Notas de um moleque desocupado: 24 de maio

Por Daniel Frazão
sexta-feira, 23 de maio de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Era uma dessas crônicas sociais. Você sabe, voltada para o social, para a coletividade. Algo relacionado ao interesse público. Não vou dizer que não gosto dessas crônicas. Se não gostasse, não escreveria. No entanto, prefiro as mais descomprometidas. Aquelas que para alguns não dizem porra nenhuma.

Voltando ao assunto, eu tinha escrito uma dessas crônicas engajadas e fazia sol naquela manhã. Um sol gelado e branco. Meu pai pegou a crônica para ler. Eu fazia alguma outra coisa que não lembro. Ele leu linha a linha, parágrafo a parágrafo, enquanto lá fora o céu se abria azul e frio.

– Ficou muito boa – disse meu pai.

Tinha ficado boa, sim, mas como já disse, prefiro aquelas outras.

Meu pai levantou, olhou mais um segundo para a crônica e repetiu que tinha ficado muito boa. Por mim, tanto faz. Você não pode dar tanta importância ao que dizem e ao que esperam de você. Seja papai, mamãe, amiguinho, a crítica especializada ou mesmo o onipresente leitor. Se você se guia pelos outros, vai apenas reproduzir uma expectativa alheia. Isso não tem graça alguma.

Quer saber de uma coisa? Você não pode nem mesmo se guiar pelo maldito computador quadradão e retrógrado. Por exemplo, quero dizer algo a respeito da menininha de trancinhas e minissaia que acabou de passar ali na rua. Então vou dizer: bonitinha mas ordinária. É assim mesmo que eu quero, sem vírgula antes do “mas” (embora você não esteja vendo, o computador sublinhou de verde o “mas” da minha frase; ele acha que é obrigatória uma vírgula antes dessa expressão).

Caso obedecesse cegamente a essa máquina débil mental, teria que escrever “bonitinha, mas ordinária”. Certinho, não é? Só que para mim ficou cafoníssimo. A força dessa expressão é a ausência de pausas. A obediência cega e reta é sempre cafona pra burro.

Por sorte Nelson Rodrigues não usava computador quando escreveu isso aí. Pelo menos acho que não usava.

Está me entendendo? Às vezes é preciso dar um dane-se (ou melhor, dar um f... -se) para as expectativas. É preciso ser sincero consigo mesmo. Vai ter gente que vai gostar e gente que não vai. Mas você vai gostar. E quando você gosta de algo que saiu de dentro... cara, é a melhor sensação do mundo. Mesmo que depois uma cambada em peso destrinche, deturpe e conceitue tudo aquilo que você fez. Eu disse e repito, é preciso usar a palavra que começa com “f”.

Imagine a cena. Lá está Cristo, sentado numa gruta do deserto. Uma fogueira acesa. O pessoal em volta do fogo. Cristo curtindo pra caramba todo aquele negócio de amor. Alguns chegam para ele e dizem:

– Cara, isso é legal, mas aonde você quer chegar? Seria melhor se você abordasse os problemas da sociedade, soltasse um papo mais politizado, tá me entendendo?

– Tô, sim, cara... mas por que você mesmo não faz isso? Prefiro continuar na minha... – respondeu Cristo.

É mais ou menos por aí. É sempre melhor continuar na sua. Não é fácil, mas é sempre melhor (Viu? Agora preferi a vírgula antes do “mas”).

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