O descaso do brasileiro com as escolhas para o legislativo

A audiência e a data histórica do impeachment
sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
por Ana Borges
O descaso do brasileiro com as escolhas para o legislativo
O cientista político, professor e autor Jairo Nicolau resolveu escrever o livro “Representantes de quem? Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados” tão logo se encerrou a aprovação da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, ano passado.

“É um enigma para os estudiosos as razões de as mulheres participarem tão pouco da política no Brasil. Temos uma das mais reduzidas taxas de mulheres representadas no legislativo do mundo”

“A palavra ‘Deus’ estava em 48 discursos e a palavra ‘filho’ foi mencionada por 60 deputados”

Segundo sua editora, a Zahar, a obra é resultado de parte de pesquisas do escritor sobre o sistema representativo brasileiro que ele vem realizando há 20 anos, na análise das instituições eleitorais e dos partidos no Brasil. Ter cidadãos conscientes e uma política mais responsável é uma de suas finalidades.  

Trecho da obra: “A tarde e a noite de domingo do dia 17 de abril de 2016 foram diferentes para os brasileiros. Em vez da transmissão dos jogos dos campeonatos estaduais de futebol, dos programas de auditório e jornalísticos, o país parou para assistir na TV a uma das mais dramáticas decisões que a Câmara dos Deputados tomaria em seus quase duzentos anos de história: acolher ou não o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff”.

Conhecer seus representantes na Câmara, a importância do voto, da prática da democracia, do exercício da cidadania, do papel de cada um de nós na formação do estado brasileiro: esse é o tema da entrevista exclusiva que o cientista político Jairo César Marconi Nicolau, nascido e criado em Nova Friburgo, concedeu ao jornal A VOZ DA SERRA.

Somos uma democracia relativamente jovem - somando todos os períodos, talvez 50 anos? - com apenas 30 anos ininterruptos neste regime, nas últimas décadas. Como você avalia a nossa participação na escolha de nossos representantes?

Na realidade, se tomarmos o ano de 1945 como marco - quando a maior parte das democracias se estabeleceram no mundo - vivemos 50 anos em regime democrático e 21 em regime autoritário. A balança pende para o lado democrático. O que mais preocupa no Brasil é o descaso dos eleitores com as eleições para o legislativo. Nas eleições do ano passado, nas maiores cidades, cerca de 1/5 dos eleitores deixaram o voto em branco ou anularam para vereador.

Se o voto não fosse obrigatório, que cenário teríamos? Seríamos mais indiferentes ou, talvez, mais interessados em conhecer melhor os candidatos, como é e o que significa fazer política?    

As pesquisas mostram que os eleitores de baixa renda e escolaridade seriam os que mais deixariam de votar, caso o voto fosse facultativo. Eu fico preocupado com esta hipótese. Primeiro com a possibilidade de um novo tipo de corrupção eleitoral: pagar para tirar o eleitor de casa no dia da eleição. Uma segunda preocupação é que podemos criar um sistema político mais elitista, excluindo os pobres, que são os que mais precisam das políticas estatais no Brasil.

A pífia presença feminina no legislativo, em todas as suas esferas, demonstra que mulher não vota em  mulher. Em entrevista com a ex-vereadora, ex-secretária municipal de Educação e professora friburguense Ledir Porto, ela disse: “Uma parcela do eleitorado feminino [no Brasil] é formada por mulheres dedicadas ao lar. Ela não trabalha fora, está restrita à vida doméstica e sente dificuldade de entender outro tipo de mulher, a que é independente e compete com o homem, profissionalmente. Mulher submissa desconfia daquela que é diferente. E não raro, torce contra”. O que acha disso?

Minha querida professora Ledir, no meu tempo de Colégio Anchieta, participou ativamente da política friburguense e sabe dos preconceitos que as mulheres ainda sofrem no meio. É um enigma para os estudiosos as razões de as mulheres participarem tão pouco da política no Brasil. Temos uma das mais reduzidas taxas de mulheres representadas no legislativo do mundo. Obviamente, o patriarcalismo explica uma parte, mas as mulheres conquistaram tanto espaço na universidade, no mundo do trabalho, na definição de novos direitos…

Como interpreta o fato do brasileiro ter passado 10 horas assistindo pela TV à sessão de acolhimento do pedido de impeachment de Dilma Rousseff? O que atraiu tamanha audiência para tema tão espinhoso, em pleno domingo?  

