371 mortos e mais de 100 ainda desaparecidos:
O dia a dia da maior tragédia da história
Henrique Amorim
Nova Friburgo jamais vai esquecer a fatídica madrugada do último dia 12 e os dias seguintes marcados pela dor, desgraça, destruição, vidas e patrimônios arruinados, revolta, tristeza, depressão, lama e poeira, mas também e, principalmente, a vontade de reconstruir, renovar e unir esforços para fazer uma Friburgo nova, ressurgida da lama, rumo ao progresso. A dor da perda de centenas de friburguenses, quem escapou da força avassaladora das chuvas jamais esquecerá.
Foram amigos, vizinhos, conhecidos, autoridades, profissionais de diversos setores que já não estão mais entre nós. Nova Friburgo ganhou a mídia mundial, infelizmente, de maneira trágica. Passados mais de dez dias da maior catástrofe climática do Brasil e uma das dez do mundo, ficou a dor e a tristeza dos sobreviventes e a angústia dos familiares no anseio de encontrar os corpos dos seus entes queridos para, pelo menos, sepultá-los dignamente. É o que lhes resta antes de vislumbrar um futuro melhor.
Lamentavelmente, a estatística do número de mortos na tragédia não para de subir. Até o final da tarde de sexta-feira, 21, já haviam sido contabilizados em Nova Friburgo 371 mortos e mais de 100 pessoas ainda desaparecidos. E o pior é que esses números tendem a aumentar, pois já não há mais expectativa de encontrar alguma vítima com vida sobre toneladas de lama e entulho.
Diante de todo o caos, valoriza-se a garra dos sobreviventes, muitos deles que após enterrarem seus entes queridos ainda encontram forças para ajudar na busca por corpos de familiares, vizinhos e até mesmo desconhecidos. Uma admirável lição de solidariedade e humanismo!
Os momentos dramáticos e de horror
que os sobreviventes jamais irão esquecer
TERÇA, 11 DE JANEIRO, 16h: Parecia o prenúncio de um desastre de proporções avassaladoras que estava por vir. Um prédio residencial na Rua São Roque, no bairro Olaria desaba e mata dois moradores. No momento do acidente não chovia.
DIA 11, 23h: Começa a chover forte em todo o município. Tem início o maior pesadelo já vivido pela população de Nova Friburgo. Em diversos bairros, moradores começam a entrar em pânico. Muitos retiram carros de garagens e iniciam a retirada de móveis e objetos pessoais de armários e imóveis que começam a ser invadidos pelas águas. Galerias entopem, ruas alagam no Centro e em diversos bairros. Tragédia atinge pelo menos outros seis municípios serranos dizimando até esta sexta-feira, 21, mais de 750 pessoas.
TRÁGICA MADRUGADA DE QUARTA, 12 DE JANEIRO: A maior tempestade da história toma dimensões inimagináveis. Rios transbordam, encostas inteiras deslizam arruinando casas, bairros e loteamentos inteiros. Árvores, postes e imóveis são derrubados sobre estradas, ruas, carros em meio a avassaladoras avalanches. Postes que sustentam as redes elétrica e de telefonia vem abaixo soterrando centenas de moradores. O fornecimento de energia e telefonia entra em colapso. Rios e córregos transbordam, diversos trechos deles são represados aumentando ainda mais o terror, invadindo casas. Na Rua Cristina Ziede, encostas deslizam e parte de um edifício residencial, no Centro, desaba soterrando dezenas de moradores. Equipes do Corpo de Bombeiros iniciam os trabalhos de resgate das vítimas, outra parte da construção vem abaixo e mata três militares. A população se desespera e por todos os lados se escutam gritos e clamores por socorro. Em meio a todo o terror, a solidariedade aflora e muita gente sai às ruas para tentar resgatar familiares e vizinhos dos escombros e montanhas de lama.
