O Grande Irmão

Por Carlos Emerson Junior
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Estamos em 1984 e o Estado controla toda a vida de seus cidadãos. Nas residências, trabalhos e áreas de lazer, a teletela, uma espécie de televisão sempre ligada, permite que funcionários do governo controlem todas as atividades dos cidadãos. Tudo o que é escrito, lido ou falado é controlado. Câmeras e microfones nas ruas vigiam o movimento. Não existe nenhuma resistência ou insatisfação, já que ninguém conhece outra maneira de viver.

Esse futuro opressor foi imaginado pelo escritor inglês George Orwell em seu magnífico livro “1984”, publicado logo após o término da Segunda Guerra Mundial. Inspirado nos horrores dos regimes totalitários que proliferavam à época, desenhou com perfeição a perda da individualidade do cidadão diante dos interesses do Estado. Em lugar de imperadores, ditadores, presidentes ou primeiros-ministros, existia a figura onipresente do Grande Irmão, um líder inquestionável e infalível.

O tempo passou e nenhuma das previsões de Orwell se concretizou, não é mesmo? Pois sim! Quem falou que existe privacidade neste planeta? Pelo contrário, os estados totalitários estão indo embora, dissolvidos em sua imensa burocracia, ineficiência e corrupção e a informação é difundida tão rápida e democraticamente que é impossível deixar de saber o que acontece no outro lado do mundo.

O Grande Irmão está aí, só que, ao contrário do livro, ele não precisa de um rosto e nem precisa de métodos subliminares ou violentos. Pelo contrário, nós mesmos, felizes da vida, fazemos filas para adquirir o smartphone da moda ou imploramos por um convite para participar da mais recente rede social, onde não nos acanhamos de divulgar toda a nossa vida. E não é exagero não, também faço a mesmíssima coisa!

Mas vamos aos fatos, meus caros. O conceituadíssimo Richard Stallman, criador da Fundação Software Livre e um dos pais da plataforma GNU, declarou textualmente: “Não tenho e não levarei celulares comigo. Os celulares são o sonho de Stalin, miniaturas a serviço do Grande Irmão. Recuso-me a carregar nos bolsos um dispositivo espião que pode ser usado contra mim”.

O jornalista Pedro Dória, em sua coluna Digital & Mídia do O Globo explica: trata-se do “Carrier IQ”, um software que vem pré-instalado em alguns smartphones e vigia rigorosamente tudo que o dono do aparelho faz, incluindo até a senha do banco, na hora de checar o extrato, enviando os resultados para a operadora. Os fabricantes se defendem e juram que o programinha serve apenas para fazer um diagnóstico em caso de defeito. Até pode ser, mas isso tinha que ser informado ao cliente, não acham?

Não vou entrar em detalhes que é para não ajudar a bandidagem mas a polícia sabe muito bem como achar uma pessoa simplesmente rastreando o sinal de seu celular pelas antenas da operadora. Esse tipo de ação é comum em casos de sequestros ou localização de desaparecidos e funciona muito bem. Portanto, se você acha que está seguro com seu fonezinho baratinho, é bom rever seus conceitos.

Na internet o bicho pega! Todos os sites usam algum tipo de recurso para identificar as preferências do leitor. Os mais comuns são os cookies, um pequeno software que memoriza as preferências do usuário. Por exemplo, quando você digita seu login e senha, o cookie registra os dados para automatizar sua entrada no próximo acesso.

Muito bom, facilita a nossa vida mas, como sempre, é bom ficar com um pé atrás, já que o mundo está cheio de gente má, doida para limpar a sua conta bancária. Nunca se esqueça de manter seu antivírus atualizado. Aliás, todos os navegadores oferecem a opção de bloquear ou apagar os cookies.

E já que estamos na rede temos que falar do Google com seus múltiplos serviços e, é claro, do Facebook e demais redes sociais. O primeiro domina o setor de buscas de tal maneira que acabou virando um verbo, o googlar! É líder no mundo inteiro, com exceção da China e revolucionou a maneira de anunciar e faturar na rede. Até por isso mesmo, é sempre acusado de não agir com a necessária transparência no trato com a colossal informação que guarda em seus servidores.

O Google Buzz, sua primeira tentativa de emplacar uma rede social foi muito criticado e chegou a ser processado por falhas no controle de privacidade. A adesão foi baixa e o serviço morreu. O útil Gmail, um prático correio eletrônico, usa o perfil do usuário para direcionar publicidade, no que é imitado por todos os serviços de webmail no mercado. O Orkut volta e meia se vê às voltas com queixas de perda de dados e perfis.

O Facebook é um enorme sucesso! Já são 800 milhões de usuários no mundo todo e mais de 30 milhões no Brasil. Sua utilidade é indiscutível e esteve associado aos recentes movimentos que derrubaram ditaduras seculares pelo mundo afora. No entanto não podemos negar que toda a vez que se fala em falta de privacidade na rede, o primeiro nome que aparece é o do Facebook e seu incansável fundador, o jovem Mark Zuckerberg.

Em recente acordo com a Federal Trade Comission – FTC, nos Estados Unidos, a empresa admitiu que enganou seus usuários ao vazar informações privadas. O próprio presidente declarou em seu blog que “em particular, acho que cometemos um pequeno número de erros de alto alcance há quatro anos e no modo como alteramos nossas configurações de privacidade há dois anos atrás”.

Um estudante austríaco resolveu processar o Facebook ao descobrir que fotos, mensagens, cutucadas, pedidos de amizade e demais informações que ele havia deletado de seu perfil eram mantidas nos arquivos da empresa, que singelamente admitiu que apenas remove o conteúdo da página pessoal, mas não o apaga. Qual será o interesse deles em material descartado? E tome “Teoria da Conspiração”!

O famoso Twitter já foi obrigado a fazer um acordo para zelar pelos dados de seus usuários, expostos para todo o mundo em uma falha do seu sistema há alguns anos atrás. A gigante de varejo online, a Amazon, fabricante do Kindle, está sendo investigada pelo mesmo motivo, bem como a Apple, eternamente enrolada com os localizadores do iPhone e iPad, considerados abusivos.

E tem mais. As financeiras de cartão de crédito rastreiam todas a suas compras e montam o chamado “perfil” do cliente. Se você, por impulso, compra um jatinho mas seu gasto médio mensal equivale a um jantar no boteco da esquina, sua compra será prontamente negada! Isso é uma questão de segurança para o cliente, é claro, evitando prejuízos em caso de perda ou roubo. Mas, que eles sabem como você gasta seu dinheiro, não há como negar.

No mundo de hoje, é impossível passar completamente incógnito. Você teria que abrir mão do celular, internet, contas bancárias, identidade, passaporte, CPF, empregos e até de sua cidadania. A opção seria se mudar para uma ilha deserta e ainda assim correria o risco de ser filmado pelas câmeras de alta resolução dos satélites espiões ou não que giram em torno do planeta. Como poucas pessoas podem ou querem ter esse tipo de vida, convém usar o bom senso e aproveitar as facilidades que todos esses serviços nos oferecem.

Não me atrevo a prever para onde caminhamos, até porque, há uns meros quarenta anos atrás, nunca me passou pela cabeça uma revolução tecnológica como a que estamos vivendo agora. E olha que sou escritor e adoro ficção, mas a realidade sempre me surpreende. Para o bem ou para o mal, o Grande Irmão finalmente chegou.

carlosemersonjr@gmail.com

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
TAGS:
Publicidade