Notas de um moleque desocupado - 28 de fevereiro

Por Daniel Frazão
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

Vou escrever um livro sobre a estupidez humana.

- Não pode fazer isso.

- E por que não?

- Já se deu conta de quantos estúpidos existem por aí? Milhares e milhares. Só nessa rua, centenas. Você vai se encrencar com um monte de gente.

- E...?

- Não quer esse tipo de coisa pra você...

- Tá legal. E o que me diz de um livro sobre a morte?

- Pior ainda.

- Ahn? Como assim?

- Pra cada três pessoas, pelo menos duas estão morrendo. Eles podem tomar como uma ofensa pessoal. E se você levar em conta que todos os homens são mortais, aí fica mais perigoso. Pode ser entendido como uma provocação a toda a humanidade.

- Certo, certo, então escreverei um livro sobre a vida. Assim não ofendo ninguém.

- Aí que você se engana. Pouquíssimas pessoas têm a vida que gostariam. E se tem um negócio que irrita todo mundo é exaltação do que não podemos ter.

- Está me dizendo que falar da vida é uma agressão?

- E das maiores.

- Já percebi que filosofar não está na moda. Tudo bem; sou um cara maleável. Vamos nos ater a coisas práticas. Um livro sobre música, que tal?

- Ihhh...

- O que foi agora?

- Só pode dar encrenca.

- Encrenca? Como assim? O que pode dar errado, falando de música?

- Tudo. Você não tem como adivinhar o que estão ouvindo por aí.

- Não preciso falar do que estão ouvindo.

- Então é melhor não falar nada.

- Porra.

- Pois é.

- Então, um livro sobre animais.

- O quê?!

- O que foi que eu fiz dessa vez?

- Primeiro, seres humanos não gostam de lembrar que são animais. Isso será uma alfinetada. Segundo, pode ser entendido como uma alegoria crítica.

- Alegoria crítica? Falar de coelhos, raposas, esquilos?

- Exatamente.

- Tá bom! Tá bom! Escreverei um livro de culinária!

- Se eu fosse você, não faria isso.

- Por quê?

- Podem encarar como uma forma de apologia à obesidade. Vivemos numa sociedade politicamente correta. Sem contar que as pessoas obesas pensarão que você está fazendo pouco caso delas.

- E o que você me sugere?

- Cara, não faço a mínima ideia.

- Eu também não.

- Pois é.

- Pois é.

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