Era um dia bonito e o céu estava limpo quando entrei no cemitério. Não era um cemitério qualquer, era o Père Lachaise, a morada final de vários maiorais.
Não havia clima de cemitério. O ar cheirava a árvore e as flores despontavam em cada arbusto. Dezenas de alamedas arborizadas se enroscavam pelo terreno vasto. Corvos pousavam em cima das lápides; alguns ficavam quietos e outros soltavam um “GRÁÁÁ” quando me viam passar. Eu me senti como Edgar Poe num dia de sol.
Claro que o primeiro nome que veio à mente foi Jim Morrison. Fui direto ao túmulo dele. Estava vazio. Nenhum turista. Nenhum garotinho roqueiro. Somente eu e a lápide solitária do falecido Morrison. Ainda era muito cedo; o cemitério estava deserto. Olhei para a lápide com o nome desbotado. Um túmulo simples, sem afrescos, anônimo. Os túmulos vizinhos eram de sujeitos desconhecidos. “Então é isso”, eu disse. Fiquei olhando para a sepultura por uns quarenta segundos, e depois fui embora. Jim Morrison continuou lá, sozinho.
Fui ver Chopin. Ele tinha visitas. Muitas. Aquele sim era um túmulo pomposo. Chopin estava coberto de flores vermelhas enquanto as máquinas fotográficas pipocavam de todas as direções. Gente de todos os países misturada aos parisienses olhava para a anja de asas abertas que chorava pelo compositor.
Abelardo e Heloísa estavam esquecidos e bastante desgastados. O túmulo está lá há muitos séculos. Os dois estão juntos, mas agora já não adianta mais.
Aproveitei e dei uma passada em Pissarro. Foi difícil achá-lo, a vegetação em volta é bem íngreme. À medida que se caminha em sua direção o ar se torna úmido e escuro. É como entrar numa selva. Mas lá estava ele, junto à família. A busca por Pissarro me deixou cansado e resolvi parar. Sentei em cima do túmulo dele para descansar. Perguntei se Pissarro se importava e interpretei o silêncio como uma negativa.
Um túmulo muito bonito de um sujeito anônimo me chamou a atenção. Quando me viram admirando o túmulo, os turistas pararam em volta, pensando que se tratava de alguém famoso.
– Ah, não é ninguém! – foram embora.
Oscar Wilde. Como Chopin, Wilde é uma celebridade de primeira grandeza. Dezenas de turistas tiravam fotos do mausoléu gigantesco. Garotas se aproximavam com a boca cheia de batom e tascavam um beijo em Oscar. Deve ser muito desagradável para ele, já que gostava de meninos. A morte lhe pregou uma peça. Soltei uma risada. Para uma bicha de cento e sessenta anos, ele pega muita mulher.
Balzac também estava lá, com bem menos pompa. E Allan Kardec. Fiquei esperando que Kardec aparecesse no ar e dissesse “oi”, mas nada aconteceu. Ele deve ter muito prestígio entre os espíritos.
Por fim, Gertrude Stein. Cheguei lá sem mais ninguém. Seu túmulo está abandonado. Ninguém sabe que ela está ali, ninguém se importa. Eu devia ser a única visita que Gertrude recebia em anos. Senti uma angústia por isso, já que ela dera guarida a Hemingway quando ele precisou. Na verdade, ela deu guarida a muita gente. Picasso e toda a turma. Dizem que madame Stein foi quem ensinou Hemingway a escrever. É exagero, mas certamente foi a primeira a estimulá-lo.
– É, Gertrude, parece que só somos eu e você... – eu disse, sem obter resposta.
E isso foi tudo.
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