O limite

segunda-feira, 15 de março de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Maurício Siaines(*)

Quem frequenta a rodoviária de integração, no centro de Nova Friburgo, à noite, está acostumado a observar muitos adolescentes que parecem fazer do espaço uma espécie de clube, um lugar onde desenvolvem suas sociabilidades. E fazem-no, de acordo com os padrões que as sociedade lhes fornece, embora sua ação atenda também a impulsos de dentro para fora, isto é, individuais. As manifestações de sexualidade, por exemplo, mostram exatamente isto: o impulso corresponde a ‘forças’ fisiológicas, íntimas, mas o modo como se expressa é cultural, isto é, está delimitado pela vida social.

Há também gestos agressivos, que às vezes sugerem atos violentos, mas é tudo um jogo de aparências produzidas para serem entendidas, ou seja, são linguagens daquele universo cultural. Algumas pessoas se assustam e têm medo daqueles garotos. E eles são garotos, tal como o são Phillipe Coutinho e Wellington Silva, de 17 anos, que se revelam grandes jogadores de futebol do Vasco e do Fluminense respectivamente. E já estão vendidos para clubes europeus, aguardando apenas a maioridade para poderem viajar sozinhos ao exterior.

E não podem ser muito diferentes os desejos dos dois craques de Vasco e Flu e dos meninos da rodoviária. Sem dúvida, os dois primeiros são o que se pode chamar de vencedores, pois, ainda muito jovens, conseguiram se firmar em dois clubes importantes do futebol brasileiro. Outros jogadores também despontaram com essa mesma idade. Pelé, certamente, é o mais notável deles, que, com cara e jeito de garoto, encantou o mundo na Copa de 1958, tendo feito dois golaços no jogo final, contra a Suécia, dona da casa.

Sem dúvida, Pelé foi extraordinário, também porque não se intimidava e conseguia jogar todo seu talento no campo. Mas é comum os jovens terem alguma coisa que os trava, baixa autoestima, os mais diversos medos, intimidamentos. Enfim, limitações que a vida lhes impõe.

Tivemos nos últimos dez anos a experiência de Adriano, o Imperador. Menino criado na Vila Cruzeiro, quando recebeu seu primeiro salário do Flamengo, antes de ir para a Europa, comprou um telefone celular, que hoje é um aparelho popular, apesar dos altos preços das ligações, mas na época ainda era um símbolo de capacidade de consumo. Era a antecipação dos outros bens de consumo que em breve estariam a seu alcance: carrões, noitadas em boates caras, mulheres (que, nessas condições também são bens de consumo), toda espécie de quinquilharia eletrônica de última geração. O fato de Adriano sempre voltar à favela da Chatuba, na Vila Cruzeiro, é bem significativo. Ali há velhos amigos e pessoas que compuseram sua identidade. Mas é possível que muitos dos companheiros de infância de Adriano tenham se tornado marginais, estejam presos ou mortos, pois esta é uma possibilidade naquele meio social.

Aqueles meninos da rodoviária urbana certamente também têm sonhos de consumo, que dificilmente poderão realizar, diferentemente de Wellington Silva e Pillipe Coutinho, que seguem o caminho já trilhado por Adriano e tantos outros. E o que está dito para os jovens é principalmente isto: “sejam vencedores e consumam!”. Os dois jovens jogadores têm ou terão muito em breve todas as possibilidades do consumo a seu alcance. E os outros, os da rodoviária? Sua vida é composta de falta de oportunidades e pouquíssima educação formal, uma vida que cresce como capim, nos cantos da sociedade. Mas seus sonhos são os mesmos. Um ou outro ali pode até ser bom de bola, mas, pela idade que já têm, dificilmente virão a jogar em um time grande. Com 17 ou 18 anos já são velhos.

Em suas brincadeiras de quase crianças, moldadas pelos valores do mundo, os meninos da rodoviária – e provavelmente também os da favela da Chatuba – reproduzem modelos fáceis de reconhecer. Mas, entre os 17 e os 18 anos, estão no limite da maioridade penal, próxima ou recém-ultrapassada. De tempos em tempos debate-se poder ou não responsabilizar penalmente os jovens. E as questões realmente fundamentais da formação e da educação são deixadas de lado.

(*) Jornalista, mestre em sociologia

mauriciosiaines@gmail.com

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