Mori: “Até a tragédia de 2011, prevenção e Defesa Civil eram termos ainda desconhecidos pela população”

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
por Jornal A Voz da Serra
Mori: “Até a tragédia de 2011, prevenção e Defesa Civil eram termos ainda desconhecidos pela população”
Mori: “Até a tragédia de 2011, prevenção e Defesa Civil eram termos ainda desconhecidos pela população”

Texto: Henrique Amorim - Fotos: Lúcio César Pereira

Aos 52 anos, o coronel bombeiro João Paulo Mori exerce um dos cargos certamente mais espinhosos da administração pública de Nova Friburgo: a Secretaria Municipal de Defesa Civil. Missão que ele próprio confessa, "às vezes, desanima, estressa demais”. No entanto, Mori nem pensa em deixar tudo de lado. Afinal, lutar para salvar vidas está no sangue de todo bombeiro. E esta missão confunde-se com sua própria vida há pelo menos 30 anos. Quando chove ele perde o sono e se assusta a cada toque do telefone em plena madrugada. É uma pressão permanente, parcialmente compensada com os resultados obtidos pelo trabalho desenvolvido pela Defesa Civil. Embora as obras de reconstrução dos estragos de 2011 se desenvolvam abaixo da velocidade esperada pela população, Mori reconhece que o comportamento da população já começa a mudar. Muitos não deram a real importância aos simulados, menos de 6% da população se cadastrou para receber torpedos de alerta da Defesa Civil em casos da probabilidade de fortes temporais, mas já se observa pelo menos a conscientização da população sobre a real necessidade de prevenir desastres naturais. "Só o fato de alguns moradores de áreas de risco que não participaram dos simulados afirmarem que sabem como deverão agir caso as sirenes de alerta sejam acionadas já é um conforto”, diz Mori, que atua na Defesa Civil municipal desde 2003. Em 2009 ele assumiu o comando do Corpo de Bombeiros em Nova Friburgo, retornando dois anos depois à Defesa Civil. 


A VOZ DA SERRA: A falta de prevenção aos desastres naturais é naturalmente uma consequência da cultura nacional. Nunca se cultuou na população esta necessidade. Como a Defesa Civil tem trabalhado para mudar isso? 

JOÃO PAULO MORI: Posso afirmar que não só a prevenção era algo desconhecido para a população. O termo Defesa Civil também. Em um passado recente a maioria das defesas civis dos municípios, inclusive a de Nova Friburgo, era desestruturada. A tragédia de 2011 na Região Serrana foi um divisor de águas e permitiu que os governos dessem a real importância que este setor sempre mereceu. Em Nova Friburgo, a Defesa Civil, inclusive, foi elevada a uma Secretaria e com o porte que alguns municípios não têm. A Defesa Civil de Nova Friburgo está tão bem estruturada quanto a de Petrópolis, Niterói e Angra dos Reis. Hoje trabalho com um efetivo de 30 agentes em três equipes. Antes a Defesa Civil não tinha sequer engenheiro — atualmente são quatro e mais um arquiteto. Temos nove viaturas ao todo, sendo quatro carros tracionados. E olha que eu já atuei aqui em Fusca cedido pelo Corpo de Bombeiros. Temos investido bastante em palestras de conscientização nas comunidades, principalmente nas 20 áreas de risco do município, simulados e cadastramentos de celulares para recebimentos de torpedos de alerta em caso de chuvas fortes.


AVS - Mas infelizmente a adesão aos simulados tem sido pequena...

JOÃO PAULO MORI: É uma triste realidade. As pessoas convivem com o perigo, sabem do risco, mas muitos insistem em permanecer nos locais. Infelizmente o próprio poder público, no passado, não fez a sua parte, permitindo que loteamentos em áreas não seguras fossem se expandindo e depois disso relaxou na fiscalização. Em 2007, em uma inspeção em Riograndina flagrei uma construção irregular e o morador insistiu que não sairia dali. Denunciei o caso e mesmo assim o morador continuou a erguer paredes. Falta poder de polícia para frear essas obras irregulares na hora. Na Rua Cristina Ziede, uma obra estava sendo erguida recentemente na área do deslizamento de 2011. Abordei o responsável e ele me apresentou uma autorização da Prefeitura, inclusive com planta, mas o projeto não era para aquele local. Ou seja, as pessoas abusam e desafiam o perigo. Outro absurdo recente foi no Córrego Dantas. Em uma vistoria observei que uma casa interditada estava habitada. A moradora me disse que era inquilina e que sabia que não podia morar ali, mas foi atraída pelo aluguel de R$ 200 cobrado pelo proprietário, um cara mais irresponsável que ela. Acabei me irritando com uma situação dessas.    


AVS - Mas é fato que depois da tragédia o conceito de prevenção já mudou um pouco. O senhor se sente frustrado com a baixa adesão da população às ações preventivas da Defesa Civil? 

