O último dia de atividades na Câmara Municipal de Nova Friburgo em 2013 reservou muitas votações e também algumas discussões acaloradas. A principal delas envolvendo os vereadores Nami Nassif (PSC) e Pierre Moraes (Solidariedade) a respeito do arquivamento do projeto 694/13, de incentivo fiscal às empresas de distribuição em formato broker.
De um lado, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, de outro o vereador de oposição que mais trabalhou pela aprovação do projeto. Em depoimentos exclusivos, os dois legisladores explicam seus pontos de vista sobre o mérito da questão, e o que de fato aconteceu na segunda-feira, dia 23.
NAMI NASSIF
A VOZ DA SERRA: O senhor acabou sendo o principal responsabilizado pelo arquivamento do projeto 694 por ser o presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Quais as condições em que a matéria foi encaminhada à Câmara?
Nami Nassif: O projeto foi enviado a toque de caixa, sem estar totalmente pronto. Se o governo quisesse dar esse incentivo às empresas ele teria aceitado a emenda da Comissão de Finanças do Orçamento em sentido amplo, e teria feito o estudo de impacto da forma correta. Porque não se pode dar tratamento diferenciado a atividades semelhantes, nem pode ser votada questão que passe por aparente renúncia fiscal sem que exista um estudo demonstrando perspectiva de compensação financeira. Não tem nada de difícil aí. E outra coisa: quando eu pedi o arquivamento do projeto, fiz isso até para beneficiar a causa, porque ele não seria aprovado do jeito que estava. Na reunião interna entre os vereadores, ninguém afirmou estar confortável para votar o projeto na forma em que ele estava. Basta a gente lembrar que na Comissão de Finanças do Orçamento foram dois votos contrários, e na Comissão de Constituição e Justiça foram mais cinco. Só aí já são sete votos contrários, em oito possíveis. E a comissão de finanças deu parecer negativo antes da CCJ. Esse era o melhor parecer técnico para meu embasamento, então, como eu poderia dar parecer positivo? Sempre digo que para a Comissão de Justiça é melhor deixar a Câmara deliberar do que eu arquivar. E outra coisa: para arquivar um projeto eu preciso do parecer dos cinco membros, eu não tenho o poder de arquivar por minha conta. Eu preciso dos cinco votos, e eles são autônomos e independentes.
AVS: Nova Friburgo está competitiva sob o aspecto tributário?
Nami: Com certeza não, e todo mundo concorda com isso. Houve nos bastidores a discussão sobre a viabilidade de dar o incentivo a todos os representantes comerciais. Mas de forma restrita aos brokers, como estava o projeto, o estímulo à transformação em filiais passaria por questões burocráticas, como a abertura de um novo CNPJ. Eu sou favorável ao mérito, desde que não dê tratamento diferenciado a atividades semelhantes. Votaria a favor se a emenda do vereador Ricardo Figueira tivesse sido aprovada e a medida fosse extensiva a todas as atividades de representação comercial, porque quando você beneficia apenas alguns setores pode acabar criando um cenário de injustiça tributária e concorrência desleal, que pode evoluir para um processo inverso, de esvaziamento econômico da cidade. E a CCJ aprovaria se houvesse a previsão de impacto determinada pela Constituição. Se o incentivo for ampliado a todos os representantes comerciais, com o devido estudo de impacto, ele passa de forma unânime pela Câmara.
AVS: O envolvimento do vereador Pierre, de oposição, influenciou o tratamento dado ao projeto?
Nami: De forma alguma. A CCJ é isenta. O fato é que não mandaram o impacto de forma correta. Tenho precedentes de situações nas quais eu determinei que fosse acrescentado o impacto, sob pena de arquivamento. A própria reforma administrativa é uma delas. A primeira versão que chegou à Câmara não tinha impacto, e eu mandaria arquivar se não chegasse até o momento da votação. Eu já aprovei projetos da oposição. A postura na comissão é uma postura técnica, meus pareceres não podem levar em conta se a matéria vem da situação ou da oposição. Eu tenho que ter um comportamento de coerência. A reforma administrativa foi um bom exemplo disso. Mandei voltar, sob pena de arquivamento. E no mesmo dia 23, quando estava sendo votada a anistia de IPTU nas áreas afetadas pela tragédia, eu exigi o impacto, sob pena de arquivamento. A sessão foi então interrompida até que fosse providenciado o impacto. Venha de onde vier, a comissão irá aprovar ou rejeitar por critérios técnicos. Já o meu voto no plenário é livre. Por isso eu já passei por situações, como no caso do fundo de compensação tarifária, para o qual eu dei um parecer favorável na CCJ, e depois votei contrário em relação ao mérito no plenário. O projeto pode ser constitucional, mas não ser oportuno.
AVS: O que esperar em relação a essa matéria de incentivos fiscais para o ano legislativo de 2014?
Nami: Agora nós esperamos que o governo envie novo projeto à Câmara, com o devido impacto e atingindo todos os representantes comerciais, para que o incentivo seja aprovado sem dificuldades.
PIERRE MORAES
AVS: O senhor trabalhou muito nos bastidores para que o incentivo fiscal aos brokers fosse votado ainda este ano. No fim das contas, o projeto foi apresentado como o senhor esperava?
