Néctar dos deuses

sexta-feira, 31 de outubro de 2014
por Jornal A Voz da Serra
Néctar dos deuses
Néctar dos deuses

Luis Moraes e suas abelhas

 

Ana Borges

Ao longo de cada ano, cerca de 70 instituições de ensino de diversas regiões do estado e da capital agendam visitas ao Apiário Amigos da Terra, de Nova Friburgo. O espaço é encantador, atrai a admiração de crianças e adultos. Em torno do prédio principal  tem o Jardim da Abelhinha, com parque, área de lazer, plantas e um meliponário, de abelhas indígenas sem ferrão.

O médico-veterinário Luis Moraes, nascido em Niterói e radicado em Nova Friburgo, formou-se na UFRRJ (1985) e fez cursos na Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz-Rio) e Instituto Pasteur (Paris). Juntamente com a bióloga Clarice Líbano, sua esposa, fundou o apiário na década de 1990. Até o fim de 2014, cerca de três mil estudantes terão visitado o espaço. 

O Museu do Mel, criado em 2004, tem o objetivo de oferecer aos visitantes, conhecimentos sobre o mundo mágico das abelhas, além de conscientizar e valorizar a biodiversidade de abelhas e plantas nativas, seus produtos e ecossistemas associados. Nesta entrevista, Luis Moraes faz um resumo de sua trajetória, de sua atividade e do desaparecimento das abelhas que vem sendo observado há alguns anos em todo o mundo. Para muitos pesquisadores e apicultores, trata-se de uma "síndrome misteriosa.” Não para Luis Moraes.    

 

Light – Como você escolheu se especializar em criação de abelhas e produção de mel?

Luis Moraes – Foi uma casualidade. Quando fazia a faculdade, em Seropédica, eu morava com uns colegas numa casa de vila, perto da universidade. Como não havia água encanada, usávamos água de um poço que cobrimos com uma espécie de casinha. Um dia, demos de cara com um enxame de abelhas lá dentro. Chamei um amigo que trabalhava com abelhas para removê-las. Ele tirou, mas deixou uma abelhinha para eu curtir, acompanhar o dia a dia dela. Ele tinha certeza que eu ia me apaixonar e acabar optando por apicultura. Até então, eu não achava nada. No fim, ele estava certo. À medida que ia observando, me envolvia, ficava mais encantado. Mesmo assim, durante muito tempo aquilo não passou de um hobby, porque eu queria mesmo era ser pesquisador. Tanto que, quando me formei, fui estudar e trabalhar na Fiocruz, em pesquisa. Só muito depois é que decidi pela apicultura.  


Quando foi isso?

Quando saímos do Rio e fomos morar num sítio, no interior do estado. Mesmo assim, a criação de abelhas e produção de mel fazia parte de algo mais abrangente, do total de nossas atividades. Só depois de algum tempo, com a crescente procura pelo mel e meu total envolvimento com as abelhas é que começamos a nos dedicar mais a elas. E, aos poucos, fomos abandonando a produção horto-orgânica.


Como foi fazer essa opção?

Fomos avaliando as possibilidades, pesquisando o ambiente, sempre procurando analisar os prós e contras. Afinal, o investimento, mesmo inicial, já exigiria coragem e determinação. Tínhamos três filhos e havíamos adotado dois. Família grande, muita responsabilidade, cinco filhos para criar. Mas, fomos em frente. Construímos espaços específicos para cada etapa da criação e produção, aumentamos o número de colmeias, compramos equipamentos, contratamos pessoal. O trabalho foi evoluindo, naturalmente, crescendo sempre. Hoje exportamos cerca de quatro toneladas de própolis por mês para o Japão e nosso mel está em supermercados no Rio e em pontos comerciais de toda a região. Em nossa loja oferecemos produtos como o pão de mel, extrato de própolis em cápsula e solução alcoólica, geleia real. [E eu, completo, citando o mel composto em spray, xarope e sachê, além de lindas peças de artesanato em forma de.... abelhinhas, claro].  

 

Por que não exportam mel também?

Apesar de sermos a única produtora do Estado credenciada para exportar própolis, não temos como atender a demanda pelo mel. Recebemos muitos pedidos, mas não daríamos conta de atender a todos. Inclusive, com essa tal de síndrome, considerada por muitos cientistas como um colapso das colônias, que é o desaparecimento das abelhas em todos os continentes, está aumentando rapidamente a escassez de mel no mercado mundial. Mas não podemos aceitar novos clientes.   


Por que as abelhas são vitais para o ser humano? 

Porque são essenciais para a agricultura, já que polinizam cerca de 90 tipos de frutas, vegetais e a soja. As abelhas multiplicam as plantas, que são necessárias para produzir oxigênio através da fotossíntese e servem de base dentro daquilo que chamamos de cadeia alimentar. Ou seja, as plantas servem de alimento para os animais herbívoros, que por sua vez alimentam os carnívoros, que são consumidos por animais onívoros como nós, que comemos carne e vegetal. Se a abelha sumir, essa sequência será drasticamente alterada, porque em mais de 100 plantas que fazem parte da composição da nossa alimentação, 90% delas são polinizadas pelas abelhas.  


