Notícias da Floresta - Entre as brumas da inocência dos povos selvagens - Parte 2

Por Valdir Veiga - valdir.veiga@gmail.com
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

“Às vezes as caras mais feias não representam agressividade, mas somente uma forma de proteção. Beleza e sedução nem sempre são sinônimos de virtude e os que se aproximam ostentando-as demais nem sempre nos trazem bons agouros”

Parte 2

Na pequena Madang, que visitei há alguns anos, no norte da Papua Nova Guiné, as florestas e os mares guardavam os segredos e as histórias de muitos e muitos anos daquele povo. Naquele ambiente selvagem a pobreza financeira nada tinha a ver com os valores daquela gente. Seu estilo de vida é singular e muito diferente ao que estamos acostumados. Lá os homens andam de mãos dadas, como sinal de harmonia e amizade. As crianças andam em volta dos turistas estrangeiros, estranhos em sua forma de viver e pensar.
Visitei ilhas com vulcões e foi naqueles mares que vi os primeiros tubarões, e também os primeiros naufrágios. Entre barcos e aviões da Segunda Guerra, ainda estavam no fundo do oceano as cápsulas dos tiros deflagrados. Em rasos e imensos bancos de corais com menos de meio metro de profundidade, na aventura de mirar de frente o azul profundo em paredes de centenas de metros de profundidade ou no desafio de enfrentar correntezas que jogavam nossos corpos dezenas de metros para um ou outro lado ao sabor de seus caprichos, aqueles foram os melhores mergulhos que já fiz. Onde aprendi a respeitar a natureza em sua força e seus domínios. Foi onde aprendi com as moreias que às vezes as caras mais feias que nos mostram não representam agressividade, mas somente uma forma de proteção. Nos mergulhos noturnos, entre peixes-leão, aprendi que beleza e sedução nem sempre são sinônimos de virtude e os que se aproximam ostentando-as demais nem sempre nos trazem bons agouros.
Nossa rotina não tinha relógios. Começava ao nascer do sol e terminava ao revoar das andorinhas. Depois delas anoitecia em menos de quinze minutos. Era a hora de se retirar e respeitar o horário dos mosquitos da malária, de que tantos colonizadores já haviam padecido. No almoço, os kokomo eram sempre a atração. Pássaros dóceis, tucanos do tamanho de urubus, que saltitavam entre as mesas como os pequenos cangurus australianos.
Com os corpos e, principalmente, os rostos pintados de amarelo, vermelho e branco, as tribos ainda se diferenciam pelas pinturas corporais, pelo tipo de roupa e estilo de cabelo. Entre os costumes mais incomuns estava o de mascar uma erva chamada de betel-nut. Sua ação era muito semelhante à do nosso café e do chá. Contendo cafeína, tirava o sono e o cansaço e dava mais energia para as atividades diárias. Mas esta erva tem um efeito muito diferente: deixa a boca com uma cor vermelha cor de sangue. O primeiro papua que conheci mascando essa erva era guarda do hotel. Com menos de um metro e meio de altura e um arco que tinha quase o dobro de seu tamanho, podia flechar um coco a mais de 300 metros. Me assustou ao se aproximar e sorrir com os dentes vermelhos cor de sangue, estendendo a mão oferecendo a betel-nut para que experimentasse. Mais uma das muitas lições que aquela terra me ensinaria.

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