O Andarilho - Mudanças são importantes. E não fazem perder a essência

sexta-feira, 13 de maio de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Aproveitando a oportunidade de aprender com os encontros ao longo dos caminhos que passei, escolhi acompanhar o maior andarilho de todos: o rio. Este que nasce nos mais altos montes, embrenhado nas matas, passa timidamente por vários tipos de terreno. Em certos locais nem é visto. Mesmo assim, continua sua missão, não cessa sua andança. Os rios por vezes se juntam a outros pequeninos e tomam um trajeto diferente. Ao longo desse percurso o rio irriga, embeleza, é poluído, gera energia e alcança o mar, cumprindo fielmente sua missão.

Todavia, alguns não têm a oportunidade de ter uma estrada tão suave. Alguns passam por caminhos tortuosos e cheios de pedras e, ao contrário daqueles que facilmente alcançaram o mar, muitas vezes encontram o deserto, um terreno inóspito para suas águas, uma provação que inicialmente parece impossível superar. Mas, o rio, por ter superado os terrenos acidentados por onde passou, acredita na capacidade de suplantar mais este obstáculo.

Ao iniciar sua investida para romper o deserto, logo constata que mal suas águas tocavam a areia, nela desapareciam. E percebe que será necessária uma estratégia nova. Convicto de que fazia parte de seu destino cruzar aquele terreno arenoso, embora num primeiro momento não conseguisse fazê-lo, o rio ouviu a voz do sol, dizendo:

— O vento atravessa o deserto, logo, o rio é capaz. Mas não com a violência que está executando seu propósito. Permita que o vento, experiente, o conduza de maneira suave.

— Mas como isso pode acontecer? — pergunta o rio.

— Consentindo em ser absorvido pelo vento — responde o astro maior.

O rio, por acreditar que em sua vida tudo sempre fora com sacrifício, não aceita a proposta e afirma que conseguirá por si mesmo. Não quer arriscar sua individualidade por medo de nunca mais a conquistar.

Neste momento ouve as areias do deserto:

— O vento desempenha essa função, elevando a água sobre o deserto e deixando-a cair depois.

Amedrontado, o rio pergunta:

— Como saberei se isso é real?

E as areias respondem:

— Pois assim é. Caso contrário, se transformará num pântano. A partir deste momento a você é dada a chance de mudar. Você seguirá seu destino, exercerá seu livre-arbítrio, podendo continuar a ser um rio ou transformar-se num pântano.

O sol intervém novamente:

— Sua parte essencial será transportada e formará um rio novamente. Sua individualidade será preservada.

Assim, o rio começa a lembrar que durante sua longa viagem uma parte sua, não sabe bem qual, fora transportada pelo vento, e nem por isso ele deixou de ser quem era, sua essência permaneceu. E, então, o rio permite ser levado pelo vento, que suave e facilmente o conduz para o alto e para bem longe dali, deixando-o cair suavemente tão logo alcance o topo de uma montanha. O rio percebe que não perderá sua essência por conta das mudanças. Conclui que sua verdadeira identidade é imutável. O seu caminho é que será diferente a cada dia.

Nem todos os rios chegam ao mar, mas nem por isso deixam de ser importantes.

Fiquem em paz!

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