Dobrou a esquina, sem nada melhor para fazer. Parada sob uma sacada, linda, reluzindo ao meio-fio: uma lata de lixo.
– Temos muito em comum.
A lata de lixo o olhou indiferente. Sabia do que ele falava.
– Sim, temos muito em comum.
– Nós dois nos sentimos um lixo.
– Você não se parece com lixo – ela disse.
– Ah, mas ninguém é aquilo que parece ser. Veja só, pareço um analista de sistemas.
– Sempre pareci uma lata de lixo, mas nunca me senti como tal. Eu me sinto como um ditador fascista.
– Compreendo – ele disse.
Aquela lata de lixo sabia mesmo conversar. É raro encontrar qualquer forma de vida que saiba conversar.
– Todo mundo se sente um lixo de vez em quando – disse o analista de sistemas.
– É por isso que você está aqui.
– Pois é.
– Você não me parece um cara muito animado. Parece mesmo um analista de sistemas.
– Na verdade, sou animadíssimo. Só que nunca sobra tempo para me animar.
– O riso é o melhor remédio.
– Não quando você ri de nervoso. Aí acaba ficando com as bochechas doendo.
– Você é bem lúgubre. Ainda bem que só sou lixo superficialmente. Não gostaria de me sentir assim. Prefiro continuar me vendo como um ditador fascista.
– Isso é sensato. A História nos prova que grandes montes de lixo alcançaram sucesso vendo a si mesmos como ditadores fascistas.
A lata de lixo esboçava um tímido sorriso. Achava graça do analista de sistemas. Com certeza era muito mais engraçado do que se sentir um ditador fascista.
– Se eu fosse você, tomava uma dose – ela disse.
– Não bebo.
– Então não há nada a fazer.
– É duro enfrentar os problemas. Não estou falando de problemas práticos, como dívidas, doenças e desempregos. Falo de coisas que acabam com sua alma. Isso derruba qualquer um.
– Para quem não bebe você manja muito de papo de bêbado.
– Taí a grande tragédia. Viver uma existência de bêbado quando se é abstêmio.
– Não esquenta. O mundo inteiro não passa de uma grande ressaca.
Ele sorriu e passou o braço em torno da lata de lixo, num gesto cordial de camaradagem.
– Você está certo.
– Daqui a pouco vai começar a escurecer...
O céu ganhava uma tonalidade avermelhada. O analista de sistemas se levantou do meio-fio e estalou os ossos cansados. Era um longo caminho pela frente.
– Acho que já vou indo.
– Está bem. A gente se vê.
Era estranho o modo como simpatizara com aquela lata de lixo, e ainda mais estranho a total indiferença que ela nutria pela condição de dejeto da sociedade. Ela simplesmente não se importava. Permanecia ali, no asfalto em ebulição, resplandecendo com o sol de fim de tarde enquanto se via como um legítimo ditador fascista.
O analista de sistemas já estava se afastando quando se virou e perguntou:
– O que é que vai fazer amanhã?
– Não sei; talvez conquistar a Polônia...
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