
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