QUARTA, 12 DE JANEIRO: Assim que o dia clareou, ainda chovia forte e a população pode ter ciência verdadeiramente da maior catástrofe climática da história. Pode-se constatar que comunidades inteiras tinham sido dizimadas. No Centro, bairros e distritos, um cenário de guerra. Mais parecia que Nova Friburgo tinha sido alvo de um terremoto. Os acessos a inúmeras localidades encontra-se impedido dificultando o trabalho das equipes de salvamento. A população dificilmente consegue acionar os serviços de emergência devido a interrupção dos serviços de telefonia fixa e móvel. Começam a chegar reforços para salvamentos e resgates de vítimas ao município, inclusive com helicópteros. Tratores, retro escavadeiras e máquinas pesadas começam a desobstruir algumas vias, mesmo que parcialmente, para permitir o acesso das equipes de salvamento. Ainda falta energia e água em grande parte do município. Muitos são resgatados ainda com vida, outros tantos, mortos. Ante ao caos, um alento. O gerente de hotel, Wellington Guimarães e seu filho de sete meses são resgatados com vida dos escombros de sua casa no Centro. Wellington conseguiu hidratar a criança com a saliva.
QUINTA, 13 DE JANEIRO: Uma verdadeira operação de guerra começa a ser montada no município. Hospitais de campanha das Forças Armadas são baseados na Praça Dermeval Barbosa Moreira, em frente a Prefeitura e Olaria. O ginásio Celso Peçanha, anexo ao Instituto de Educação de Nova Friburgo (Ienf) se transforma num grande Instituto Médico Legal. Centenas de corpos de vítimas são levados para o local a espera de identificação de familiares. Tem início da cidade um grande mutirão para sepultamentos. A medida que os corpos são identificados, são liberados para enterros. Muitos se desesperam ao encontrar seus entes queridos já sem vida. Uma lista com o nome das vítimas fatais é afixada no acesso ao ginásio. Corpos já em decomposição tem materiais genéticos colhidos para futura identificação através de exames de DNA e liberados para sepultamentos. Serviços judiciários, Conselho Tutelar, Defensoria Pública e Polícia Civil são concentrados no Ienf. A grande circulação de carros de resgate com sirenes e helicópteros auxiliando na busca por sobreviventes em locais onde ainda não se chega por terra dão a dimensão real da catástrofe. A presidenta Dilma Roussef e o governador Sérgio Cabral chegam à Nova Friburgo e visitam algumas áreas violentamente atingidas. Ambos anunciam esforços para liberação de R$ 780 milhões para reconstrução da cidade. É decretado estado de calamidade pública e luto oficial no país.
SEXTA, 14 DE JANEIRO: Desembarcam em Nova Friburgo equipes da Força Nacional de Segurança. Igrejas, milhares de voluntários, moradores não ou até mesmo parcialmente atingidos se unem numa grande corrente de solidariedade. São montados abrigos em escolas, prédios públicos, igrejas e até mesmo em espaços particulares para acolher sobreviventes da tragédia que tiveram suas casas condenadas ou tiveram o acesso impedido. A região Sul do município não foi tão atingida pela tempestade, mas seus moradores entram em pânico com um boato dando conta que uma represa teria estourado e iria inundar os bairros Cascatinha, Cônego, Olaria e o Centro. A população se desespera e busca abrigo em locais seguros. Continuam as buscas por sobreviventes em meio aos escombros e toneladas de lama. A RJ-116 continua em meia pista no quilômetro 75, em Mury e interditada no acesso a Bom Jardim.
SÁBADO E DOMINGO, DIAS 15 E 16 DE JANEIRO: Concessionária de energia elétrica consegue restabelecer 90% do fornecimento, assim como a concessionária de águas retoma cerca de 65% da distribuição. Algumas linhas de ônibus voltam a circular. O comércio ainda permanece com a maioria das lojas fechadas. Autoridades apelam para curiosos não circularem pelo Centro, afim de facilitar o trabalho das equipes de resgate. O corpo do ex-prefeito Paulo Azevedo é encontrado soterrado nos escombros de seu sítio no distrito de Campo do Coelho. Autoridades também sobrevoam o município com geólogos e equipes da Defesa Civil local, estadual e nacional e constatam o rastro de destruição. Os bairros Jardim Califórnia, Alto do Floresta, Córrego Dantas e o distrito de Campo do Coelho são barbaramente devastados. Número de mortos já chega a 300.
