Márcio Madeira
A VOZ DA SERRA: O senhor já esteve à frente da Secretaria de Cultura antes, mais precisamente no fim do governo anterior. Apesar desse intervalo de um ano, é possível analisar que seu trabalho não começa do zero?
David Massena: Sim, eu fui secretário de Cultura ao longo dos últimos nove meses do governo Sérgio Xavier. Mas a cultura tem características muito peculiares. Mal comparando, ela é como um organismo vivo, que precisa ser alimentado para não morrer. É preciso compreender, antes de mais nada, que cultura é algo coletivo. Novas demandas surgiram nesse período, novos grupos sociais se organizaram, novas frentes se abriram e novas cobranças surgiram. Então, o primeiro passo é cumprir a lei municipal de cultura, que foi escrita a muitas mãos, e é fruto de um trabalho de muitos anos. Existe uma lei municipal de cultura, existe uma lei que regulariza o Fundo Municipal de Cultura. E para que tudo isso seja cumprido é preciso que se tenha um Conselho fortalecido. Não se trata de uma pasta centralizada. Por mais experiência que eu tenha, por mais que já tenha sido artista e tenha andado pelos corredores da prefeitura com projeto debaixo do braço pedindo apoio, cultura é coletivo. A gente precisa reunir com Conselho com representatividade, para entender qual é o momento atual de Friburgo, e quais são as demandas que merecem e precisam ser atendidas.
Como é composto o Conselho, e como funciona essa distribuição de responsabilidades entre o secretário e os conselheiros?
O Conselho Municipal de Cultura, além de normativo, é ainda consultivo e deliberativo, então ele tem uma importância muito grande. Na maior parte das questões, os processos fluem entre o técnico e o burocrático, mas a cultura é um retrato da sociedade como um todo. A cultura é o espelho de todos os setores da sociedade. Durante muito tempo falou-se em cultura como algo restrito a manifestações artísticas, mas ela é muito mais do que isso... Então, não dá para caminhar sem ouvir um conselho composto pelas setoriais, representando música, dança, artes plásticas... E também representações da sociedade civil organizada, e do poder público. Temos que dialogar com outras secretarias, porque esporte, por exemplo, também é cultura. Educação é cultura. Gastronomia é cultura. Turismo é cultura. Hotelaria é cultura.
O senhor acabou antecipando uma pergunta, que era justamente sobre a visão reducionista que tantas vezes confunde arte e cultura, ignorando que a segunda, além da esfera artística, possui uma abrangência muito maior...
Cultura é muito mais que arte. A Lilian Barretto, que é um ícone do patrimônio histórico e uma amante de Nova Friburgo, sempre diz que a cultura é o registro do homem na Terra. Tudo que o homem faz na Terra é cultura. E é por isso que precisamos de um conselho que seja representativo e atuante, para dar voz a todos os setores dentro da secretaria. A principal qualidade que o gestor de cultura precisa ter, portanto, é saber ouvir. Eu não posso ter a pretensão de avaliar o que cada comunidade precisa. Ao contrário, são as comunidades que precisam se organizar e nos dizer o que falta em cada região, e o que pode ser melhorado. Ouvir todas essas demandas, através do conselho representativo ou diretamente de representantes das setoriais, do governo ou das comunidades, é o grande papel do gestor. Por isso muitas vezes eu não sei responder quando as pessoas me perguntam pelas ruas quais as ações que serão tomadas. Seria até leviano da minha parte, abrir uma série de projetos pessoais, uma vez que os projetos não serão meus, e sim coletivos. Por isso mesmo, aliás, a secretaria dará sempre prioridade a projetos de relevância e abrangência, em detrimento de projetos pessoais que tenham a finalidade de beneficiar apenas um nicho restrito de interessados. A gestão pública da cultura não pode ter outro pensamento.
Algumas secretarias compõem aquilo que poderíamos chamar de espinha dorsal de um governo. No caso específico de Nova Friburgo, considerando todo o perfil histórico e a herança colonial, a Cultura pode ser considerada estratégica para os necessários processos de recuperação econômica e de autoestima da população. Essa importância se reflete em termos de apoio por parte do governo ou em orçamento?
