O drama da tragédia de janeiro como enredo

quarta-feira, 05 de outubro de 2011
por Jornal A Voz da Serra
O drama da tragédia de janeiro como enredo
O drama da tragédia de janeiro como enredo

Henrique Amorim

Para produzir o curta-metragem “Os dois lados da moeda—tragédia e corrupção”, que os integrantes do grupo friburguense Jovens Vivendo Arte Contemporânea (JVAC) exibirão na próxima terça-feira, 11, no Festival do Rio 2011 - Mostra Geração, os atores não precisaram estudar seus personagens, nem tampouco pesquisar a fundo sobre o enredo. Tudo o que eles vivenciaram nos 13 minutos de produção do curta está mais do que fixado na memória e marcado para sempre em suas vidas. Na produção que relata o pesadelo vivido pela população de Nova Friburgo na madrugada de 12 de janeiro, os jovens que integram o projeto são mais que personagens: todos foram vítimas da tragédia das chuvas. Ayala Oliveira, 19 anos, por exemplo, editor do curta, teve parte de sua casa atingida por um deslizamento no bairro Jardinlândia, onde outros sete vizinhos morreram soterrados. “Antes tudo isso fosse uma ficção. Todos nós vivemos na pele esse pesadelo que retratamos agora na tela”, destaca ele.

“Outra grande dificuldade enfrentada pelos jovens foi correr contra o tempo para produzir tudo do jeito que a organização do festival exige e com todas as dificuldades inerentes a um grupo amador. Tudo, ainda bem, acaba dando certo. Eles (os alunos) fizeram o roteiro, a produção, a filmagem nos locais escolhidos por eles e a edição do curta. Ao invés de um romance ou aventura, temas bem propícios para a realidade dessa turma, todos preferiram mergulhar na dura realidade enfrentada por eles próprios e por toda Nova Friburgo”, observa a arte educadora Rose Borges, que coordena o Jovens Vivendo Arte Contemporânea e está radiante com a seleção de “Os dois lados da moeda—tragédia e corrupção” para exibição no evento que reúne ainda mais 53 vídeos produzidos por estudantes de até 18 anos—de um total de mais de mil enviados. A mostra que vai de amanhã, 6, ao próximo dia 18 com produções nacionais e também da Itália, Espanha, Argentina e Equador não tem premiação. O “troféu” é ter a produção exibida no Cine Estação Botafogo no evento que reúne curtas e longas nacionais e internacionais produzidos por novos talentos do cinema.

Rose, que é professora de artes do curso de formação de professores do Instituto de Educação de Nova Friburgo (Ienf)—onde os integrantes do JVAC estudam ou já passaram por lá—valoriza a oportunidade dos jovens atores, produtores, roteiristas e editores, chamarem a atenção não só para o drama vivido pelos friburguenses, mas também para a visão crítica do triste episódio. No evento os estudantes também participam do Vídeo Fórum com a oportunidade de discutirem suas produções audiovisuais com atores e produtores de todo o mundo.

“Nesse curta abordamos a tragédia em si, mas também a falta de perspectiva dos personagens que lutam ainda por seus direitos básicos, como assistência do poder público, a concessão de benefícios como aluguel social e a luta pela retomada da dignidade. Tudo isso em meio a denúncias de corrupção, como o desvio da verba do governo que veio para Nova Friburgo”, observa a atriz e diretora, Lívian Azevedo, 18 anos, que também teve sua casa atingida e ficou uma semana num abrigo. Ela coordenou as locações em pontos bastante afetados pela tragédia, como os bairros Conquista, Duas Pedras, Conselheiro Paulino, Praça do Suspiro, no Centro, e até na casa da professora Rose.

“Os dois lados da moeda” tem início bem no coreto da Praça Getúlio Vargas, ponto central da cidade com personagens desnorteados em meio ao caos instalado após a tempestade, a interrupção dos serviços básicos, o desencontro de informações, os boatos e as perdas de vidas de maneira trágica. “Fizemos questão também de abordar aquelas pessoas que ficaram esquecidas, não tiveram a importância devida pelas autoridades”, completa Rafael Soares, que vivenciou um personagem sem casa e frustrado com a dificuldade para conseguir ser incluído no programa aluguel social. Uma das cenas mais chocantes é o drama de um jovem que perdeu os pais na maior catástrofe climática da história e da noite para o dia se vê impotente ante a dura e cruel realidade. “Certamente iremos chocar o público no Mostra Geração. Nossa intenção mesmo é provocar uma reflexão sobre todo esse problema. O desleixo das autoridades fica bem claro”, diz Maurício Britts, também ator-personagem do curta em coro com Lunanda Motta, outra atriz do grupo de alunos do Ienf.

Este ano JVAC marca presença na Mostra Geração com dois curtas

Além de participar do Festival do Rio - Mostra Geração com o curta sobre o drama da tragédia das chuvas, outra produção do JVAC esse ano poderá ser conferida semana que vem no evento: o curta “A menina que não era maluquinha”, baseada na obra de Ruth Rocha, autora de artigos sobre educação e livros infantis. O curta rodado na casa de uma das integrantes é também dirigido pela estudante Lívian Azevedo, que divide o elenco com Joice Gil, Thaís Gomes e Franciely Pereira. “Ruth é uma das nossas referências para o magistério e foi mágico mergulhar nos personagens que adaptamos para esse curta”, resumem as atrizes.

Grupo já produz vídeos para Mostra Geração há quatro anos

O curta “Os dois lados da moeda—tragédia e reconstrução” não é a primeira participação do JVAC no Festival do Rio - Mostra Geração. Com apenas um ano de atividades, o grupo formado na época somente por alunos do curso de formação de professores do Ienf—hoje alguns ex-alunos ainda participam das produções—marcou presença no evento em 2007 com o curta “Saber viver”. No ano seguinte foi a vez de “Pesadelo real: a casa maldita” e depois ainda vieram “Volátil” (produção exibida há três meses no congresso educacional Insea World, realizado na Hungria com arte educadores de mais de 60 países, no qual a professora de arte Rose Borges participou) e no ano passado, o curta “A verdadeira identidade”.

“A experiência que tivemos ao fazermos esses curtas nos motivaram a participar de outros festivais e isso despertou em alguns dos estudantes integrantes do JVAC a vontade de fazer cinema”, comenta a arte educadora Rose Borges que divide o êxito do grupo com os também fundadores do JVAC, os professores de literatura do Ienf, Anna Clara Garcia, e filosofia, César Lapa, e a diretora da escola, Cláudia Catrib. O grupo também se envolve com produções de exposições de fotografias, xilogravuras, oficinas de argila, visitas a museus, entre tantas outras atividades que ajudam a ampliar os conhecimentos e a visão crítica dos futuros professores sobre as mais variadas manifestações de arte.

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