Texto: Márcio Madeira
Produção: Henrique Pinheiro
Passados cinco anos desde as chuvas de janeiro de 2011, beira o inacreditável constatar que nenhuma residência foi entregue às vítimas em Teresópolis — ainda mais quando é de conhecimento geral que várias delas chegaram a ser construídas. Também não são poucas as denúncias a respeito de falhas na aplicação de programas de auxílio como o aluguel social, seja no pagamento a quem não precisa, seja na falta de pagamento a quem faz por merecer e necessita. Da mesma forma, uma apuração mais aprofundada em relação ao número de vítimas sugere que em Teresópolis pode existir sim uma discrepância significativa entre as listas de domínio público e a realidade observada em campo. Basta dizer, a este respeito, que dos 13 nomes levantados pela equipe de A VOZ DA SERRA, nada menos do que sete não constavam em cadastro algum.
A aparente falta de apoio institucional, no entanto, convive com — e talvez até mesmo explique — uma série de bons exemplos de união e iniciativa comunitária, que, somados, proporcionaram à localidade de Vieira, nas palavras dos próprios moradores, mais qualidade de vida atualmente do que antes da catástrofe.
Alguns personagens foram centrais para o sucesso desta mobilização, e um deles é o jovem advogado Renato Schuenck, à época com apenas 28 anos. “A comunidade se reuniu logo após a tragédia, e eu orientei a população a usar o que recebiam do aluguel social para comprar um terreno e erguer novas casas. Também recebemos muitas doações, e o trabalho em mutirão rendeu 16 novas residências para famílias que haviam ficado desabrigadas. Foi um trabalho muito gratificante”, relembra.
E o suporte não parou por aí, uma vez que Renato dedicou-se pessoalmente a dar andamento a processos de morte presumida, ajudando diversas famílias a passar pelo momento mais difícil de suas vidas. Da mesma forma, houve diversos casos de apoio externo, como um pastor de Santa Catarina, cujo nome os moradores ouvidos não souberam informar, que organizou doações e conseguiu proporcionar um lar para pessoas duramente atingidas pela desgraça, como o agricultor Ezequias Simpliciano, que perdeu nove familiares na madrugada daqueloe fatídico 12 de janeiro.
Como resultado a localidade acabou por renascer, mais bonita e diversificada. “A melhor metáfora é a da Fênix, que renasce das próprias cinzas. Vieira era um lugar bem parado. Quase não tinha comércio, a maior parte era composta por bares e mercearias. Mas depois da tragédia as pessoas se mobilizaram e começaram a trazer coisas novas para cá. Não havia uma farmácia, hoje tem. Hoje tem até uma boa academia de ginástica... O comércio diversificou. Lamento apenas que uma catástrofe tenha sido necessária para gerar este tipo de mobilização”, avaliou Rondineli da Silva Oliveira Moreira, responsável pela barbearia local.
Opinião parecida foi manifestada pela comerciante Varlene Canto, cujo restaurante é apropriadamente chamado de Vitória. “Vieira ficou num estado terrível... Muita lama, muitas pessoas chorando sem saber o que fazer. Estávamos isolados, não havia como sair. Foi algo desesperador, as pessoas precisando de ajuda, muita gente morta... Toda hora passavam aqueles carros carregados de corpos, foi terrível. E, para enfrentar aquela situação, todo mundo se uniu, um ajudou o outro, todo muito foi reconstruindo as suas casas e se ajudando mutuamente. Todo mundo limpou, todo mundo se ajudou, e nós também recebemos muitas doações. Hoje está melhor do que era. Várias lojas novas, um mercado maior, e as próprias casas ficaram mais bonitas. Infelizmente tudo isso aconteceu a partir de uma tragédia que foi terrível, mas ela obrigou a população a se unir e a fazer acontecer”.
Sempre ao lado do restaurante, faça chuva ou faça sol, um bravo sobrevivente da tragédia incorpora na própria carne um resumo do que foi a disposição do povo de Vieira para renascer conjuntamente a partir do desafio, sem esperar por apoio externo. Trata-se do cachorro Bocão.
“Na tragédia, todo o distrito estava cheio de lama, e ele veio junto com a enxurrada e ficou às margens do rio. Eu vi que tinha um cachorro por lá, e fui ver por que ele não saía de onde estava. Levei comida e percebi então que ele tinha uma abertura enorme no corpo, que já estava até dando bicho. Eu não tinha remédio, então tivemos que improvisar a limpeza com produtos que haviam sido doados para desinfetar objetos. Sua dor foi tremenda e eu chorava junto com ele, mas felizmente o ferimento fechou e ele está com a gente até hoje, não nos deixa por nada. Fizemos um lugar para ele, e quando precisamos sair por algum motivo ele não para de chorar. As pessoas dizem que preciso me desfazer dele, por ter um restaurante. Mas não claro que não faremos isso nunca. Ficamos amigos e ele já entrou para a família", afirma Varlene, que preferiu não ser fotografada, ao narrar uma entra tantas histórias inspiradoras ocorridas num dos epicentros da maior tragédia já registrada no Brasil.
A propósito, o fiel Bocão hoje sofre com o que foi diagnosticado como ácido úrico, e está com dificuldades para andar. Caso alguém deseje ajudar e queira fazer parte desta bela história, ele é muito fácil de se encontrar.
Deixe o seu comentário