Notas de um moleque desocupado - 7 de junho

Por Daniel Frazão
sexta-feira, 06 de junho de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Ela era loira e linda. Estava mais adiantada que nós. Não passávamos de moleques de sétima série enquanto ela era a princesa do segundo grau. Na hora do recreio todo mundo sonhava com ela, mas ninguém chegava perto. Eu também não. Hugo também não.

Nunca sequer falamos com ela, nem mesmo sabíamos como era sua voz. Mas sabíamos que se chamava Danielle. Era irmã da Michelle, uma garota que estudava conosco. Michelle era a mais bonita da sala e sua irmã mais velha era a mais bonita da escola. A vida segue um padrão muito simples.

Dez horas da manhã. A sineta tocou e saímos para os escassos vinte minutos que separavam as labaredas tremulantes da matemática dos calafrios gélidos da geometria. Vinte minutos que supostamente aliviariam nossas almas. Podíamos admirar nosso sonho de consumo pré-adolescente e elaborar fantasias sexuais para o resto da semana.

Danielle conversava com umas amigas na sacada. Os cabelos dourados cascateavam pelos ombros, os olhos azuis transitavam pelo ar e nos alvejavam em cheio; a boca pequena e carnuda era um pêssego pedindo para ser mordido. Nem eu nem Hugo nem ninguém da sétima série daria essa mordida.

Nós a admirávamos do outro lado da sacada, no prédio oposto.

– Aposto cinco reais como você não tem coragem de ir até lá falar com ela - Hugo me desafiou.

– Você ganhou a aposta – puxei cinco reais do bolso e entreguei a ele. – E aposto mais cinco como você também não tem coragem de ir até lá falar com ela.

– Ganhou – Hugo me devolveu os cinco reais.

Não havia razão de falarmos com ela. A derrota era certa. Seria como caminhar sozinho de encontro a um exército inimigo. Talvez em outro momento, sob outras circunstâncias.

Hugo abriu um pacote de biscoito recheado e começou a comer; o aparelho dentário ficou cheio de papa de chocolate derretido. O rosto coberto de espinhas. Eu também tinha a minha cota de espinhas. Biscoito de chocolate, hambúrguer, Danielle... hábitos que davam espinhas.

– Ouvi dizer que a Luciana está a fim de você – comentou Hugo.

Dei de ombros, soltei um suspiro e comi um biscoito.

– A gente aqui de frente para aquela deusa e você vem me falar de Luciana... É como deixar de ir a um show do Elvis para ir a um karaokê.

Naquela época Hugo andava muito otimista. Ainda não tinha passado pelo fiasco do trabalho em espanhol.

– Daniel, você precisa entender que garotas como a Danielle estão fora de nossa realidade... Nosso padrão está mais abaixo...

– Fale por você. Não pretendo ficar aqui comendo biscoito de chocolate para o resto da vida.

– E o que você faria se eu tomasse coragem e finalmente fosse lá falar com ela? – Hugo me desafiava novamente. Quando se é pré-adolescente, os desafios têm uma tremenda importância.

– Antes você precisa se livrar dessa meleca nojenta de chocolate aí nos dentes.

A sineta tocou. Voltamos para a geometria e Danielle saiu de nossas vidas.

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