Pierre: Conforme o procedimento da casa, o processo chega para os vereadores em formato virtual. Ele vai para o Sistema de Apoio ao Legislativo (SAPL), onde temos acesso, mas ele não vai completo, porque os projetos que têm matéria orçamentária geralmente são projetos que exigem uma planilha. Conforme a Constituição é preciso que exista uma estimativa de impacto desses anos, porque o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal aponta isso, uma vez que há uma previsão de renúncia de receita. Nesse caso ela não se verifica, e o que ocorre é um aumento de arrecadação. Mas esse estudo de impacto tem que vir, ele é um beabá para as matérias orçamentárias do Poder Executivo. O que me surpreende é que quando a CCJ recebe projeto do Executivo no qual ela entende que existe algum tipo de falha, a praxe é devolver ao Executivo através de ofício, reencaminhar ou comunicar ao líder de governo que o projeto não está correto. Nesse caso ela não poderia fazer emenda, porque é um estudo de impacto com dados que só o Executivo tem. Esse tipo de procedimento já foi visto este ano. Houve projeto que chegou à casa de forma incompleta e por isso foi tirado de votação, até sofrer os ajustes necessários. Jamais foi apreciado sem estar pronto, porque sabia-se que em caso de rejeição a matéria ficaria morta ao longo do ano legislativo. Então eu não questiono em nada a CCJ em relação à crítica ao projeto. A minha crítica à CCJ é como ela muda a postura em relação a esse projeto, no que tange a orientar o Executivo e o líder de governo sobre a necessidade de reajustes. Isso que me gerou indignação. Por que esse tipo de postura vale para alguns projetos, e um projeto tão importante quanto esse não teve o mesmo tratamento? Isso me causou surpresa, do ponto de vista do processo de apreciação no âmbito da comissão da casa. E o mesmo vale para a Comissão de Finanças do Orçamento, que também deu parecer contrário, e ainda apresentou uma emenda que também não tinha estudo de impacto. Por que não foi pedido ao Executivo que fizesse um ajuste no projeto? É a prática comum; por que não foi feita nesse projeto? É isso que me causa surpresa. O tratamento diferenciado a um projeto que, na voz de todos, seria ótimo em seu mérito. Ora, se todos querem aprová-lo, por que ele não foi corrigido pelo Poder Executivo? Outra coisa que me surpreende é como que um projeto vem do Executivo sem um estudo de impacto, tanto mais um estudo tão simples de ser feito como esse. Talvez o estudo mais fácil de ser feito nos últimos anos. E por que não foi feito? Aí então fizeram aqui, na própria Câmara, o secretário (Juvenal Condack, secretário municipal de Fazenda e Administração) estava presente. E esse estudo não conseguiu prever o aumento de ICMS que o município teria, um cálculo fácil. Então me trouxe espanto a falta de zelo por um projeto como esse. Se em vez de arquivado ele tivesse sofrido os ajustes necessários, então poderia ter sido votado ainda neste ano. Tanto assim que, em seu comentário, o vereador Ricardo Figueira pediu vistas ao projeto, e isso daria prazo para que fossem feitas as correções. Esse pedido acabou sendo atropelado durante a votação das comissões e eu questionei isso. O pedido de vistas daria sobrevida ao projeto. A minha indignação nasce exatamente de como foi articulado para que esse projeto morresse naquela sessão. E se esse projeto de incentivo fiscal já estava sendo planejado pelo Executivo, então por que ele não foi enviado à Câmara com maior antecedência? Por que foi necessária toda uma movimentação política e midiática para que o projeto fosse discutido? Eu também não entendi como uma reunião marcada com o prefeito e o Codenf justamente para discutir os méritos dessa medida foi cancelada horas antes de acontecer, e no mesmo dia o projeto é enviado, incompleto, para apreciação na Câmara. Como esse projeto deveria chegar à casa? Qual o verdadeiro interesse pelo município? Será que o problema está na origem da proposta?
AVS: Houve entre os vereadores uma certa resistência pela restrição ao formato de broker. De que forma esse estímulo seria favorável ao município?
Pierre: A aprovação do estímulo aos brokers teria permitido ao município obter, já em 2014, ao menos dez benefícios econômicos, e representaria um incentivo para mais empresas assumirem esse formato de filial. Agora, para as empresas já instaladas, as reduções feitas no ano em exercício geram benefícios imediatos. A proposta que nós iríamos levar ao prefeito não era exclusiva aos brokers. Ela começaria através deles, e em seguida partiria para reduções de alíquotas para outros setores, até porque essa seria uma demanda natural, e isso gera uma discussão positiva na cidade. Não haveria qualquer prejuízo para as empresas já estabelecidas, ao contrário do que foi dito sem qualquer embasamento. Prejudicar onde, se na verdade é uma ajuda a todo o setor empresarial da cidade, porque abre a porta para uma discussão das alíquotas em todos os outros setores? Se o projeto tivesse sido corrigido e aprovado, já em 2014 a cidade iria experimentar um sensível aumento de arrecadação de modo direto, com maior repasse de ICMS, e indireto, com maior circulação de capital. Também iria garantir a manutenção e o aumento dos postos de trabalho. Atualmente, para que se tenha uma ideia, as empresas com potencial para se tornarem brokers empregam direta e indiretamente mais de duas mil pessoas em Nova Friburgo, imagine então quantos mais poderiam ser criados com o aumento da competitividade. Além disso, a redução de alíquota implicaria geração de renda e maior arrecadação de ISS por via indireta, uma vez que as vendas aumentariam com a redução nos preços finais. O que mais me surpreende nisso tudo é como um governo que tem maioria na Câmara e consegue sempre a aprovação de seus projetos, mesmo quando precisam de emendas ou correções, envia um projeto como este para a Câmara e esse projeto não consegue vingar... É realmente uma contradição que deve ser avaliada por quem busca entender os processos políticos em Nova Friburgo. Esse é o primeiro projeto do Poder Executivo que vai a plenário e é rejeitado neste mandato. Mesmo no âmbito da CCJ, nunca outro projeto do Executivo foi peremptoriamente rejeitado. Isso é algo que surpreende.
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