JOÃO PAULO MORI: Com certeza desanima. Mas não é motivo para esmorecer. É uma pena que somente 10.570 celulares em todo o município estejam cadastrados para receber mensagens de alerta de chuvas fortes. Isso equivale a pouco mais de 5% da população. É muito pouco. Nos simulados, mobilizamos cerca de 200 pessoas tanto da Defesa Civil, como da Guarda Municipal, Corpo de Bombeiros, Autran, Cruz Vermelha, PM, Tiro de Guerra e Prefeitura, e em algumas comunidades, quase nenhum morador apareceu. É claro que frustra sim. Mas nem tudo está perdido. O que me conforta é que, embora muitos não tenham dado a real importância ao simulado, quando inquiridos por que não participaram disseram que já sabiam o que fazer se tiverem que deixar suas casas rumo aos pontos de apoio. É um alento.


AVS - Recentemente um grupo de japoneses, acostumado a desastres naturais em seu país, visitou nossas áreas de risco. Eles se surpreenderam com esses absurdos? O que acrescentou para a Defesa Civil local essa visita? 

JOÃO PAULO MORI: Eles (os japoneses) lá, por incrível que pareça estão valorizando uma filosofia já adotada aqui: o investimento nas crianças. Por isso estamos conscientizando a população de amanhã sobre os perigos de morar em áreas de risco, fazer construções irregulares etc. E a criança tem um poder incrível de captar as informações e até mesmo chamar a atenção dos adultos quando percebe algo errado. Meu filho mais novo mesmo achou ruim me ver fumando e foi ele que me fez largar o cigarro. As crianças aprendem com facilidade como agir em situações de risco, coisa que os adultos relutam. Um exemplo foi a baixa adesão aos simulados. O que mais me surpreendeu na visita dos japoneses é que lá o percentual de recuperação dos estragos do tsunami foi de 12% porque eles não imaginavam que a intensidade da devastação fosse tão grande e a população que achava que estava em área segura acabou sendo atingida. Aqui nosso percentual de recuperação dos estragos de 2011 está em 11,8%. Os japoneses observaram que a perda de tempo com a burocracia é o que mais prejudica a reconstrução, mas é fato que muitas obras de porte estão em andamento.    

AVS - E por falar em burocracia que atrasa — e muito — as obras de reconstrução, existe a possibilidade de criação de um fundo nacional para desastres naturais? 

JOÃO PAULO MORI: Não soube ainda de alguma discussão em nível de governo neste sentido. Creio até que seria viável. O que existe no momento é um cartão corporativo para calamidades públicas, no qual as defesas civis são autorizadas a efetuarem compras de emergência em casos de desastres, mas tudo é registrado e automaticamente lançado na internet dando transparência a esses gastos.      


AVS - Hoje a Defesa Civil está bem preparada para atuar em casos de emergência? 

JOÃO PAULO MORI: Sim. Temos 35 sirenes nas áreas de risco. Catorze delas já precisaram ser acionadas. Temos uma equipe integrada com equipamentos modernos e um grande aliado: o monitoramento em tempo real do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres (Cemaden) do Ministério da Integração Nacional, além do contato on-line com o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) e meteorologistas que nos avisam sobre a aproximação de chuvas fortes e das zonas de convergências que costumam distribuir grandes quantidades de chuvas pelo Sudeste e o Rio de Janeiro, além do acompanhamento de dois radares. 


AVS - Qual o limite de chuva que Nova Friburgo suporta? Quando é o momento do alerta? 

JOÃO PAULO MORI: Quando o solo está muito encharcado, o limite que nos leva a acionar as sirenes é 30 milímetros de chuva em uma hora. Quando o solo está seco, o alerta se dá com o acúmulo de 40 mm em uma hora ou 80 mm em 24 horas. 


AVS - Como o João Paulo Mori, cidadão, se sente ante ao natural estresse com a possibilidade de chuvas na região nesta época do ano. Há medo, preocupação? Como é seu dia a dia?

JOÃO PAULO MORI: Sou bombeiro e está no sangue a meta de salvar vidas, de sair de casa para uma emergência e não saber se irei voltar. Mas medo todo mundo tem um pouco nessa época. Tenho esposa e filhos e eles já sabem que nessa época de férias, nunca posso me ausentar da cidade. O que mais me incomoda é a preocupação que é natural. Às vezes fico sem dormir ou prefiro ir dormir na sala, porque meu telefone sempre toca de madrugada e tenho que atender, pode ser uma emergência. Graças a Deus, dois anos se passaram e ninguém mais morreu aqui vítima de chuvas. Em dias de chuva, obviamente, tremo na base, afinal, se alguma vida se perde, é porque falhamos. E nesse quesito não há partidarismo, nem preferências. Todo mundo torce mesmo é para tudo dar certo. 

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