“Nova Friburgo está se reinventando”

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
por Jornal A Voz da Serra
“Nova Friburgo está se reinventando”
“Nova Friburgo está se reinventando”

Texto: Dalva Ventura / Fotos: Amanda Tinoco

Difícil definir a área de atuação do jovem advogado Thiago Chaves de Mello. Especializado em direito autoral e empresarial, marcas e patentes, ele vem se destacando na assessoria jurídica a projetos culturais em geral. Em outras palavras, atua no desenvolvimento de projetos culturais e no levantamento de verbas para financiar sua realização. Recém-nomeado gestor de projetos da Fundação Dom João VI, Thiago representa a esperança de reabilitar o rico acervo do Pró-Memória, uma grande preocupação de todos que amam a história de Nova Friburgo. 

Nesta entrevista, ele analisa o movimento cultural da cidade, que considera riquíssimo, e fala sobre as maneiras de viabilizar as produções locais.    

 

A VOZ DA SERRA – Para começar, fale sobre sua militância profissional em Nova Friburgo. 

Thiago Mello - Trabalho no sentido de tirar a cultura e o capital intelectual da cidade deste plano secundário de realização econômica e existencial em que se encontra. Meu objetivo é trazer os ativos intelectuais de que dispomos — e que são muitos — para o centro da agenda de desenvolvimento econômico e social. É preciso destacar que só eles conseguirão nos dar a habilidade de transformação e recuperação tanto urbana como social e econômica que necessitamos. 


E como você vê nossa cidade neste momento? 

Friburgo já é uma cidade com economia criativa. A prova é que 6% de seu PIB vem da moda íntima. Se o município capitaliza e transforma este ativo em ganho é outra história, mas não há dúvidas de que ele já se posicionou e está se reinventando neste sentido. Já virou a mesa, temos outro cenário. Temos iniciativas empreendedoras muito interessantes, centros de pesquisa de gabarito, universidades formando, enfim, temos toda uma energia transbordando por todos os lados. Isso sem falar nas manifestações culturais tradicionais aqui existentes, como as nossas bandas centenárias, as nossas colônias, os nossos grupos de teatro, os nossos artistas plásticos e tantas outras formas de expressão. Desde a década de 90, a cultura vem sendo entendida como um setor produtivo de grande importância aqui na cidade e isso é muito bom. Com outra vantagem: culturalmente, nós ainda preservamos um vínculo com países que colonizaram o município, como a Alemanha e a Suíça. Isso é bom. 


O que falta, então?

Orientação de mercado. Precisamos de uma estratégia comercial. Poderíamos até falar em inteligência comercial e na prospecção de nichos de mercado fora daqui. 


Como assim?

Vou dar um exemplo. Curiosamente, nós temos 2.000 metros quadrados de estúdios de TV equipados em Nova Friburgo. É uma loucura, mas todos são subcapitalizados. Quando eu converso sobre isso com interlocutores do Rio de Janeiro eles piram, não conseguem entender. A gente tem um passivo mobiliado na cidade que são outros 10.000 metros quadrados de estúdios na cidade. Hoje, um estúdio no Rio, sem iluminação, sem cenário, sem nada, custa R$ 1.800 reais a diária. Se você considerar equipe técnica, locação de equipamentos, os custos de produção, enfim, Friburgo teria condições de competir, "mole mole”, no preço. Friburgo é muito próxima do Rio. Se o cliente pagar R$ 500 reais aqui, os estúdios locam de ponta a ponta, pois as produções virão para cá. Além disso, temos uma mão de obra ociosa que tem de ir embora. Os nossos jornalistas, os nossos profissionais de marketing e os nossos técnicos não são absorvidos pelo mercado local, que não sabe utilizar seus espaços e equipamentos. É uma questão da orientação de mercado. 


Qual seria a solução?

