Nova Friburgo e o realismo fantástico

terça-feira, 15 de novembro de 2011
por Jornal A Voz da Serra

Professor João Raimundo de Araújo

À Professora Célia Martha Azeredo

Os moradores do aparentemente tranquilo município de Nova Friburgo vivem momentos que parecem emergir das páginas escritas de um Garcia Marques ou de um Alejo Carpentier ou mesmo de um Vargas Lhosa. Nem a Antares de Veríssimo, e muito menos a Sucupira de Dias Gomes, aqui na “Suíça brasileira” de uns tempos para cá, o fantástico é o real e vice e versa.

Há mais ou menos um ano, Nova Friburgo vem vivendo três grandes tragédias. Em princípios de outubro de 2010 fomos surpreendidos com a notícia do estranho acidente do prefeito Heródoto B. de Mello numa estação ferroviária da Suíça e o consequente afastamento do chefe do executivo municipal. Mal sabíamos que tinha início a primeira tragédia a se abater sobre nós. As vacilações de um vice sem nenhum preparo para o cargo, seu afastamento por motivo de improbidade administrativa e a ascensão do presidente da Câmara Municipal, tudo isso ocorreu em um só ano. Três prefeitos num curto período de um ano. Um prefeito afastado por moléstia que sempre ameaça voltar, o segundo afastado pelo Ministério Público e um terceiro, considerado interino sem a certeza do tempo do mandato. Tragédia política que permanece ameaçando a tranquilidade da vida do pacato cidadão friburguense sabe-se lá até quando.

O mês de janeiro de 2011 estará eternamente gravado nos corações e mentes dos habitantes desta terra em virtude da tragédia das chuvas, dos trovões, dos desabamentos, das quase 500 mortes oficialmente declaradas. Nem o fuzilamento dos milhares de indígenas da cidade de Macondo, nem os enterrados vivos da ficção de Manuel Scorza, nem mesmo a mortandade na Guerra do Chaco relatada por Augusto Roa Bastos, se aproximam da fantástica realidade do 12 de janeiro de 2011 em Nova Friburgo. É claro que a insensibilidade dos representantes políticos vem estendendo esta segunda tragédia até nossos dias.

Como se nada disso fosse bastante, em Agosto de 2011 fomos surpreendidos pelo anúncio da terceira tragédia em um ano. Trata-se agora de uma tragédia cultural. O anúncio do futuro fechamento da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia é sem dúvida uma tragédia cultural ao lado da política e da natural. Há 55 anos esta Faculdade vem formando professores das áreas de Letras, Matemática, Ciências, História, Geografia, Pedagogia, Sociologia, que hoje significam em torno de 90% dos profissionais eu atuam em cerca de 12 municípios da Região Serrana. O encerramento das atividades desta Faculdade aponta para um futuro sombrio no campo da Educação de toda a Região. Lembremos ainda que em recentes avaliações promovidas pelo Ministério da Educação a posição dos egressos desta Faculdade é comparável à posição dos alunos das melhores Universidades públicas do País. Sem contar o bom desempenho daqueles nos concursos do Magistério Público, bem como para os cursos de Mestrado e Doutorado nas grandes Universidades do País. A Faculdade Santa Dorotéia vem primando não apenas pela quantidade dos professores e professoras ali formados, mas sobretudo pela qualidade de ensino ali ministrado revelada nas recentes avaliações realizadas. A tragédia é maior quando verificamos que no espaço desta Faculdade vem ao longo deste meio século ocorrendo eventos culturais invejáveis. No antigo auditório desta Instituição, hoje Teatro Sania Cosmelli, proferiram conferências e Aulas Magnas figuras como Leonardo Boff, Paulo Freire, Anita Feire, Luis Carlos Prestes, Darcy Ribeiro, Ciro Flamarion Cardoso, Cleonice Berardinelli, Jairo Nicolau, Ferreira Gullar, Marina Colassanti, Afonso Romano de Santana, Zuenir Ventura, Betinho (irmão do Henfil), Cecília Coimbra, Ruy Moreira, Carlos Walter Porto Gonçalves, Denis de Moraes, Virgínia Fontes, Marcelo Badaró Mattos, João Antônio, Aguinaldo Silva, Inácio de Loyola Brandão, Antônio Torres, Lara de Lemos, Bartolomeu Campos de Queiroz, Raquel de Queiroz, Magda Soares, Eliana Yunes, Alejandra Rotania, Rubim Aquino, o historiador suíço Matin Nicoulin, bispo Dom Clemente Isnard, Gaudêncio Friggotto, Victor Valla, Bertha do Valle, Nilda Alves, o Senador Cristóvão Buarque de Holanda, Deputado Chico Alencar, Deputado Marcelo Freixo, Deputado Alessandro Molon, Deputado Carlos Abicalil, Deputado Carlos Minc, Deputado Comte Bettencourt, Liszt Vieira, Fernando Gabeira. No mesmo local ocorreram eventos que revelam o ecumenismo e a tolerância religiosa sempre presentes: em 2001, esta Faculdade católica sediou um encontro com um líder religioso muçulmano e, em diversos outros momentos, foram realizados eventos ecumênicos envolvendo lideranças de diversas denominações cristãs. Revelava-se a postura de tolerância religiosa sempre presente na instituição. O interessante desses eventos é que não se restringiam a um público doméstico: efetivamente, nesses momentos a Faculdade generosamente abria esse espaço à presença do público de todo o município e região. Sendo assim, o término desse espaço significará um empobrecimento cultural de Nova Friburgo. É a terceira tragédia no mesmo ano a se abater sobre a mesma cidade e se estende aos municípios vizinhos.

Precisamos de toda a nossa capacidade reflexiva no sentido de encontrar formas, caminhos, estratégias, com vistas a impedir a continuidade destas três tragédias. Indignação diante da insensibilidade e compreensão das razões destas tragédias são indispensáveis, mas é pouco.

Como dizia o poeta “(...) é infâmia demais! Levantai-vos heróis do Novo Mundo! Andrada, arranca este pendão dos ares! Colombo, fecha a porta de teus mares”.

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