Hoje passei na frente da tevê; peguei Edith Piaf cantando La vie en rose. Bateu uma saudade doce de Paris. Daquelas manhãs em que eu saía andando sozinho pelas calçadas ladeadas de cafés e seguia até o final do Jardin des Tuileries. Talvez seja o jardim mais iluminado da cidade. Não digo que é o mais belo, porque lá tudo é belo.
Seguia pela calçada, às dez, onze ou meio-dia, atravessava a rua e entrava no jardim. O Louvre e a parte principal do jardim ao longe; era um recanto escuro e frio. Quase todos os bancos viviam desertos. Eu me sentava em um deles. Era preciso estar completamente sozinho, pois aquele momento me pertencia e aquele recanto me pertencia.
Paris; pensei. E não foi um pensamento turístico.
Os minutos eram mais lentos, e a respiração, não tão exasperada.
Ou nas vezes em que seguia pelo Sena e dobrava na Pont de la Tournelle. Eu me detinha ali por alguns minutos. Para que a pressa?
A sensação era boa. Estava longe dos meus anseios, dos meus frutos, do meu país, dos meus pais, dos meus amigos e de tudo o que me era conhecido. E a sensação era boa. Era como fazer as pazes com o mundo.
Estava no Velho Mundo e me sentia mais jovem do que nunca.
Deixava a ponte e entrava na Île Saint-Louis. Certa vez me perdi por lá. Isso não me impedia de voltar quase todas as manhãs. Você não voltaria?
Minha caminhada era sem rumo. Rumos não eram necessários. Estava farto deles. As suaves curvas de pedra seguiam por um vaivém contínuo que me levava ao coração pulsante da cidade. Os prédios e suas sacadas! As janelas... E as ruas que circundavam e penetravam na Île, como veias. Eu me embrenhava nelas. Os cafés às margens do rio, sempre apinhados de parisienses de boinas e camisas listradas. Às vezes eu parava na Bertillon e comprava um sorvete. De melão, de framboesa ou de chocolate. Descia pelas escadarias do Sena e me sentava com os pés quase tocando na água. E lá, terminava o meu sorvete.
Um caderno me acompanhava. Eu o usava para escrever o que me viesse à mente. Nada vinha à mente. Seria um estúpido se usasse aqueles momentos para pensar. Em compensação, muita coisa vinha ao coração. E as passava para o papel. Estava distante de tudo e próximo do mundo, e as palavras nunca me saíram tão aveludadas. Não havia leitores para me ler, textos a serem publicados, nada. E escrevia hinos e mais hinos a mim mesmo e a Paris. Se estivesse aqui, alguns leitores me chamariam de colonizado, traíra ou pouco patriótico (como talvez você esteja me chamando agora). Mas eu estava sozinho. Ninguém me chamaria de nada.
Então, depois de fazer amor com a cidade, voltava a passos curtos para o apartamento da minha tia. Dessa vez pela outra margem do Sena. Lembro da floricultura, bem de frente à Pont Neuf. E claro, das incontáveis bancas do Sena, com seus pôsteres e livros usados.
Assim que chegava ao prédio, dava de cara com o maluco do último andar que vivia zanzando pela cidade com sua boina surrada e que sempre me encontrava pelas escadarias. Não importa qual fosse o horário do dia, ele sempre dizia “bon soir!”. E eu sempre respondia “bon soir!”.
Deixe o seu comentário