"Nesse tempo, o excesso de trabalho, tanto literário como burocrático, fez com que adoecesse. No final de 1878, entrou em licença no serviço público e seguiu, doente, para Friburgo, onde ficou até março do ano seguinte. (...) Além dos incômodos nervosos (espaçados ataques epiléticos), sofria de afecção intestinal e tinha a visão enfraquecida, a ponto de não mais poder ler ou escrever. Os médicos terminaram lhe indicando os ares da serra, no estado do Rio. Pela primeira vez Machado de Assis gozava de férias.
A crise coincidia com seus 40 anos e significou radical e inesperada transformação, aprofundando a evolução do romancista. Sua literatura mudou de rumo: em vez dos pequenos conflitos humanos, o grande conflito entre o homem e a vida. Abandonou as narrativas do tipo romântico, a fase otimista ou o ciclo das ambições, como os críticos chamam a primeira fase da sua obra, dando início à fase pessimista.Começou a ditar para Carolina um novo romance, Memórias póstumas de Brás Cubas.”
(DINIZ, Edinha. Mestres da Literatura: Machado de Assis. 1ª ed. São Paulo, Moderna, 2003)
A Mário de Alencar
[Nova Friburgo, 15 fev. 1904]
Querido e distinto am.o. Mário de Alencar,
Muito lhe agradeço a sua resposta a minha carta relativa ao destino do edifício da Praia da Lapa. As palavras do Dr. Seabra confirmam o que antes sabia por ele mesmo, e que o Jornal parecia fazer crer alterado. Agora sei, e em termos sempre positivos, que a Academia pode contar com a parte que lhe toca naquele excelente lugar. Ainda uma vez, obrigado.
Sobre a minha descida daqui, os seus conselhos são de bom amigo, como as demais palavras de carta, mas não posso deixar de a efetuar. Tudo assim o pede, e tudo está determinado. Sem dúvida, não é pouca a necessidade que tenho de descansar, fora dessa minha cidade natal, onde o calor é agora imenso, como me diz e todos os que me escrevem. Aqui não tenho calor, se não ando ao sol e o sol é pouco. Quando eu aí chegar hei de estranhar a temperatura; mas enfim não pode ser de outra maneira.
Acabo aqui a carta para chegar ao tempo da mala, que é fechada às duas horas, e a Agência do Correio não é perto. Ainda uma vez, agradeço a boa vontade com que me leu e me tranqüilizou. Adeus, meu querido amigo, receba os nossos cumprimentos (...)
Velho am.o Machado de Assis
A Salvador de Mendonça
[Rio de Janeiro, 30 mar. 1904]
Meu querido Salvador de Mendonça,
Aqui recebi, logo que voltei de Nova Friburgo, um exemplar do seu Ajuste de Contas, lembrança de 46 anos de boa e constante amizade.
(...)
Mando-lhe aqui um abraço apertado; outro, ainda uma vez, pelo discurso a Mac-Kinley pela resposta deste, e pela unanimidade da imprensa americana.
(...)
Lembranças do Velho am.o Machado de Assis
A José Veríssimo
[Rio de Janeiro, 1º dez. 1897]
Meu caro José Veríssimo,
Estimei ler o que me diz dos bons efeitos de Nova Friburgo. A mim este lugar para onde fui cadavérico há uns dezessete anos, e donde saí gordo, ce qu’on appelle gordo, hei de sempre lembrar com saudades.
Estou certo que lucrará muito, e todos os seus também, e invejo-lhes a temperatura. Aqui reina o calor; apesar do temporal de ontem, escrevo-lhe com calor, às sete horas da manhã. Não pense que não compreendo o que me diz do caráter da vida daí. Eu sou um peco fruto da capital, onde nasci, vivo e creio que hei de morrer, não indo ao interior senão por acaso e de relâmpago, mas, compreendo perfeitamente que prefira um campo a esse misto de roça e de cidade.
[Rio de Janeiro, 1º fev. 1901]
Meu caro...
Creio que se lembra de mim lá em cima; também eu me lembro de Você cá embaixo, com a diferença que Você tem as alamedas do belo parque para recordar os amigos, e eu tenho as ruas desta cidade. Li com inveja as notícias que me dá daí e dos seus "dias gloriosos”. Aqui a temperatura tem estado boa e excelente. Tem havido calor, mas é fruta do tempo. Chegou a haver frio, depois daquele famoso temporal, o maior que tenho visto, porque o de 1864 durou menos e não trouxe o tufão medonho, que me deitou abaixo as duas grandes palmeiras do jardim, arrancou grades, retorceu outras, e não me levou a mim, porque eu já estava em casa, mas levou as telhas e deixou cair a chuva em toda a parte. Começo a crer que vamos ter as tardes antigas de trovoadas; tanto melhor, se vierem temperar o calor. Pelo que Você me diz na carta, vai passando bem.
Nova Friburgo é terra abençoada. Foi aí que, depois de longa moléstia me refiz das carnes perdidas e do ânimo abatido. E note que não tinha casa, nem parque, nem biblioteca de amigo, como Você; mas a terra é tão boa que ainda sem eles, consegui engordar como nunca, antes nem depois.