E essa história do sumiço das abelhas?

O fenômeno começou na Europa, mas afeta hoje principalmente os Estados Unidos. Desde o fim do ano passado, mais da metade dos estados americanos perderam entre 50% e 90% das abelhas. Há controvérsias no meio científico, sobre o motivo desse sumiço, que vai desde vírus, queimadas, manipulação genética, agrotóxicos, cultivo de monoculturas, aquecimento global, enfim, teorias não faltam. Eu, particularmente, acredito na minha teoria, de que está havendo um colapso, sim, mas não das abelhas, mas da apicultura. O problema é ambiental. E é no exterior, Europa e Estados Unidos, onde essa história começou. Por aqui "ainda” não temos esse problema, nossa abelha é até ainda mais rústica, agressiva, o que é natural. Mas lá fora, fazem manipulação genética, querer modificar a essência das abelhas. Então, elas, simplesmente, estão abandonando as colmeias, estão indo embora, em busca de seu habitat. Aliás, se eu fosse abelha, também ia! (risos). Agora, eles ficam querendo achar um responsável, cada um puxando a brasa pra sua sardinha, no caso, pras abelhas (mais risos), o que não leva a nada. Inclusive, este será o tema de uma palestra que vou dar nesta semana na universidade rural (UFRRJ). 


Quer dizer, no Brasil, não temos esse tipo de problema. 

Não. Aqui, nossas abelhas não têm apresentado esse problema. Mas alguns apicultores brasileiros inescrupulosos, querendo aparecer na mídia, estão dizendo que as abelhas daqui também estão passando pelo tal "colapso”. Não estão. É mentira. A perda de abelhas é uma coisa natural na apicultura e se a pessoa que cuida não for responsável e competente, vai perder muito mais. Mas aí já é outra história.


Falando em queimadas, que são uma desgraça, não só no nosso município, mas em toda a Região Serrana. O que você acha disso?

Olha, essa história me incomoda bastante. Primeiro, porque sei que a grande maioria é causada por pessoas interessadas na área que queima, é crime mesmo. Pode reparar: depois da queimada, nada vai ser reflorestado. No ano seguinte, vai surgir um loteamento ou uma lavoura. Os vereadores, deputados, ou de quem for o dever, têm que fazer alguma coisa, como aprovar uma lei exigindo que quem provocar o incêndio seja obrigado a recompor o que queimou. Não entendo o fato de não termos uma brigada de voluntários para agir rapidamente quando se avista um foco de incêndio na mata. Toda cidade minimamente civilizada tem esse mecanismo formado por voluntários, pessoas conscientes da importância de uma brigada contra incêndio. Não me conformo que uma cidade como Friburgo, que tem o privilégio de estar cercada por uma natureza tão exuberante, tão generosa, esteja tão vulnerável ao fogo. É elementar estar preparado para evitar essa tragédia, diante do imenso prejuízo, do enorme dano que um incêndio causa. Depois, serão necessários dezenas de anos, talvez centenas, para recuperar o que se perdeu, se é que conseguiremos recuperar. O que querem? Que fiquemos sem água, que Friburgo vire um deserto? Não pensem que isso seja impossível, as coisas estão acontecendo bem mais perto de nós do que muitos imaginam. Procurem saber o que está acontecendo em São Fidélis. 

 

Bem, voltando às nossas abelhas, quer dizer que, ao contrário do que muitos de nós pensamos, a abelha não se limita à produção do mel...

Pelo contrário. O mel, na verdade, é mais um subproduto da abelha. Ela é infinitamente mais importante para nossa sobrevivência, por causa da polinização. Essa frase atribuída ao Einstein, de que a humanidade sucumbiria caso as abelhas desaparecessem, serve para alertar não só a comunidade científica e a população em geral, mas principalmente as autoridades, porque se trata de tomar uma decisão política. Afinal, não estamos lidando com uma doença infecciosa, mas com uma doença ambiental, de dimensão planetária. A abelha é um indicador biológico.


Como? O que é um indicador biológico?

Na natureza existem seres que só sobrevivem em ambientes preservados. Em Friburgo ainda temos florestas primárias, parte de Mata Atlântica, onde observamos árvores com fungos, um tipo de líquen meio alaranjado, que não é mais encontrado numa cidade como o Rio, por exemplo, por causa da poluição. Em natureza muito agredida, esse ‘ser’, o fungo, não tem chance de sobreviver. Por isso, a presença dele aqui é sinal da pureza do ar que respiramos, de nosso excelente clima. Além de ser um alento para todos nós que vivemos aqui, deveria ser mais um elemento ou talvez o mais importante atrativo turístico. O nosso clima, nossas matas, nossas florestas, rios, cachoeiras, são verdadeiras dádivas. Mas, parece que o poder público é cego. Ou insensível, sei lá. Enfim, as abelhas estão sinalizando que estamos errados, que devemos mudar nossa maneira de lidar com a natureza, e elas não estão brincando! Abelha é bicho sério e trabalhador.  

 

   




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