Todos os parlamentares foram eleitos com milhares de votos dessa mesma multidão que parou diante da televisão naquele dia - 17 de abril de 2016 - data, aliás, que vai entrar para a história. O país teve a chance de observar e avaliar, com calma, cada um dos 513 deputados expressar seu voto, o que afinal, deixou muitos eleitores indignados com a qualidade dos deputados. Mas, é bom reiterar, todos os deputados foram legitimamente eleitos.

Ainda assim, a maioria do eleitorado se envergonha do Congresso Nacional, mesmo conscientes de que fomos nós que os colocamos lá. Queiramos ou não, eles nos representam, mesmo a contragosto. Como explica essa contradição?

Podemos falar qualquer coisa sobre o legislativo, menos que ele não seja representativo. O fato é que os deputados hoje são mais parecidos com a população, do que, digamos, há trinta anos. Hoje temos pastores, radialistas, sindicalistas, representantes de interesses específicos. O legislativo ainda tem poucas mulheres e negros, mas tem mais do que no passado. Outra mudança é a presença de interesses municipais. Na votação do impeachment pudemos observar quantos deputados fizeram referência às suas cidades. O que está faltando são representantes para discutir as grandes questões nacionais.

É possível renovar esse quadro, melhorando a qualidade dos congressistas e ao mesmo tempo mantendo essa representatividade mais abrangente?

Eu acompanho a política brasileira desde o começo dos anos 1980. Percebo que houve uma mudança da qualidade dos representantes. Se compararmos a Câmara dos Deputados eleita em 1986 (que redigiu a Constituição de 1988) com a atual, veremos que a qualidade desabou. Por alguma razão, os quadros de destaque na universidade, na burocracia e no setor privado não querem ir para a política. Espero que depois das cassações e afastamentos que ocorrerão nesta legislatura, tenhamos uma renovação de qualidade em 2018.

Queremos e falamos tanto em reforma política, mas estamos prontos para debatê-la? Levando em conta que a grande maioria dos cidadãos é leiga, como você abordou no seu livro as questões mais relevantes, como o nosso sistema representativo?

No meu livro procuro explicar para os leitores alguns enigmas do sistema eleitoral brasileiro. A ideia de fundo é que algumas regras em vigor “adulteram a vontade do eleitor”. Conhecer essas regras me parece fundamental para fazermos escolhas melhores, bem como para substituí-las por outras. Afinal, como falar em reforma política se nem entendemos o que queremos melhorar?

O livro segundo o autor

Não tive a pretensão de abarcar todos os aspectos associados à crise da representação política no país – nem teria competência para fazê-lo sozinho –, por isso alguns temas fundamentais nem sequer foram tratados: as regras de financiamento

eleitoral; a corrupção que afetou um segmento expressivo da elite do país; a crise entre os poderes; o papel das instituições de controle ante as tradicionais instituições de representação; os fatores contextuais que levaram ao afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Escrevi pensando nas pessoas que querem saber mais sobre as regras eleitorais, os partidos e o comportamento dos deputados no Brasil, mas não estão interessadas nos debates internos da corporação de estudiosos e nem sempre têm acesso aos resultados das pesquisas acadêmicas. Por isso, procurei reduzir ao máximo as passagens demasiadamente técnicas e os jargões da disciplina.

O que surpreendeu os telespectadores [no caso do impeachment] foi que, em lugar de fazer comentários específicos sobre o eventual impedimento da presidente, muitos deputados evocaram sua própria denominação religiosa ou fizeram menção a Deus, homenagearam seus familiares e citaram os municípios que constituem sua base eleitoral ou o estado pelo qual foram eleitos. A palavra “Deus” estava em 48 discursos e a palavra “filho” foi mencionada por 60 deputados.

Sobre Jairo Nicolau

É professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ, graduado em ciências sociais pela UFF, mestre e doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Foi integrante do Comitê Assessor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor do Iuperj e professor visitante do Iesp-Uerj.

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