Adeus, meu caro amigo; continue a lembrar-se de mim, que eu faço o mesmo. Minha mulher agradece as suas lembranças, e eu assino-me como sempre, o velho am.o admirador.
[Rio de Janeiro, 16 fev. 1901]
(...)
O céu, reconhecendo esta situação, mandou-me um verão, e particularmente um fevereiro, que nunca jamais aqui houve. Já tivemos frio! Verdade é que ter frio não é ter Nova Friburgo. A prova do benefício que lhe faz esse clima delicioso, com a vida que lhe corresponde, cá temos tido nas suas Revistas Literárias, que são para gulosos.
[Nova Friburgo, 14 jan. 1904]
(...)
Vai ficar espantado. A sua carta chegou aqui comigo, e mal entrei no Hotel Engert, onde estou, era-me ela entregue. (...)
Minha mulher agradece-lhe igualmente os seus bons desejos, e espera, como eu, ganhar aqui o que se perdeu com a doença, se não é esta anemia que persiste ainda; o clima é bom e dizem que famoso para esta sorte de males. Enfim, agradeço-lhe os números do Temps e a carta que estava no Garnier. Vim achar aqui alguma diferença do que era há vinte anos, não tal, porém, que pareça outra coisa. Há um jardim bem cuidado, e algo mais. O resto conserva-se.
Posso consolar-me com o que correspondente de Viena diz no Temps que Você me mandou, a propósito da demolição da casa em que morreu Beethoven: "Si la maison de Beethoven avait été située dans la partie vieille de Vienne, là où les ruelles tortueuses et bâtisses pittoresques subsisteront encore des siècles; peut-être eut-on pu la conserver”. Suponhamos Viena, menos os séculos que terão de viver as casas velhas.
Quanto ao algo novo, além do jardim público e árvores recém-plantadas, são uma dúzia de casas de residência e ruas começadas.
(...)
[Nova Friburgo, 17 jan. 1904]
(...)
Minha mulher vai passando melhor, conquanto algumas pessoas amigas nos arrastassem a visitas e excursões e dessem conosco no Teatro, anteontem. O ar é bom, o calor não é mau, sem ser da mesma intensidade que o de lá, segundo contam e leio.
[Nova Friburgo, 21 jan. 1904]
(...)
Vamos passando. Tem havido chuvas e calores, estes comparativamente menores que lá embaixo.
Você e os seus como têm passado? Que há de novo entre os amigos da Academia e os habituados do Garnier?
Daqui ouço as vozes secretas da Câmara, e agora ouço as primeiras da trovoada do dia cá de cima. Esta impede muita vez os passeios ou interrompe-os. Ontem excepcionalmente, não choveu. Ouvi missa cantada, ou meia cantada, na matriz, com acréscimo de um sermão, apologia de S. Sebastião, mártir. Nos domingos há também prédica no meio da missa. A igreja, que é alegre, estava cheia. De tarde, procissão. Nesse capítulo vim achar muito trabalho católico. Há um colégio jesuíta, do qual só está construído um terço, e será dos maiores ou o maior edifício.
[Nova Friburgo, 4 fev. 1904]
(...)
Tem chovido e feito sol, menos sol que chuva; tal é o achaque da terra. Lá parece que o calor faz das suas, conquanto alguns me digam que a temperatura tem feito concessões.
Contar-lhe-ei uma daqui. Em um dos quartos de banho aqui do Hotel achei escrito a lápis as seguintes palavras: "Saudades de Nova Friburgo”. Suponho que as escreveu alguém na véspera de descer. Mas logo abaixo dei com estas outras, provavelmente de alguém que ainda cá ficava: "Saudades do Rio”. Era um protesto, também a lápis, e a idéia não parece mal cabida nem mal expressa.
Estive aqui com o Dr. Artur Porto, advogado no Pará, que desceu há dias, dizendo-me que antes de seguir para Pernambuco iria procurá-lo; deixei-lhe o número de sua casa no Engenho Novo, e indiquei-lhe o Garnier; parece que irá à livraria. Quando aqui cheguei, ele acabava de perder um filho e tinha outro doente. Este escapou, e lá vai com ele o terceiro. Dissemos bastante mal a seu respeito.
Remeto-lhe com agradecimentos os números do Temps que me mandou. E aqui fico até breve. Minha mulher fortifica-se. Um abraço para os amigos, e receba o seu do costume, com as saudades do
Velho amigo M. de Assis
[Nova Friburgo, 11 fev. 1904]
(...)
Quanto a voltar ao Rio, não o poderei fazer depois da data que lhe disse, creio eu 25 ou 26 do corrente, por motivo de serviço público. Até lá não terei mais nada, e minha mulher estará convalescida.
Nos últimos dias temos tido mais chuva que sol. Agora mesmo, após o dia e a noite de ontem, estamos com a manhã sem saber o que haverá no resto do dia. Creio que chuva.
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