A união dos espaços de consenso. Esta engenharia, a chamada engenharia social, é a coisa mais difícil de se obter em Friburgo. Quem trabalha muito com isso é o Sebrae. A moda íntima, aos poucos, vem conseguindo se unir, com as confecções correndo atrás, juntas, pois entenderam que assim todas ganham. Isso, porém, não aconteceu ainda com a cultura. Quando conseguirem se unir e pactuar, buscando um agente de mercado, todas ganharão. 


O problema é que em Nova Friburgo esta união é difícil?

Com certeza. Uma coisa que muito me angustiou e continua me angustiando são estes grupinhos locais. Fulano não se dá com sicrano, que por sua vez não fala com aquele outro. Coisa de província mesmo. Ao mesmo tempo, todo mundo se conhece, todo mundo fala e sabe tudo de todo mundo. Não criamos espaços de consenso. Para criar uma agência de desenvolvimento cultural na cidade os grupos não podem se encastelar. Culturalmente, temos um problema muito sério que é criar um universo de debates que paire acima destas coisas. 


Nova Friburgo sofre certo conservadorismo que dificulta esta união, você não acha?

Sim, mas vou além. Não é bem conservadorismo não, é um pouco pior, é reacionarismo. O conservadorismo, em essência, não é ruim, porque implica certos valores que não se deve perder de imediato, pois teria impactos muito negativos sobre a coletividade. Mas o reacionarismo não se justifica, principalmente em se tratando de cultura. O mundo hoje, esta geração nova, vive outra dinâmica, está entendendo outra dimensão de valores de trabalho, principalmente neste nicho de mercado. Então, não dá para ficar em grupinhos, fazendo intrigas.


Infelizmente, porém, a cultura costuma ser deixada em segundo plano pelos governos, você não acha? 

É verdade. A cultura costuma ser a primeira coisa a ser renegada pelos governantes em geral, pois é entendida como perda de tempo, sem importância. Não tem verba? Corta da cultura. Gente, a cultura é um elemento central de desenvolvimento econômico. Os governantes precisam entender que não se pode discutir turismo ou desenvolvimento social sem discutir desenvolvimento cultural. Este é um dos elementos essenciais da hegemonia nacional. 


Como já falamos, nossa sorte é que Friburgo é uma cidade muito rica do ponto de vista cultural. Este fator está presente na própria gênese da cidade...

Sim e podemos nos orgulhar disso. Um mote essencial que a gente tem de assumir é que uma cidade é feita de gente e gente é riqueza, pois gente cria. E este capital que se chama intelecto, capacidade de invenção, nos é muito generosa. Temos muitos, muitos artistas, músicos, escritores, jornalistas, muitos deles conhecidos em todo o país, premiados. Temos universidades formando, temos histórico cultural, temos capacidade de conexão com outras culturas, outros territórios. Então, precisamos aproveitar ao máximo todo este potencial. Falta apenas engendrar tudo isso em torno de um norte. O resto é processo. E a própria história se encarregará de realizar. 


Você dá consultoria aos escritores e à classe artística da cidade no sentido de obter financiamento para seus projetos, é isso? 

Sou consultor para projetos em economia criativa, ou seja, trabalho com a premissa de entendimento e análise de mercados dos capitais intelectuais. Em outras palavras, procuro viabilizar negócios e projetos voltados para o intelecto. Sou procurado por escritores, poetas, artistas plásticos, músicos, grupos de teatro, que precisam levantar verba para colocar em prática suas ideias e seus trabalhos. A partir daí, vou prospectando todos os editais disponíveis para depois enquadrar o projeto com as ferramentas disponíveis. 


Atualmente, quais as formas de que dispomos para viabilizar um projeto? 

O Estado disponibiliza algumas possibilidades através das leis de incentivo — Rouanet e ICMS — mas em Friburgo é muito difícil aprovar um projeto através das mesmas. No caso da Rouanet, boa parte das empresas não é de lucro real e sim de lucro presumido ou Simples, não estão habilitadas a aplicar a lei. Pelo ICMS é outro problema. Temos uma lei estadual que concede benefícios fiscais por ganhos produtivos da mercadoria. Isso impede que elas façam uso dos créditos tributários do ICMS. A saída seria uma lei municipal ou capacidade de investimento municipal para oferecer abono no valor de ISS e IPTU, como acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo. 


