O Mestre Marcos Bernardes de Mello, em sua festejada Obra “Teoria do Fato Jurídico”–Plano da Existência–afirma que “na sua finalidade de ordenar a conduta humana, obrigatoriamente, o direito valora os fatos e, através das normas jurídicas, erige à categoria de fato jurídico aqueles que têm relevância para o relacionamento inter-humano”.
A vida é uma sucessão permanente de fatos. Desde o nascimento até a morte, com todos os atos que integram a vida, desde a estrela cadente que risca o céu ao vai e vem da onda do mar, tudo o que nos cerca, física ou psiquicamente, são fatos—no dizer de Pontes de Miranda, “o mundo mesmo, em que vemos acontecerem os fatos, é a soma dos fatos que ocorreram e o campo em que os fatos futuros se vão dar”.
Ainda de acordo com as lições de Marcos Bernardes de Mello, “é evidente, porém, que nem todos os fatos—mesmo conduta—têm para a vida humana o mesmo valor; a mesma importância. Há fatos—inclusive eventos da natureza—que possuem para os homens, em suas relações intersubjetivas, significado fundamental, enquanto outros, ou por lhes fugirem ao controle, ou por não lhes acarretarem vantagens, ou, ainda, por não lhes provocarem o interesse, são tidos como irrelevantes. Quando, no entanto, o fato interfere, direta ou indiretamente, no relacionamento inter-humano, afetando, de algum modo, o equilíbrio de posição do homem diante dos outros homens, a comunidade jurídica sobre ele edita norma que passa a regulá-lo, imputando-lhe efeitos que repercutem no plano da convivência social. Parece claro, daí, que a norma jurídica atua sobre fatos que compõem o mundo, atribuindo-lhes consequências específicas (efeitos jurídicos) em relação aos homens, os quais constituem um plus quanto à natureza do fato em si. A norma jurídica, deste modo, adjetiva os fatos do mundo, conferindo-lhes uma característica que os torna espécie distinta dentre os demais fatos—o ser fato jurídico”.
A meu sentir, independentemente de seguir a mesma esteira de entendimento, há fatos que se situam entre o fato propriamente dito, entendendo este como aquele sem expressão jurídica e o fato jurídico, aquele que pela sua relevância, regula nossas atividades em face da sua interferência—direta ou indireta—no relacionamento inter-humano, que com a devida vênia chamarei de “pré-jurídico” ou “pós-social”.
Fui levado a este devaneio jurídico em face de um fato acontecido na manhã do dia 16 de abril do corrente ano, quando, logo após uma audiência—aguardava a digitação de um Acordo Judicial—, quando tive minha atenção voltada para uma movimentação incomum, na Sala de Audiência da 2ª Vara do Trabalho da Comarca de Nova Friburgo, e, ao me aproximar da mesma, tive a oportunidade de ver um jovem Magistrado que presidia a sessão, sentado ao lado do Dr. Surimam, conhecido advogado trabalhista, confortando-o como um filho acaricia um pai combalido.
Dispensando um carinho incomum num ambiente formal e solene, aquele jovem Magistrado, interrompendo a audiência passou a dispensar toda a sua atenção àquele advogado que trazia em seu rosto, a marca implacável do tempo.
Afastando com indisfarçável cuidado o nó da sua gravata, desabotoando a camisa, animando-o com palavras de incentivo e estímulo, aquele jovem Magistrado incorporou a figura de um psicólogo e amigo, como um Digno representante da Deusa Themis, transformando a Sala de Audiência, num divã de renovo à vida onde aquele velho advogado jazia quase inconsciente.
Em sua finalidade de ordenar a conduta humana, obrigatoriamente, o direito valora os fatos e, através das normas jurídicas, erige à categoria de fato jurídico aqueles que têm relevância para o relacionamento inter-humano, nas sempre lembradas lições de Marcos Bernardes de Mello, e, sobre eles edita normas jurídicas, o faz com o objetivo de que a conduta por ela prevista seja adotada pelos seus destinatários, ou seja, por aquelas pessoas a quem a norma se destina.
Lamentavelmente não é esta a regra comum, mas a excepcionalidade. O Poder Judiciário já não mais inspira a confiança de outrora; já está infectado pelo vírus da dúvida e da desconfiança em face da conduta de uns poucos que, investidos de Poder, ao invés de servir, servem-se dele.
Aos quarenta anos de exercício da advocacia e vinte e sete como Professor Universitário, confesso que já estava ficando descrente da Justiça, como expressão máxima da aplicação do direito, mas quis Deus, em sua infinita misericórdia que, naquela manhã do dia 16 de abril, renascesse em mim a esperança de que ainda existem Magistrados que ao vestirem toga não ficam desnudos de humanidade!
Muito obrigado.
Dr. Luiz Guilherme Bueno Bonin,
Digno e Honrado Juiz do Trabalho
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