Esta reportagem é a primeira de uma série programada para o mês de setembro, com mulheres atuantes no cotidiano do município, na política e em vários setores da sociedade friburguense. Afinal, ratificando, o eleitorado feminino corresponde 52% dos votos. É nosso o poder de definir vencedores e vencidos.
- Nas últimas eleições municipais, em 2016, apenas 31,89% dos brasileiros que se candidataram eram mulheres
- Do total de 5.568 municípios, em 1.286 cidades não houve nenhuma mulher eleita para o cargo de vereador
- Apenas em 24 municípios as mulheres representam a maioria dos eleitos para o legislativo municipal
Algumas questões recorrentes em tempos de eleição: por que é tão reduzida a presença da mulher no Legislativo? Se as mulheres representam 52% do eleitorado brasileiro, qual a razão dessa baixa representatividade? Tais ponderações nos levam a concluir que, se já é desproporcional em relação ao número de candidatas, eleitas então, é quase traço.
Segundo dados estatísticos da Justiça Eleitoral, até fevereiro deste ano, essa percentagem corresponde a 77.076.395 eleitoras. A maioria, que representa 18.710.832 mulheres, está na faixa etária de 45 a 49 anos. Em seguida, aparecem as mulheres de 25 a 34 anos, que somam 16.241.206. Em terceiro lugar aparece a faixa etária de 34 a 44 anos, somando 15.755.020 eleitoras. No entanto, os dados estatísticos também mostram que o número de candidatas mulheres é desproporcional ao número de mulheres politicamente ativas no país, ou seja, aptas a votar e a serem votadas.
Há quase dez anos, em entrevista concedida a esta repórter, sobre o mesmo tema, a professora friburguense Ledir Porto, ex-vereadora e ex-secretária municipal de educação, resumiu: “Para uma grande parcela do universo feminino, à mulher cabe ‘apenas’ o papel de esposa, mãe e dona de casa. Somente há cerca de um século entramos no mercado de trabalho e ainda temos muita luta para conquistar novos espaços. Ainda precisamos provar que somos capazes e eficientes também fora de casa”. Essa análise ratifica o fato de que, de 2009 para cá, pouco ou quase nada mudou.
Naquele ano, Ledir comentava que boa parte desse expressivo eleitorado era (é?) formado por mulheres dedicadas ao lar, que não trabalhava fora e cuja vida estava restrita aos afazeres domésticos. E destacou: “Ela sente dificuldade de entender outro tipo de mulher, com a qual não se identifica. A ‘outra’ é uma mulher independente, que compete com o homem na área profissional, justo o oposto dela. Essa mulher submissa desconfia daquela que é diferente e não raro, torce contra”. Anos depois, a expectativa é, de novo, a composição de um parlamento majoritariamente masculino. A conferir, daqui um mês.
Ocupação mais efetiva, uma tendência irreversível
“Vamos falar de uma questão, para mim, muito clara. Hoje, a palavra empoderamento se tornou usual, até clichê. Mas, na verdade, ela expressa uma posição importante conquistada pela mulher. Basta observar o alto escalão para comprovar esse empoderamento. Por exemplo: a presidente do Superior Tribunal de Justiça é a ministra Laurita Vaz; o Supremo Tribunal Federal é presidido por Cármem Lúcia; a procuradora-geral da República é Raquel Dodge; a presidente do Tribunal Superior Eleitoral é Rosa Weber. São quatro mulheres com formação profissional excepcional, com cursos no exterior, como a Weber, por exemplo, que estudou em Cambridge (Inglaterra). Esses são exemplos que fortalecem a ideia de que as mulheres vêm ocupando cargos até pouco tempo inimagináveis. Assim como no Judiciário, acredito que essa tendência é irreversível. É preciso seguir e nessa trajetória ir alcançando outros poderes, no caso aqui em questão, o Legislativo. Em se tratando deste, só depende de nós, o eleitorado feminino”, avaliou Ledir.
