Segunda-feira cinza para a literatura latino-americana. Morreu na manhã de hoje o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano. Apesar da clara inspiração e relevância histórica de suas obras – mais de 40 livros, Galeano sempre negou o caráter meramente histórico delas, afirmando ser “um autor obcecado com a lembrança, com a lembrança do passado da América e, sobretudo, da América Latina, uma terra intimamente condenada à amnésia”. Eduardo se definia como um escritor que remexe nos lixões da história mundial. Em seu livro mais conhecido, As Veias Abertas da América Latina, o autor analisa a história latino-americana como um todo, desde o período colonial até a contemporaneidade, argumentando contra o que considerava, na época – o livro foi lançado em 1971 – como exploração econômica e política do povo latino-americano, primeiro pela Europa e em seguida pelos Estados Unidos. Curiosamente, o próprio Galeano, tempos depois, reavaliou suas posturas e chegou a mudar de ideia sobre alguns fatos sobre os quais discorrera na obra. Em seu livro mais recente, Espelhos – Uma História Quase Universal, Eduardo reconta episódios que a história oficial camuflou. Morreu aos 74 anos, em um hospital de Montevidéu, em consequência de um câncer no mediastino que havia entrado em metástase. Deixa a esposa, Helena Villagra, com quem era casado desde 1976, e os filhos Claudio, Florencia e Verónica.
“As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”
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