Notas de um moleque desocupado - 23 de agosto

por Daniel Frazão
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
por Jornal A Voz da Serra

Prefiro Jerry Lee Lewis tacando fogo no piano a Jimi Hendrix incendiando a guitarra. Da mesma forma que prefiro Johnny Cash falando de presídios a Bob Dylan folkeando. Embora sejam atitudes semelhantes, as dos meus artistas preferidos eram mais instintivas; de fato um grito, enquanto a atitude desses outros artistas era mais cerebral, mais performática. Em dado momento a arte passou a ser um evento social; em dado momento a arte deixou de lado o seu caráter de expressão da alma humana para ser... arte, no sentido mais pejorativo que essa palavra possa ter.

Não estou aqui para dizer quem é melhor e quem é pior, até porque esse papo é muito caído. Estou dizendo o que me toca e no que me ligo.

Acho que a vida também é assim. Sinto pouca expressão da alma humana e muita firula social. Rousseau disse que o homem é um animal social. Talvez não seja. O homem está mais para sociabilidade animal.

Sociopatas e derivativos nada mais são que fagulhas de curto-circuito que escapam pelos canos de escape da civilização. O que você esperava de uma civilização cheia de fios? É natural que haja alguns curtos-circuitos.

A guerra é o maior curto-circuito de todos. É como uma carta branca para a sociopatia coletiva. Os maiores santinhos se tornam verdadeiras máquinas de matar. Se bem que as guerras não precisam mais de rambos. Hoje a morte é operada a distância. Se bobear, até mesmo pela internet. Hoje em dia tudo é operado pela internet.

É interessante notar que até a natureza está entrando em curto-circuito. Está ficando meio sociopata. É fato, a natureza já não está mais aturando a civilização com tanta paciência. Volta e meia a terra treme onde nunca tremia e a neve começa a cair onde nunca nevava. Daqui a pouco leão vai voar.

Mas do que eu estava falando mesmo? Jerry Lee Lewis e Johnny Cash? Putz, como é que acabei nesse papo de guerra e desastres naturais e sociopatia? O que o c... tem a ver com as calças? Sei lá, alguma coisa deve ter, caso contrário não estaria dentro dela.

Vivemos numa época estranha. Foram tantas piruetas sociais, que já nem sei mais o que é verdadeiro. É difícil achar alguma coisa verdadeira entre tanta artificialidade. Hoje em dia qualquer zé mané seria capaz de tacar fogo num piano. Muito provavelmente só para aparecer.

Está aí um bom diagnóstico para a época contemporânea, uma necessidade crônica de aparecer. Eis porque tanta celebridade instantânea. Eis porque tanta luz e pouca iluminação. Hoje a grande sacada não é fazer arte, é fazer artistas. Essa é uma frase que bolei há muito tempo atrás e que volta e meia utilizo. Acho que já devo tê-la usado em alguma dessas crônicas.

A verdade é que a civilização está chapada de ego trip. A verdade é que a civilização está sofrendo de uma tremenda S.P. Pra quem não sabe, a boa e velha síndrome do pânico. Que nada mais é que medo, ansiedade, paranóia e trincação ao extremo. O termo foi só mais uma forma que o comércio medicinal encontrou para faturar uns trocados. A verdade mesmo, a verdade verdadeira, é que a civilização está uma tremenda tarja preta, e sem receita, ainda por cima.

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