Qual o caminho, então? 

Os editais. É preciso ficar atento aos editais, que são programas das secretarias do Estado ou de ministérios que fornecem fomento direto à cultura e estão abertos tanto a pessoas físicas como jurídicas. Artistas plásticos, músicos, bandas, escritores, todos podem participar. O importante é atender aos critérios de cada edital, como a planilha orçamentária, o público atendido, tudo tem que ser muito claro e objetivo. Os editais são sempre muito claros, com critérios muito objetivos. 


Pode-se buscar também empresas que patrocinam eventos culturais e artísticos?

Sim, a produção cultural figura hoje como elemento estratégico de mercado, já que a economia do entretenimento é uma grande fonte de riquezas. E existe, não digo um macete, pois não garante o êxito, mas há formas de proceder para conseguir enquadrar o projeto ao que os editais preconizam. O que eu tento passar para quem me procura é que ela não está apenas publicando um livro ou gravando um CD. Está, sobretudo, posicionando um produto. Sem tirar, é claro, o aspecto cultural, artístico e estético do mesmo. Por exemplo, se você é uma escritora, vou identificar vários editais que podem lhe atender para publicar seu livro. Ou pensar numa outra estratégia para que ele se torne acessível e consiga entrar no mercado. Gasto 80% do meu tempo prospectando editais.


Aqui em Nova Friburgo já temos histórias positivas para ilustrar? 

Sim. Que eu me lembre assim, de cara, tem o Gui Malon, que vem emplacando seus projetos musicais inscrevendo-os em editais. E a Família Clou, que conquistou o Prêmio Carequinha, também. Mas temos muitos outros. 


E a cidade está amadurecida para entender e aplicar os conceitos utilizados por você para criar seus projetos?

Esta pergunta é maravilhosa. Para começo de conversa, digo sim, mas reafirmo que a apresentação dos projetos não pode ser amadora, implica toda uma tecnologia, digamos assim. Eu utilizo a metodologia Canvas, que vai me dizer quantas pessoas devem estar envolvidas no projeto, qual o grau de adesão ou inclusão de cada uma delas, como o produto ou negócio vai se posicionar no mercado, quem vai comprar e uma série de outros dados. 


O que você quis dizer ao afirmar que a cidade hoje está vivendo um momento especial? 

Bem, a geração líder da cidade vem sendo substituída, digamos assim, pois a geração de uns 35 anos de idade ou um pouco mais passou a assumir os negócios da família. Veja, há alguns anos, o equipamento urbano de serviços de Friburgo era muito mal trabalhado do ponto de vista estético. Não havia nenhum interesse nisso. A mesa do restaurante podia ser de PVC e o piso frio, embora a carne fosse muito bem servida, a cerveja gelada e o suco legal. Hoje, existe um maior rigor, há uma demanda por espaços esteticamente mais qualificados. O próprio redesenho da Fevest mostra isso. O outro morreu porque se esgotou naquilo, que era a venda, o êxito comercial, com menos senso estético. Agora, os empresários da moda íntima têm outra percepção. Mas ressalto que só senso estético não basta. 


O que falta? 

É preciso revolucionar esses produtos, remodelar os negócios, repensar como são assimilados e incorporados ao mercado consumidor. Friburgo está pronta para isso? Eu diria que sim. Volto a fazer um paralelo com a moda íntima. É um produto que requer estética, que não se vende por si, mas precisa incorporar tendências e isso exige design. Que por sua vez exige todo um trabalho de modelagem. Vejo muitas marcas locais atentas a este mercado. Assim como agências de publicidade antenadas, desenhadas para o mercado digital. Outro exemplo são os sites de vendas coletivas Boa da Serra, de entrega de comida japonesa e de bebidas geladas a domicílio, até 2h da manhã, operando com sucesso. Ou seja, agora é a hora e a vez da cultura. Falta apenas união.  


  


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