Eu fiquei surpreso com a visão do prefeito, quando ele pediu que a gestão de Cultura seja compartilhada não só com a sociedade, mas também com alguns setores internos da Prefeitura. Então, nós montamos um grupo e já fizemos algumas reuniões. É um grupo ligado à Fundação Dom João VI, que passa a ter responsabilidade sobre a documentação histórica da cidade, sobre o patrimônio público, inclusive arquitetônico e cultural, e passa a ser um braço do governo para a captação de recursos voltados à realização de alguns projetos ligados a outros setores. O prefeito pediu união de forças entre Turismo, Esporte, Educação, subsecretaria de Eventos e Secretaria de Cultura. O início desse relacionamento tem sido muito rico, aplicando esse olhar necessário sobre a cultura, e tudo que ela significa. Após um desastre climático da proporção do que aconteceu em 2011, é normal que a gente se abale culturalmente, e que aflorem sentimentos de ansiedade e intolerância, e as pessoas passem a cobrar um imediatismo que nem sempre é possível. Por isso eu insisto que a gestão pública da cultura precisa ser, acima de tudo, coletiva e transparente. Se uma demanda não pode ser atendida, então ela precisa ser justificada. A gente tem detalhes muito importantes em Friburgo. A população tem uma educação diferenciada, uma postura, um comportamento que é especial. Em poucos lugares do Brasil, por exemplo, os motoristas param diante de faixas de pedestre, sem que seja necessária a presença de um fiscal de trânsito. Isso já é um detalhe muito positivo. Claro que precisamos mais do que isso, precisamos parar de remendar a cidade, de fazer as coisas com jeitinho. A gente precisa é de projetos grandiosos, precisamos pensar maior e melhor, sempre respeitando a opinião da maioria.
Então a secretaria está aberta a receber sugestões e projetos...
A secretaria tem que estar aberta a tudo e a todos. A Secretaria de Cultura é a casa da população de Friburgo, porque se a gente pensar bem, tudo cabe na cultura. A engenharia, a higiene, hábitos, costumes, educação, moda, ciência, tecnologia, arte, gastronomia... Então a Secretaria de Cultura tem que ser a casa do povo, para que o povo entenda que seu melhor exercício de cidadão é exatamente participar dessas ações coletivas. Não precisa ser artista ou especialista no assunto. Plateia e cidadão, cada um tem seu posicionamento e suas críticas. E eu não posso me fechar a essas críticas, porque são elas que me sinalizam demandas.
Em relação ao Pró-Memória, que conserva a maior parte da história municipal, existe alguma medida por parte da secretaria que possa ser antecipada?
O Pró-Memória passa a ser gerenciado pela Fundação Dom João VI, e inicialmente a fundação tem projetos para ele, como dar continuidade ao processo de microfilmagem da documentação. Também existe o desejo de buscar uma nova sede que possa atender a todas as demandas do Pró-Memória, como pesquisas e tudo mais. Da mesma forma como me faz muito mal observar que a Biblioteca Municipal, que tem uma importância histórica e já foi considerada nos anos 70 uma das cinco melhores do Estado, continua precisando de cuidados. Nós precisamos voltar os olhos para esses setores também, e vamos buscar parcerias para valorizar essas instituições. O Pró-Memória é a menina dos olhos de todos que amam Nova Friburgo. É uma fonte inesgotável de informação porque ali está o registro de toda a nossa história, e eu penso que nós temos que unir forças, junto à Fundação Dom João VI, para mantermos essa documentação preservada e acessível. E sempre reverenciar a memória de duas pessoas que foram responsáveis por esse centro de documentação histórico, que são Dona Suzel Soares da Cunha e Thereza Albuquerque Mello.
A secretaria tem a intenção de trabalhar com editais públicos?
Eu sou defensor da transparência. Pouca gente sabe que a maior parte da dotação orçamentária da secretaria é distribuída em forma de subvenções para instituições, através do legislativo friburguense. Eu sou contrário a isso. Eu entendo que as subvenções deveriam ser editais públicos para apresentações de projetos dessas instituições, e o Conselho, em parceria com o Legislativo, seria responsável pela aprovação ou não dessas subvenções. Nós vivemos num tempo em que devemos ser transparentes e exercitar, mais do que nunca, a democracia. E a cultura é um palco excelente para isso. É claro que não estou discutindo as duas instituições que considero as mais importantes do estado do Rio de Janeiro, que são as nossas bandas centenárias. Aliás, sesquicentenária, porque a Euterpe comemorou 150 anos em 2013. Essas duas instituições são respeitadas pelo Brasil inteiro e jamais poderão ser desrespeitadas pelo cidadão friburguense ou por qualquer gestor da cultura. As demais subvenções, no entanto, deveriam ser melhores avaliadas, e talvez disponibilizadas em formato de edital público. Mas isso, claro, também é uma coisa para se discutir com o conselho.
Para encerrar, como o senhor gostaria de ver Nova Friburgo chegar aos 200 anos?
Essa é outra grande preocupação. Entendo que é uma responsabilidade da Secretaria de Cultura criar, já, um grupo de trabalho pensando exatamente nesses 200 anos. Eu gostaria de ver Friburgo chegar aos seus 200 anos com friburguenses melhores. Friburguenses que amem mais a cidade, porque ela continua linda e exuberante. Nós precisamos amar mais nossa cidade.
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