Sonhos de uma noite de verão
“Em um dos sonhos, sua vida é uma obra de ficção. Em outro, uma matéria de jornal”
Dona Fátima é uma senhora de 70 anos. Mora há 45 em Nova Friburgo. Na nova casa, há dez. Ela gosta de assistir a televisão e de cuidar das plantas espalhadas pelo interior da sua casa. Não que estes sejam os únicos prazeres da vida, mas, com a idade avançada, dona Fátima cansou de esperar pelo futuro, quer apenas sossego e rotina.
Viúva, tem apenas um filho. Este não mora mais lá, foi tentar a vida na terra da esposa, em Goiás. Quem ainda vive com ela é o seu neto, Robson. Há pouco tempo ele conseguiu trabalho na feira e, embora seu salário não seja muita coisa, ajuda a avó nas despesas domésticas. O sonho do rapaz é juntar dinheiro suficiente para comprar uma nova casa para eles. Terá que arrumar um emprego melhor, sem dúvida.
A casa de dona Fátima corre risco de desabamento. No verão de 2007 a terra levou embora os lares da rua de baixo. Uma jovem mãe de 16 anos e seu bebê morreram na tragédia. A velha senhora gostava da jovem, cuidava dela e do bebê quase como se fossem neta e bisneto.
Se, por obra do destino, sua casa também cair será uma fatalidade, assim pensa dona Fátima que, de qualquer maneira, não tem dinheiro para ir a nenhum outro lugar. Mas ela sabe muito bem o pavor que sente quando se aproxima o verão e começa a chover. Para ela, e para muitos outros na mesma situação, essa estação do ano e tudo o que ela representa – Natal, Réveillon, férias, Carnaval – não tem graça nenhuma.
Dona Fátima está sentada no sofá, sonolenta, esperando a novela das oito começar. Quer saber como a personagem Helena reagirá ao descobrir que metade da sua empresa foi comprada por Arlete, sua arquirrival. Dona Fátima adora esse tipo de trama. Enquanto tenta adivinhar o bate-boca entre as personagens, a senhora começa a pegar no sono. Ela não costuma ir para a cama antes das dez e meia, mas, nesse dia, não sabe bem por que, já está quase dormindo.
É quando começa o jornal e ela então ouve a notícia da tragédia: uma pousada inteira soterrada, dezenas de mortos. A pousada ficava na Ilha Grande, um local paradisíaco de Angra dos Reis, onde jovens casais se hospedavam para aproveitar a vida, igual a novela. Dona Fátima, meio acordada, meio dormindo, não distingue mais a realidade da ficção, tudo é quase-sonho, tudo está embaralhado em sua mente: os filhos de Helena, coitados, estão soterrados lá na Ilha Grande. Arlete deve estar rindo de satisfação.
Dona Fátima sente uma dor profunda no peito, sente que sua realidade está agora bem mais próxima da novela, mas não da maneira como gostaria que fosse. Por fim, dorme. Tem sonhos estranhos. Sente um gosto de barro na boca. A pressão em seu corpo não lhe permite movimentos. Em um dos sonhos, sua vida é uma obra de ficção. Em outro, uma matéria de jornal.
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