“Tantas vezes
dominei tais
gigantes e me vi
do outro lado, a
visitar o meu
mundo do alto.
Com os pés nas
nuvens, sentia que poderia ir mais
longe que o que
os meus olhos
poderiam ver”
Um dia visitei a casa da minha infância. Amarela, teto baixo, grades nas janelas, a escada sinuosa cortando o jardim, continuava tudo lá. Os degraus baixinhos que nunca nos deixaram cair nas descidas em disparada para ir à escola. Tampouco tornaram difíceis as tantas vezes que os subi com a magrela nas costas. Alcei-os de dois em dois, como já fazia depois dos 12 anos, até alcançar a frente da casa. A paisagem continuava deslumbrante. No alto de um morro, em um vale de pinheiros, entre montanhas que se impunham majestosas sobre as florestas que tentavam em vão escalá-las, grandes como as Catarinas de outros mundos. Tantas vezes dominei tais gigantes e me vi do outro lado, a visitar o meu mundo do alto. Com os pés nas nuvens, sentia que poderia ir mais longe que o que os meus olhos poderiam ver.
Entre as tábuas brancas da pequena cerca podia sentir o aroma das rosas que minha mãe tanto gostava. O cipreste continuava por lá, verde, troncos retorcidos, bem aparado, com seu aroma forte a demarcar as divisas. À frente da casa da vizinha, ainda sentia a presença do velho senhor que, olhando para a lagoinha, passava suas horas mirando o infinito, como se estivesse a aguardar pelo dia em que o pequeno banco sentiria a sua falta.
Nos fundos, o quintal em que brincava com meu cachorro. Onde descobri que não seria jogador de futebol. De onde subia para a laje e me divertia girando a antena até diminuírem os chuviscos na TV.
Minha sala era imensa. Eu a percorria em rápidos vinte ou trinta passos, a cavalo, sempre caindo ao final, como nos filmes que meu pai não cansava de assistir. Agora não eram mais de 5 ou 6, estranhos naquele mundo que parecia ter encolhido. No pequeno corredor passei a entender que não poderia ser nada além de carinho (e não falta de mira, como imaginava!) que dirigia as chineladas que minha mãe lançava e teimavam em não me acertar.
Sentindo até então como em uma terra de gigantes, me encontrei com meu pequeno quarto. As paredes como que mágicas continuavam a guardar meus sonhos e proteger o pequeno universo que me cercava. Minha cama não caberia mais naquele espaço, mas de repente eu parecia estar no mesmo lugar desde sempre. Sentado no chão à frente de quebra-cabeças eternos guardados toda noite em uma cama móvel debaixo da minha cama. Envolvido pelos pequenos poemas de Quintana dos livros de minha irmã ou tentando entender por que Werther não conseguia ser feliz. Sorria e imaginava se um dia descobriria como era a voz da dona dos cachinhos dourados que toda tarde estendia roupas em seu quintal.
Também perto dali estavam os caminhos dos pinheiros que me levavam ao clube. Onde caçava lagartos gigantes como dinossauros, pegava os grilos para alimentar os pequenos micos e os pinhões para cozinhar. Foi bem ali, correndo sem camisa no vento frio do inverno nas sombras daquela floresta que aprendi a amar essa cidade.
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