GIRLAN GUILLAND
(SECOM) - Neste domingo, 15 de novembro, completa-se o 120° ano da proclamação da República brasileira. A data, que assinala ainda o encerramento do Ano da França no Brasil - iniciado oficialmente em 21 de abril no Rio de Janeiro - passa a ter um significado especial também para os friburguenses: colonizado, pioneiramente, por suíços (1819) e alemães (1824), mas terra de todos os povos, Nova Friburgo ressalta suas influências francesas: pelo decreto N°179/2009, que o prefeito Heródoto Bento de Mello assinou no último dia 10, o município passará a hastear, ao lado das outras dez bandeiras de seus povos amigos, o pavilhão nacional da França. A solenidade oficial acontece às 10 horas deste domingo, na panóplia da praça das Colônias, no Suspiro.
Motivação maior para o ato foi o fato do francês Jean Bazet ter acompanhado a primeira leva de colonizadores suíços, dos quais foi médico contratado pela Coroa portuguesa, além de ter sido ainda o primeiro administrador da villa, como presidente de seu PoderLegislativo (equivalente ao cargo de Prefeito), na época em que a instituição correspondente à Câmara Municipal exercia também o Poder Executivo.
De Napoleão A Dom João, uma Nova Friburgo de todos os povos
No entanto, motivos não faltam para justificar o ato: Nova Friburgo, que teve também a sua belle epóque, ao final do século 19, mostrou-se ao longo de sua rica e expressiva história, também um pouco francesa. Vários traços aproximam o município daquele povo e de seu país, embora a França não seja reconhecida oficialmente entre os países colonizadores, assim como diversos outros povos, que ao longo dos anos vêm se juntando à sua gente para a formação e o desenvolvimento deste que é um dos mais importantes municípios brasileiros.
A começar por seu fundador, que assinou em 16 de maio de 1818 o ato autorizando a vinda da primeira leva de suíços: o Rei Dom João VI, apesar de português, era descendente direto da Casa de Bourbon.
A este fato vão se juntando diversos outros, ao longo dos quase 200 anos da história friburguense, para revelar a porção francesa de Nova Friburgo.
Até indiretamente, a própria história oficial mostra que foi consequência de um francês, o então ditador Napoleão Bonaparte, uma das motivações para a fundação de Nova Friburgo: a Europa fragilizada pelas guerras napoleônicas tinha que enviar seu povo, sobretudo os suíços, para uma nova corrente imigratória, como conta em seu livro La Genése de Nova Friburgo, o professor e historiador suíço Martin Nicoulin: “O desemprego aumentou e a reação (...) foi os suíços buscarem o seu ganha-pão, além do oceano”.
Glaziou e seu jardim francês do século XVII
Mas também a vila colonial, que em seus primórdios chegou a ter três idiomas - português, alemão e francês - obrigou o governo a contratar o colono suíço Piérre Agued, oriundo de Estavayer le Lac (profundo conhecedor de línguas), para ser intérprete oficial, inclusive porque à época as publicações dos editais e avisos públicos eram nas três versões.
Bem mais tarde, outro personagem, genuinamente francês viria juntar-se a este elenco: o paisagista François Marie Auguste Glaziou chega ao Brasil, em 1858 para, a convite de D. Pedro II, ocupar o cargo de diretor-geral de Matas e Jardins da cidade do Rio de Janeiro, onde além de projetar a Quinta da Boa Vista, o Campo de Santana, o Passeio Público os jardins do Palácio do Catete e do Palácio Guanabara, também em Nova Friburgo, foi contratado pelo barão Antonio Clemente Pinto (1795/1869), para projetar os jardins do então palacete do Parque São Clemente (hoje Country Clube).
Mas foi em 1880, já sob os desígnios de Bernardo Clemente Pinto Sobrinho – o 2° barão e filho de Antonio Clemente – e a quem coube completar uma das maiores obras do pai, a ferrovia de Cantagalo, que Glaziou faria uma de suas maiores e mais importantes intervenções públicas: os jardins da então praça Princesa Isabel (atual Getúlio Vargas).
Mestre em urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UFRJ), o friburguense Luiz Fernando Dutra Folly, assessor da Secretaria municipal de Cultura/PMNF, e autor da disertação de mestrado Praça Princesa Isabel: o projeto esquecido de Glaziou, assinala que a Getúlio Vargas “é a única praça brasileira em que o renomado paisagista resgatou o estilo francês dos jardins públicos do século XVII”.
Carnaval em Fin de Siècle e uma ‘Grand Maman’ empreendedora
No livro O Cotidiano de Nova Friburgo no final do século XIX: práticas e representação social, a professora e pesquisadora Maria Janaína Botelho Corrêa descreve o carnaval friburguense oitocentista: “Estávamos em pleno reinado de Momo. O carnaval de Nova Friburgo demarcava posições sociais e estabelecia territórios (...) a elite buscava o estilo europeizado, inspirada na commedia dell´arte”, numa publicação em que a autora destaca características acolhedoras de uma Cidade Cortesã, ao final dos anos 1890, ressaltando traços da influência francesa.
“Os veranistas permaneciam em Friburgo durante seis prolongados meses (...), chegando em novembro e retornando à capital em maio. (...) essa vinda habitual ofereceu novas formas de convivência social à elite friburguense (...), desvinculando-se do restrito círculo familiar e ampliando o convívio social: as mulheres exibidas e coquettes, passaram a organizar soirrées, a frequentar o teatro e promover diversos eventos”, continua a professora Janaína, cujo livro ressalta ainda o fato da cidade promover apresentações de óperas em francês, no então Theatro Dona Eugênia.
Já no livro Histórias de Famílias: casamentos, alianças e fortunas, a também historiadora Marieta de Moraes Ferreira (professora de História do Brasil da UFRJ), além de sustentar que “do fim do século XIX até 1914, a elite carioca viveu o que se chamou de ‘Belle Epoque tropical’ e as famílias abastadas da ‘Suíça Brasileira’ fizeram o mesmo”, traz à cena uma personagem fantástica: Marianne Joset, que desembarcou órfã no Brasil, aos 14 anos, após perder toda a família num dos navios que trouxeram as primeiras levas de colonos suíços, acabaria se tornando matriarca de importante família brasileira.
Chamada Grand Mamam, Marianne, que se casaria com o francês Guillaume Salusse – que muitos acreditam ter vindo para o Brasil, após ter sido derrotado pelos ingleses na Batalha de Trafalgar, pois possuía medalha cunhada por Napoleão – foi uma mulher atípica para a época. Ela criou e dirigiu, durante muitos anos, o Hotel Salusse, estabelecimento pioneiro no aproveitamento do potencial turístico do município. Marianne e Guillaume eram avós paternos do renomado poeta Júlio Mário Salusse.
E por fim, entre tantas evidências, vale o registro de que a trineta de Jean Bazet vive em Nova Friburgo há mais de 50 anos: embora tenha nascido no Rio, dona Gilda Lisboa, aos 87 anos de idade, reside na tranquilidade de um dos distritos rurais friburguenses, onde foi descoberta no ano passado pelo movimento Nova Friburgo 200 Anos.
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