O Segredo
(ou A Metafísica Pós-Moderna Mercadológica)
Eu quis saber que história era essa de O Segredo; o livro que vendeu milhões de cópias no mundo todo e que logo virou filme documentário. Atraiu-me a atenção o fato de que algumas pessoas que eu considero inteligentes estavam levando muito a sério a teoria.
Diz o livro que a realidade é apenas uma manifestação do pensamento. Logo, se você pensa com otimismo, a vida responderá com otimismo. O mesmo vale para o pessimismo. Você cria a realidade à sua volta, através de um poder infinito, no qual você pode entrar em sintonia com ele, mandar uma ordem de comando ao universo e conseguir as coisas, pessoas e experiências que deseja. Mas só com uma condição: você tem que querer mesmo isso, acreditar de verdade. É uma ciência, não é religião: o processo se dá quando as frequências do cérebro vibram de acordo com a lei da atração, uma lei do universo como as de Einstein e Newton.
Essa teoria levanta tantas questões que nem sei por onde começar, nem sei o que selecionar aqui. Vou evitar a tentação de entrar no campo da psicanálise e da análise do capitalismo, ou seja, no questionamento sobre os desejos. Quero ficar na própria lógica do Segredo, pressupondo que essa lei de atração exista mesmo.
Em primeiro lugar, como fica o caso de duas pessoas que querem diferentes fins para um mesmo evento, como um jogo de futebol? Será que a vontade de vencer de um torcedor não foi tão forte quanto a do outro? (Relembrando: segundo o livro, nós produzimos a realidade que desejamos). Será que um dos torcedores xingou o bandeirinha, atraindo negatividade para o seu time? E se um dos jogadores do time também estiver praticando o Segredo? Pressupondo que ele também cria a própria realidade, o time dele ganhará em um universo paralelo? Então cada um de nós tem seu próprio universo? Essa discussão metafísica não tem fim.
O Segredo também poderia ser usado para fins políticos? Pois se ensinássemos essa ciência ao povo, ele poderia pedir ao universo para sair da pobreza, certamente um caminho seria criado para isso, segundo o livro. O mundo poderia virar comunista ou quem sabe o paraíso social-democrata, onde todos teriam muita grana. Afinal, o Segredo parece ser o espírito empreendedor em seu grau mais refinado.
Mas agora falando sério, acho que essa teoria no fundo encobre uma qualidade nobre dos seres humanos, que diz respeito a certa atitude, a uma postura em relação à vida, o que é muito bonito, e que não é segredo algum. Triste é ver uma argumentação pseudocientífica desnecessária ao propósito, só para dar talvez um encanto cósmico a esta atitude, e que finda dando corda a autoafirmações narcisistas, egoístas e megalomaníacas.
O mundo não é um catálogo de compras.
Deixe o seu comentário