Frente a Shakespeare & Company. Meio-dia nublado. Blondie me chama nos fones de ouvido. Paris às minhas costas. Notre-Dame acinzentada pelos vagabundos a vaguear. Gárgulas de pedra lá no alto, como farelos de pesadelos açucarando a beleza européia. Pessoas bebendo vinho nas amuradas da catedral.
Onde é minha casa? Onde estou? Não estou nem aqui nem ali e nem em Friburgo.
Pessoas passam pela rua e a livraria é vítima de dois ou três turistas digitais. Cheguei longe para encontrar respostas a uma pergunta que não sei perguntar. Espremo essa cidade em silêncio.
Shakespeare & Company. Suponho que eu seja a companhia. Agora Santo & Johnny ecoam fantasmagóricos pela tarde fosca. Em breve será noite e um caleidoscópio de luzes se refletirá no Sena. É bom estar aqui. É como dar um bolo no tempo.
Fico me perguntando onde estarão os parisienses em meio a tantos turistas. De vez em quando dá para avistar um. São os que não tiram fotos. Se bem que não sou parisiense e não estou tirando fotos. Mas já tirei bastante.
Ruelas se enroscam entre prédios art déco e mulheres desdentadas cantam Edith Piaf na frente dos cafés para ganhar uns trocados. A tarde se alonga noite adentro.
Ontem tomei vinho nos terrenos do Louvre, perdido sob a madrugada de Paris. E olha que não costumo beber. O museu estava apagado, vazio, espectral, quase como uma cidade morta.
Dizem que todos os caminhos levam a Roma. Bem, estou em Paris. Ainda não sei aonde meus caminhos vão me levar. Mas dane-se. Isso não diz respeito a ninguém, nem a Paris.
Caminho, caminho, perdendo a noção de tempo e de distância. Olho para trás e não sei onde estou. Procuro pelas margens do Sena e não as encontro tão facilmente. Não sei se sigo para o sul ou para o norte. Acho que entrei na Île de Saint Louis. Estou perdido. Esse é o espírito parisiense; se perder.
– Por favor, senhora, para que direção é o Louvre? – pergunto num francês pra lá de precário pra uma madame que vem passando.
– Pra lá.
Ela aponta para a direção oposta. Merde.
Nada a fazer além de caminhar rumo ao Louvre. Peguei o Louvre como ponto de referência.
Já passam das duas da tarde e o sol está de rachar. Nunca imaginei a Europa ensolarada. Mas cá estou, e o sol também.
Paris é de fato a cidade das luzes. E também é a cidade dos livros. Para onde quer que se olhe, há alguém com um livro na mão. Pessoas lendo pelas ruas, dentro do labirinto dos metrôs, recostadas em qualquer balaustrada. Pessoas, pessoas, pessoas, de todos os tipos, cores e roupas. Roupas tão bonitas quanto exóticas, roupas que, se desfilassem por Friburgo, todo mundo ficaria olhando e achando superestranho. Aqui todos são desencanados com essas coisas. Friburgo não é perfeita; Paris também não, mas são diferentes, com certeza.
Ao longe, alguém grita alguma coisa em francês. Chega a ser engraçado.
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