Certa vez o andarilho chegou numa cidade onde pretendia descansar. No fim de mais um dia da jornada, o andarilho estava próximo de um pequenino povoado e precisava dar um tempo para, no dia seguinte, retomar seu caminho. Entretanto, não conhecia ninguém do lugar. Por tal razão entendeu como melhor para si e para os outros se manter afastado do povoado sem chamar atenção. Para tanto escolheu uma clareira na mata que circundava a comunidade e ali preparou seu acampamento. Depois de preparar seu abrigo saiu para recolher gravetos, a fim de acender a fogueira com a qual se manteria aquecido e afugentaria animais durante a noite. No decorrer da sua busca ouviu o som de instrumentos musicais, vozes, risadas e cantigas, percebendo que se tratava de uma celebração, fazendo-o recordar que desde o início da sua jornada pouco tempo destinara para estabelecer conexões com pessoas novas e exercitar sua alegria. Constatou que após o início de sua caminhada se afastara de si mesmo na mesma proporção que se afastara do ponto de origem de suas andanças. Então, a partir desta ponderação resolveu se aproximar de forma a continuar no anonimato e apreciar a alegria do povo e tentar descobrir qual a razão da festividade.
Do seu ponto de vista percebia que a festa estava congregando todos os membros daquela pequenina comunidade, simples, mas totalmente interativa. Uma fogueira ao centro, comidas fartas, bebidas, alguns músicos com seus instrumentos e as cantigas eram entoadas por todos, numa sincronia que a muito não via. O andarilho do seu ponto de vista passou a observar mais atentamente os mais idosos do grupo e percebeu que sua vitalidade em nada devia aos mais jovens e mais, esses se deliciavam em compartilhar o momento com aqueles. Era místico. Era puro. Era intenso.
Um idoso pediu silêncio para que todos ouvissem suas palavras. O ancião agradeceu a presença de todos e explicou a real motivação daquela festividade. O andarilho percebeu que a celebração era da retomada da vida naquela localidade: depois de tantos anos o povo havia percebido que cada um tem a sua missão a sua importância e sua capacidade de exercê-la com maestria. Cada um reaprendeu como é viver em sociedade e que esta é a verdadeira casa, aquela que recebemos do Divino. Cada um do povoado reaprendeu que é a imagem e semelhança do Criador e, diante dessa constatação, bastava olhar a mata de onde o alimento chegava, olhar as fontes de onde a sede é saciada, olhar o céu que brinda com estrelas e o sol, força da vida, e a lua, luz da noite. Lembrando-se que tudo isso, e também cada um dos membros da vila, foram criados pelo Senhor do Mundo. A festa era uma homenagem a isso tudo e principalmente pela recordação de que todos são capazes de fazer o melhor, pois há em nós a centelha da vida, parte da luz Dele.
Cada um da comunidade redescobriu que o impossível é uma das especialidades do Divino e por lógica também é uma das capacidades dos moradores. Os limites que cerceavam o povo de comer produzir cultivar criar recomeçar eram falsos. Foram impostos por alguns dos covardes que comandavam as terras e tinham medo de perderem a sensação de ter o poder. O ancião relembrava que aquela vila estava livre para se transformar no centro de tudo que é bom, mas todos deveriam se manter atentos para que não fizessem dali o abrigo do mal. O ancião relembrou que a partir do momento em que todos escolheram romper a inércia e deixar a preguiça de lado cumprindo todos com suas responsabilidades e auxiliando uns aos outros o povoado voltou a viver. Consequentemente todos também retomaram suas vidas. Todos passaram a sentir o sangue nas veias e o calor do sol no rosto. A comida saciou sua fome. As crianças voltaram a sorrir e os antigos puderam novamente repassar seus conhecimentos aos mais jovens, completando o ciclo da vida. A paz ocupou seu devido lugar.
Por fim, o ancião concluindo sua fala o ancião chamou atenção para que o Templo Maior da vila estava novamente de pé, por uma razão muito óbvia, pois cada um de seus integrantes estavam felizes e certos de que eram capazes e merecedores da vida que celebravam. O Velho Homem lembrou a todos que os Guardiões do Templo em verdade são todos, juntos e fortes! A vila permanecerá pulsante e viva desde que cada um cuide de si mesmo e do seu templo interior. A condução da comunidade é responsabilidade de todos e deve ser uma escolha livre e consciente. E a música foi reiniciada.
Assim, o andarilho tendo ouvido tudo, percebeu que sua caminhada somente estaria completa quando retornasse para sua origem e cuidasse de si mesmo. Em nada adiantaria continuar sua jornada, pois se o que ele busca está dentro de si mesmo, como sempre esteve não há motivo para estar longe de sua terra e de seus familiares e amigos verdadeiros. O andarilho constatou que o seu caminho em verdade será aquele que o levará para sua casa e ao longo desse caminho ele se reencontrará e poderá enfim contribuir com sua gente e sua comunidade.
“Nossa segurança está em risco quando a parede de nosso vizinho está em chamas”. (Horácio)
Fiquem em paz!
Cada um do povoado reaprendeu que é a imagem e semelhança do Criador e, diante dessa constatação, bastava olhar a mata de onde o alimento chegava, olhar as fontes de onde a sede é saciada, olhar o céu que brinda com estrelas e o sol, força da vida, e a lua, luz da noite.
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