SEGUNDA, 17 DE JANEIRO: Cortejo do corpo do ex-prefeito Paulo Azevedo nas ruas do Centro, momentos antes do sepultamento, emociona populares. Prefeitos de Friburgo, Teresópolis e Petrópolis criam consórcio para reconstrução. Vice-governador e secretário estadual de Obras, Luiz Fernando Pezão, que transferiu residência para Nova Friburgo diz que reconstrução deve demorar até dois anos. Continuam os mutirões de solidariedade por toda a cidade. São abertas contas bancárias para arrecadação de donativos. Não param de chegar à cidade carretas abarrotadas de donativos de todos os cantos do Brasil. Departamento de Estradas de Rodagem (DER-RJ) libera acessos na Estrada Serramar, RJ-150 (Friburgo-Amparo) e RJ 130 (Friburgo-Teresópolis), ambas parcialmente. RJ-148 (Friburgo-Carmo) ainda interditada no acesso a Sumidouro. Ministros e governador Sérgio Cabral sobrevoam Nova Friburgo. Número de mortos sobe para 325.
TERÇA, 18 DE JANEIRO: Hospitais de campanha continuam sobrecarregados. Hospitais Raul Sertã, UPA e particulares tem grande movimentação. Direção do Hospital São Lucas anuncia que unidade não será demolida. Seus pacientes passam a ser atendidos no Hospital Unimed e na rede credenciada. Prefeito Dermeval Neto autoriza desapropriação de imóvel na Fazenda da Laje para construção de três mil casas. Município ganha central telefônica grátis para a localização de desaparecidos. Número de mortos já chega a 325. Comércio volta a funcionar precariamente. Há denúncias de comerciantes que inflacionaram seus preços, porém, outros iniciaram promoções para facilitar a compra de mantimentos para doações. O bispo diocesano Dom Edney Gouvêa Mattoso celebra missa de sétimo dia pelos mortos na tragédia.
QUARTA, 19 DE JANEIRO: Postos de saúde de São Geraldo, Campo do Coelho e Riograndina permanecem interditados. O do Suspiro, tem o acesso dificultado pela lama, assim como o acesso à 151ªDP ainda permanece impedido. Continuam a chegar carretas de donativos (roupas, alimentos e água potável) na fábrica Ypu e de lá distribuídos para cerca de 60 abrigos em todo o município. Câmara dos Vereadores aprova auxílio aluguel para desabrigados de até R$ 500 por mês. Justiça suspende prazos processuais. População inicia luta para tentar colocar a vida em dia, emitir segunda via de documentos e obter benefícios do governo federal. Caixa Econômica Federal inicia plantões e serviços de atendimento especial para liberação do FGTS e benefícios sociais. Por todos os bairros continua o drama do resgate de corpos em cenários de total horror.
QUINTA, 20 E SEXTA, 21 DE JANEIRO: Um helicóptero do Exército que auxiliava no resgate de corpos no Campo do Coelho cai no Ceasa e deixa cinco tripulantes feridos. Número de mortos já ultrapassa 360. Secretaria Municipal de Educação anuncia prejuízo de R$ 20 milhões nas escolas. Melhoria do tempo, com a volta do céu ajuda no avanço dos trabalhos de limpeza. Lama seca no Centro e toda a cidade trazendo novo complicador: a poeira. População passa a utilizar máscaras e autoridades de saúde dizem que o artifício deve ser priorizado somente pelos que tiveram contato com feridos, mortos e nos hospitais. Coleta de lixo começa a ser restabelecida. Comércio tenta voltar a normalidade e muitas lojas iniciam limpeza. Animais perdidos durante a tragédia são acolhidos em galpão improvisado.
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