Movimentos articulados estarão nas ruas hoje

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
por Jornal A Voz da Serra

Pouca gente sabe, mas algumas ações foram e continuam sendo realizadas pelo Grupo de Articulação dos Movimentos (GAM). É uma organização diferente—não tem sede, não tem diretoria, porém, tudo é feito de forma muito organizada. As reuniões, convocadas pelas redes sociais, têm sido feitas na sede da ONG Diálogo (Avenida Alberto Braune 223, antiga Rodoviária Leopoldina, Centro), no Willisau Center, no Cadima Shopping ou até mesmo na praça. As tarefas são realizadas nas casas dos participantes, em número de 20 a 30, os mais ativos, que marcam presença nas reuniões do grupo. Se bem que no Facebook são mais de 200, de todos os estados.

O GAM originou-se dos movimentos existentes em Nova Friburgo, muitos deles, por sua vez, originários do pós-tragédia. Esses movimentos eram, entretanto, dispersos, e o objetivo do GAM foi justamente articulá-los. Essa articulação teve início em abril de 2011. Os representantes Paulo Eduardo de Sá e Samuel Marques Gomes dizem que o GAM prima pela organização horizontal, em que os talentos naturais de liderança têm liberdade para agir.

Exemplos de ação do GAM foram os dois acampamentos na Praça Getúlio Vargas, no ano passado, para chamar atenção das autoridades para o combate às injustiças sociais e os males do sistema econômico em vigor no mundo inteiro. Nessas ocasiões também foram conseguidas mais de três mil assinaturas com solicitações às autoridades de uma cidade sustentável ambientalmente e economicamente.

Outra ação do GAM foi o Choque de Amor, na Praça Dermeval Barbosa Moreira. Os participantes distribuíam abraços, no sinal de trânsito mostravam cartazes e com megafone proferiam palavras de incentivo aos passantes para vencerem as dificuldades. O GAM também apoiou o movimento Eu Luto, que na Câmara Municipal pediu e conseguiu uma audiência pública para que os participantes falassem do descaso das autoridades com a cidade depois da tragédia.

Hoje, 12, das 14h às 20h, o GAM estará na Praça Dermeval Barbosa Moreira, junto com as ONGs Diálogo e Care Brasil, para uma tarde de homenagens e lembranças. Todos devem vestir roupas brancas. O objetivo é fazer com que a população continue consciente e em busca de seus objetivos de melhorias sociais.

GAM, sinônimo de transparência, atitude, respeito

Carolina Werneck Pimentel

Sempre escutamos falar sobre manifestações populares organizadas virtualmente, mas estas ainda não ocorrem com a frequência necessária no nosso país, tão pouco para mobilizar a população em causas realmente importantes.

Pós-tragédia (acontecida há exatamente um ano), cada um ajudou do jeito que pode. Dobrando roupas em pontos de arrecadação de doação, preparando kits de higiene, descarregando caminhões cheios de água, voluntários se disponibilizando 24 horas em qualquer situação que fosse necessária.

No fervor de todos esses acontecimentos, surgiram grupos de discussão no Facebook com muitas ideias que, no fim das contas, convergiam a um mesmo propósito: alertar a população para o que podia ser feito por Nova Friburgo.

Muitos grupos, com basicamente os mesmos participantes, acabaram se unificando em um único grupo: Grupo Articulação dos Movimentos—GAM. As reuniões começaram a sair do virtual, até cada um realmente conhecer um ao outro. Cada presença, uma surpresa!

Muitas personalidades, ideias, ideais, histórias, pontos de vista diferentes. No final das contas, com muito diálogo, acabamos nos entendendo e apresentando propostas para os órgãos municipais responsáveis. Tomamos ações muitas vezes cansativas, que nos fizeram abdicar de compromissos pessoais, tudo para podermos alcançar a população friburguense, alertando-os para o fato de que, juntos, podemos fazer a mudança.

Podemos sim, abrir os olhos da população para exigirmos mais dos políticos da nossa cidade. Fazer contatos, treinamentos, nos voluntariar, transmitir os conhecimentos que adquirimos nesse tempo às populações mais afastadas que acabamos visitando.

O grupo serviu para reunir pessoas totalmente diferentes, mas com a mesma visão. Apartidários, aposentados, estudantes, trabalhadores, sem distinção de etnia ou credo.

Todos por uma NOVA Friburgo. Com mais transparência, atitude, respeito, cuidado e, inclusive, mais contato de nossos políticos com um povo que tanto necessita de ações efetivas.

Pessoas mais sonhos, igual a ações

Françoise Lengruber

“Tarde de sábado na praça principal da cidade. O plano era fazer acontecer o ‘Occupy’ em Nova Friburgo—um movimento lúdico, laico, pacífico e apartidário. A estrutura estava toda bonita, já muito bem preparada pelo pessoal que se dedicou ao movimento: varal de imagens em preto e branco com fotos de áreas atingidas pela tragédia do dia 12 de janeiro, cartazes manifestando indignação, tendas de apoio com infraestrutura para som, internet, as barracas dos acampados e os principais insumos à base de espírito de cooperação e solidariedade. Megafone, caixa-falante. Cachorros vadios adoráveis. E gente. Gente preciosa que se movimentava. Eis o relato de coisas que me tocaram:

- Conheci em carne e osso gente com quem tinha um bocado de conversação em letrinhas miúdas via email, FB e telefone;

- Reencontrei o meu professor, a quem responsabilizo o despertar de um senso crítico em mim. Não o via desde 1988;

- Justamente esse professor, filiado a partido político, trotskista militante, que vejo escalar uma estátua para pendurar uma faixa com enunciado: ‘O povo não precisa de partido político’. Foi a coisa mais bonita que vi;

- Flores coloridas de papel e cataventos: uma flor para cada vítima, simbolicamente plantadas no canteiro da praça;

- Abaixo-assinado para a reconstrução de uma cidade ‘economicamente mais justa e ambientalmente sustentável’;

- Eu abordava as pessoas na fila do abaixo-assinado para informar sobre o movimento, sobre outro abaixo-assinado pedindo novas eleições e apontava as flores indicando seu valor simbólico;

- Uma mulher negra de uns 30 ou 40 anos, que abordei, não queria nem saber para o quê era o abaixo-assinado. Só perguntava, repetidas vezes, visivelmente exaltada: ‘É pra melhorar a cidade, não é? É pra melhorar a cidade, não é? É pra melhorar a cidade, não é?’. Nem respirava. Mas então, respirou fundo, se recompôs, e contou que perdeu sua casa em um deslizamento em janeiro, não recebe aluguel social e vive sob o teto de amigos, ‘de favor’, até hoje... Respondi-lhe que sim, que era para melhorar a cidade. Em momento algum ela perguntou se era para construir casas para os desabrigados ou para assistir aos diretamente afetados na noite de 12 de janeiro;

- Na fila, um adolescente (de uns 14 anos, aproximadamente) que acompanhava uma jovem senhora branca de vestido longo florido de fundo cinza e flores de um vermelho pálido, me chamou atenção. O jovem parecia um Atlas de olhar embotado e taciturno. Ombros angulados, notadamente curvados para frente. Não tardou para eu entender o porquê. Expliquei-lhes o conteúdo do abaixo-assinado e apontei para as flores informando seu valor simbólico. Ao que ela me respondeu: ‘Então uma é para o meu filho’.”

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