Amine Silvares
Neste dia 8 de março, em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher, A VOZ DA SERRA preparou uma singela homenagem para celebrar a ação das bravas mulheres friburguenses, e de outras cidades também, durante os dias que se sucederam após a tragédia climática que abateu a Região Serrana, em janeiro. Em dias de caos elas se organizaram, arregaçaram as mangas e foram para as ruas e abrigos ajudar da forma que podiam.
Quatro mulheres dão seus relatos de luta, esperança, amor, carinho e coragem. Sônia Maria Cabral, coordenadora do Grupo de Promoção Humana (GPH), a oficial-dentista Sandra Monteiro, do 6º Grupamento de Bombeiro Militar; Isadora Gravino, estudante, e Luciene Basílio, cabeleireira, saíram de suas casas, deixando de lado suas tragédias pessoais, e mergulharam de corpo e alma nas necessidades das tantas vítimas da catástrofe. Estes a seguir os relatos destas bravas mulheres.
“Ainda tem muita gente precisando de ajuda.
Ficamos abalados, não esperávamos que isso pudesse acontecer em Friburgo. Começamos a resolver as coisas que iam aparecendo. Não sei de onde tiramos força, mas fomos à luta. Distribuímos mantimentos, especialmente para comunidades distantes, como em Córrego Dantas e Pilões.
A população não pode ficar parada, de braços cruzados. A cidade tem que acordar para fazer a limpeza. Cada um pode pegar sua vassoura e ajudar com um pouco. Às vezes parece que Friburgo passou por isso tudo, mas as pessoas continuam dormindo. Cada um tem que fazer a sua parte. Temos que ter mais paciência no trânsito. As pessoas voltaram a ficar impacientes com o tráfego complicado, mas o trabalho de limpeza continua.
Acho que precisa haver uma conscientização maior da população, por exemplo, nas escolas. Que ensinem às crianças a fazer o pluviômetro de garrafas pet, orientem sobre o que fazer quando chegar a uma certa quantidade de chuva, principalmente em áreas de risco. Também precisam ensinar a ter calma nesses momentos. Ainda tem muita gente precisando de ajuda”.
Sandra Monteiro, oficial-dentista do 6º Grupamento de Bombeiro Militar
“Ser voluntária foi uma das melhores e mais construtivas experiências da minha vida.
Foi, de fato, a coisa mais assustadora que eu já passei. Um momento de medo, de angústia, de dor. Mas o pior de tudo foi perder os meus amigos, meus familiares. Perder meus amigos me deixou muito assustada. Sinceramente, não sei o que realmente senti naqueles primeiros momentos, pois eram muitas sensações reunidas. Eu fiquei perdida.
Logo depois vi que a coisa tinha sido bem maior, comecei a me sentir inútil dentro do apartamento. Comecei a sentir uma vontade imensa de ajudar, fazer a minha parte, para tentar amenizar aquela situação. Fui com minha mãe, a pé, para Santa Bernadete, para ver minha família, pegar umas roupas, e quanto mais andava, mais ficava assustada. Senti medo de não saber o que vinha pela frente, como iam ser as coisas depois de tudo aquilo.
Num momento vi que não podia ficar parada em casa, chorando a morte das pessoas que eu gostava, mas que tinha que fazer alguma coisa pelas pessoas que ficaram e que já não podiam fazer por si próprias. Fui ao Colégio Nossa Senhora das Dores ajudar, junto com umas amigas. Foi a melhor coisa que fiz. Nunca me senti tão útil e importante. É maravilhoso saber que está ajudando as pessoas. Você descobre uma força que não sabe de onde vem. Fiz coisas que não imaginava que podia fazer. Ser voluntária foi uma das melhores e mais construtivas experiências da minha vida. Se não fossem os meus afazeres escolares, continuaria. E, se precisar um outro dia de voluntário, me habilito”.
Isadora Gravino - 18 anos - estudante
“Em momento algum eu me senti cansada e nem impossibilitada.
Fui imediatamente envolvida por trabalhar no GPH. Começamos recebendo doações e, com a comunidade, fizemos grupos de distribuição. Firmamos parcerias importantes, como com os jipeiros, e um grupo de voluntários, que montaram uma logística. Com isso conseguimos chegar a lugares que tinham acesso bastante prejudicado. Chegamos a ter 200 voluntários.
Eu e minha equipe conseguimos mobilizar a comunidade. Fizemos visitas, através do serviço social, organizamos distribuição de refeições e alimentação. Fizemos tudo o que podíamos e não podíamos.
Acho que passei por tudo o que todo mundo passou. Na quarta-feira, apesar de não haver luz e comunicação, vim trabalhar e começaram a surgir informações de que havia acontecido uma catástrofe na cidade. Imediatamente abri as portas do GPH e pensei: ‘agora é a hora, nós temos que ajudar’. Em momento algum eu me senti cansada e nem impossibilitada. Tudo o que nós pudemos fazer, fizemos aqui. Servimos de um copo de água a um abraço, para quem chegava aqui desorientado.
Acredito que as mulheres vêm conquistando seu espaço muito rapidamente, no entanto, nos deparamos com muito preconceito. Estamos empenhadas em fazer a dupla jornada, damos conta do recado, mas ainda nos deparamos com muita injustiça. Os salários ainda são mais baixos, ainda precisamos lutar mais pelos nossos ideais, nos deparamos sempre com o homem em posição de autoridade. Mas essa situação está mudando. Temos aqui mesmo na instituição mulheres que se destacam nas suas funções pelo seu jeito feminino de lidar com as coisas, com muito mais coração. Acho que a mulher ainda tem muita coisa pela frente.”
Sônia Maria Cabral, coordenadora do GPH
“...E me perguntei por que alguém nos chamaria de sexo frágil. Nós não somos o sexo frágil.
Quando me dei conta do que estava acontecendo, parei e me perguntei sobre o que eu poderia fazer, e uma voz bem no fundo falou comigo. Ali eu pude ver que precisava sair às ruas e dar uma palavra de força, reavivar a esperança, e sinto que consegui fazer isso. Fui para a central de informações na Prefeitura, para trabalhar como voluntária. Dali comecei a me sentir melhor, pois comecei a me sentir útil. Quando percebi que podia me doar, isso foi muito importante para mim, me senti muito feliz. Percebi que da tragédia também podem sair coisas boas.
Uma senhora me parou e segurou a minha mão, perguntando ‘você acha que Friburgo tem jeito?’. E sim, eu acho que tem. Disse a ela que tudo ia ficar bem, que iríamos reconstruir a cidade, que ainda veríamos uma Friburgo próspera, mas, para isso, o povo precisa despertar, precisa ir à luta.
Vi muitas mulheres agindo. Vi bombeiras, mulheres do Exército, dos órgãos públicos, e me perguntei por que alguém nos chamaria de sexo frágil. Nós não somos o sexo frágil. Vi mulheres guerreiras, de galocha, fazendo trabalho voluntário. A minha filha também foi fazer parte da corrente que ajudou a levantar Nova Friburgo.
Acho que as mulheres hoje precisam reivindicar mais respeito. Ainda vejo mulheres muito submissas e a gente precisa abrir a boca e gritar pelos nossos direitos. Se não reivindicarmos nossos direitos, ninguém vai fazer isso pela gente. Temos que exigir mais respeito”.
Luciene Basílio, cabeleireira
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