Notas de um moleque desocupado - 14 de fevereiro

Por Daniel Frazão
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

É o tipo de coisa que acaba com qualquer um.

Eu tentava escrever, tentava mesmo. Tentava ser lírico, ver a beleza da vida... você sabe, essas coisas. Mas aquela música horrível continuava reverberando no ar como gordura impregnada. Aquelas pessoas lá fora ligavam o aparelho de som e botavam funk para tocar o dia inteiro. O dia inteiro, sem parar. No mais alto volume. Se existe uma coisa pior que música ruim, é música ruim no mais alto volume.

Por que essa atração inexplicável pelas porcarias? Quanto maior o fedor, mais atrai os homens. E todo mundo que se liga em porcaria acha que deve compartilhá-la com o resto do mundo. Ligam o som no mais alto volume e colocam os alto-falantes no quintal, para que o som se espalhe pelo planeta até acabar com tudo.

Fui até a janela e olhei ao redor, fantasiando uma espingarda na minha mão. Acho que 50% dos assassinos não seriam assassinos se não houvesse tanta porcaria no mundo. Por incrível que pareça, o ambiente pode levar qualquer um ao hospício e ao presídio.

Ao menos tenha a decência de manter essas porcarias trancadas dentro de casa, ao invés de ficar tocando essas merdas no quintal.

O texto não iria a lugar algum. Era inútil tentar. Fechei o arquivo sem salvar.

Parando para pensar, acho que a humanidade nunca esteve tão perto do seu próprio fim. Quer dizer, a civilização já esteve “em cheque” ao longo da História; já vivenciamos grandes tragédias, mas sempre tinham uma face belicista e ruidosa. Grandes cataclismos, pragas e doenças, monstros que promovem banhos de sangue por toda parte, extinções nucleares. Uma face belicista e ruidosa... sempre. Mas agora enfrentamos o vazio. O mais puro e vívido vazio. E isso é o que pode acarretar a extinção. O que seria capaz de florescer no vazio? Absolutamente nada. Daqui a pouco estaremos tão apáticos, que não teremos força nem mesmo para produzir espermatozoides.

Às vezes penso pelo lado positivo e digo para mim mesmo que vai surgir alguém por aí; nem que seja uma única pessoa. E logo abro a janela e me deparo com todos os subgêneros de música ruim e de porcaria. O lado positivo logo se vai.

E não pense que aqueles que não consomem nem produzem porcarias são melhores, pois não são. Na verdade, são tão apáticos e sem perspectivas quanto qualquer outro. Hoje em dia, a humanidade está com a força de vontade de um espermatozoide que chega em último lugar na corrida até o óvulo.

Após o funk, veio o sertanejo. Depois, um rock de trigésima categoria. A música clássica se segura pelas tabelas. Impressionante. Até pensei em ligar a tevê, mas desanimei ao imaginar o que encontraria.

O melhor a fazer é fechar a janela e esquecer o mundo lá fora. Abrir esse arquivo e seguir em frente. Temos que continuar, não é? Mesmo em meio a todo esse vazio.

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