“Politicamente falando, pouco ou nada avançou a participação da mulher nos últimos anos”, recuou a ex-vereadora em sua análise, que cumpriu mandato entre 1989 e 1992, junto com apenas outras duas mulheres. “Não quero aqui fazer política partidária, mas veja o seguinte: nesta eleição para presidente, a única a aparecer na mídia é a Marina. Temos outra candidata, que nem é citada nas pesquisas. Antes, tivemos a Dilma (Rousseff), que foi a primeira mulher eleita presidente, e só. Então, se estamos mal servidas no Legislativo, mais ainda estamos no Executivo. Por isso reitero que há muito para avançarmos para equilibrar as forças no comando do país, apesar do enorme contingente de mulheres muito bem preparadas para assumir cargos nos mais altos escalões”, disse, destacando a candidata a vice de Guilherme Boulos, a ativista indígena Sônia Guajajara, como um fato interessante desta eleição.
Em relação a Nova Friburgo, entre 21 vereadores, elegemos apenas duas representantes, o que significa menos de 10% da Câmara municipal, ainda que o eleitorado local feminino corresponda a mais da metade do total de eleitores, mesmo percentual do país. Até hoje, apenas uma mulher (Saudade Braga) se elegeu prefeita.
“As friburguenses são excelentes empreendedoras, disso não tenho a menor dúvida. São guerreiras, dão duro no trabalho. Há muito o que comemorar neste aspecto, tendo como carro-chefe, o polo de moda íntima. O setor emprega milhares de pessoas, nas mais diversas funções, sob o comando, em sua grande maioria, das mulheres. Isso é uma enorme conquista feminina, nossas empresárias são reconhecidas, respeitadas. É flagrante o crescimento do empreendedorismo aqui em Friburgo, em vários setores, e isso se reflete no fortalecimento da economia do município, que vinha perdendo seu potencial com o fechamento de importantes fábricas e indústrias. As mulheres, podemos dizer assim, fizeram a economia local dar a volta por cima com a criação do polo de moda íntima. E seria muito bom que essa confiança se estendesse para a capacidade da mulher tanto no Legislativo quanto no Executivo”, encerrou Ledir Porto.
Cota mínima
Nas últimas eleições municipais, em 2016, apenas 31,89% dos brasileiros que se candidataram eram mulheres. A primeira vez que as candidaturas femininas alcançaram 30% do total de candidaturas de um pleito no país foi nas eleições de 2012. Entretanto, desde 2009, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) estabelece, em seu artigo 10, que, nas eleições proporcionais (para os cargos de deputado federal, estadual e distrital e de vereador), “(...) cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”. Ou seja, mesmo após sete anos da criação das chamadas “cotas de gênero”, o número de mulheres candidatas alcançou pouco mais que o mínimo exigido.
Fraudes e laranjas
Com a obrigatoriedade, surgiu também outra questão: as chamadas “candidatas-laranja”. Em 2016, mais de 16 mil candidatos terminaram a eleição sem ter recebido sequer um voto, ou seja, nem o próprio candidato votou em si, mesmo concorrendo com o registro deferido. Do total de 5.568 municípios, em 1.286 cidades não houve nenhuma mulher eleita para o cargo de vereador. Além disso, apenas em 24 municípios as mulheres representam a maioria dos eleitos para o legislativo municipal.
De acordo com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “o Brasil, apesar de ser um país democrático, com uma ampla participação feminina, está muito atrás de muitos outros países na nossa região e no mundo no tocante à participação das mulheres no Parlamento”. Em sua opinião, este é um nicho da atuação na área eleitoral que precisa ser corrigido e incentivado.
“Temos menos de 100 anos com participação da mulher na política. Apenas em 1932 o país passou a reconhecer o voto feminino, o que garantiu às mulheres o direito de votar e ser votadas. No entanto, a lei que lhes garante melhores condições para serem votadas ainda é uma lei muito recente. O que nós queremos é que os recursos públicos destinados à participação das mulheres sejam efetivamente empregados financiando campanhas femininas”, defendeu.
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