Missão: morar sozinho

Os desafios dos jovens que deixam suas famílias para estudar em outras cidades
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
por Dayane Emrich
Missão: morar sozinho
Missão: morar sozinho

Ao sair do ensino médio, grande parte dos estudantes se depara com a difícil missão que é a escolha da carreira e, consequentemente, da faculdade. Não bastassem essas questões, muitos jovens optam por universidades estaduais ou particulares fora de suas cidades, seja devido à enorme concorrência dos vestibulares ou mesmo, em outros casos, pelo fato de o curso desejado não ser oferecido na localidade onde mora.

Mas, se fazer o curso dos sonhos em uma boa universidade pode valer o sacrifício, é preciso repensar. Fazer a graduação longe do conforto de casa pode ser mais complicado do que parece. Não ter os pais por perto, arcar com as responsabilidades da casa — pagar contas de água, luz, limpar, lavar a própria roupa, cozinhar — e deixar o convívio diário com a família e os amigos para viver em um outro ambiente com pessoas desconhecidas são algumas das dificuldades a serem enfrentadas.

É o que conta a estudante friburguense Carolina dos Santos Bianchini, 20, que cursa o 6° período de psicologia na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Rio das Ostras. "Acho que a maior dificuldade em morar longe dos pais é a comodidade. Tive que aprender a me virar sozinha em casa, com as tarefas domésticas, e conciliar com os estudos e outras responsabilidades que aparecem. Uma das coisas mais chatas é chegar em casa cansada e ter que preparar a própria comida ou chegar tarde e perceber que não deu tempo de lavar a louça do almoço tendo que estudar pra prova do dia seguinte”, disse.

No entanto, apesar de todas as dificuldades, Carolina comentou também sobre como a experiência a proporcionou aprendizado: "Entre todos os ‘perrengues’ que enfrentei, me recordo do dia em que esqueci a bomba de água ligada. Começou a transbordar e quase inundei a casa do vizinho. Aprendi que não se pode fazer comida, arrumar a casa e vigiar a bomba ao mesmo tempo”, riu.

Já Anna Luiza Monnerat Erthal, 20, está há dois anos fora de casa. Estudante de economia na UFF, Ana Luiza mora e estuda em Niterói. Para ela, a maior dificuldade em morar longe dos pais é a necessidade de organização e responsabilidade. "Sem contar a saudade, acho que o mais difícil de morar longe da família é ter que se virar sozinho. Além do compromisso com a faculdade, você tem que aprender a ser mais organizada, pois não há mais ninguém pra arrumar o seu quarto, sua roupa, enquanto você estuda”, contou.

Acostumados com a comida posta à mesa, a alimentação é outra preocupação dos jovens, que, em sua nova rotina, precisam enfrentar o fogão e pôr a mão na massa. E é nessas horas que muitos deles confessam que se alimentam mal, aderindo a comidas semiprontas, como macarrão instantâneo, lasanhas, enlatados e tudo mais que seja rápido e de fácil preparo. "Você tem que se virar com a alimentação pra não ficar comendo besteira, já que é bem mais prático”, acrescentou Anna Luiza.

Além de todas essas questões, os gastos com a nova rotina dos jovens não são nada baratos e, na maioria das vezes, os pais ficam com a tarefa de custear moradia, alimentação e transportes para a nova vida dos universitários.

O estudante João Paulo Perrud, 18, sabe de todos os desafios de morar longe de casa, contudo, pretende ir estudar medicina no Rio de Janeiro já no próximo ano. "Meus pais e eu estamos vendo preços de apartamentos, localização, entre outras questões. Sei que morar sozinho não vai ser fácil, nem barato, mas cursar medicina é um desejo antigo e os meus pais têm me dado todo o apoio”, falou.

Nova Friburgo: cidade universitária?

Se muitos estudantes saem de Nova Friburgo e cidades vizinhas em busca de formação profissional, muitos outros jovens procuram o município da Região Serrana do Rio de Janeiro para estudar e aqui se instalam. Com cinco instituições de ensino em seu perímetro, entre elas, faculdades públicas e particulares, Nova Friburgo pode ser considerada uma cidade universitária. Juntas, as universidades Estácio de Sá, Cândido Mendes, Federal Fluminense (UFF) e Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Faculdade de Filosofia Santa Doroteia oferecem aos estudantes diversas opções de cursos de graduação. 

Foi pensando nessa demanda que o bacharel em direito Leonardo Oliveira Gripp, 36, criou, há mais de 20 anos, a Reup — uma república que, atualmente, atende a quinze universitárias no bairro Braunes, próxima a Universidade Estácio de Sá. "Eu tenho a república faz bastante tempo. A gente já alugava a casa para famílias, quando percebemos que podíamos alugar para estudantes e contribuir socialmente, além, é claro, de tirar um maior proveito financeiro do imóvel”, explicou. 

"Além das universidades, a cidade atrai estudantes de municípios vizinhos pela oferta de cursos profissionalizantes, como o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), cursos de línguas, entre outros. A grande parte desses jovens vem e voltam de Cantagalo, Macuco, Santa Maria Madalena todos os dias, o que é muito cansativo. Dependendo do valor, uma república pode valer muito a pena”, acrescentou.

Apesar da iniciativa de Leonardo, por outro lado, a estudante de jornalismo Mariana Ribas, 24, que veio de Teresópolis e está há dois anos em Nova Friburgo, falou sobre as dificuldades de encontrar um lugar para morar no município.

"Acredito que Nova Friburgo pode ser, sim, considerada uma cidade universitária. Apesar disso, não acho que sua receptividade e estrutura estejam de acordo com as necessidades dos alunos que vêm de outras cidades. Eu, por exemplo, demorei a encontrar uma vaga em uma república”, contou.

Mariana falou ainda sobre as diversas exigências das imobiliárias para a realização do contrato de aluguel. "As imobiliárias pedem fiador que resida na cidade, o que é inviável pra quem não mora e não têm parentes aqui. Conheço pessoas que prestaram vestibular, passaram e que desistiram da faculdade por não ter encontrado moradia. Achar um lugar pra morar aqui é um ato de sorte ou quase um segundo vestibular pelo grau dificuldade”, disse.

E toda a burocracia no aluguel de imóveis para estudantes foi também assunto destacado por Leonardo. Ele comentou que em alguns casos as imobiliárias cobram multas, fazem contratos de anos, o que para os jovens não é interessante, já que só estão de passagem pela cidade. Já no caso de uma república como a Reup, por exemplo, pede-se somente os documentos básicos e é feito um contrato de 90 dias com o estudante, levando-se em conta um período de adaptação.

"Hoje em dia se fala que Nova Friburgo é uma cidade universitária, mas, na verdade, não é. Pra ser uma cidade universitária ela teria que oferecer moradias de forma a suprir a demanda dos diversos estudantes que vêm para o município, além de um maior suporte e preparo quando se trata de transporte público, trânsito, entre outras questões”, comentou.

Entre as exigências feitas pela maioria das repúblicas da cidade para receber os estudantes, estão: identidade, CPF, comprovante de residência e comprovante de que está estudando no município. No caso da Reup, é feito um contrato de 90 dias com o estudante, levando-se em conta um período de adaptação.

Longe de ser a única dificuldade dos estudantes, Leonardo falou também sobre a divisão de tarefas da república e de como as jovens fazem com a limpeza da casa e alimentação.

"A Reup funciona com aquelas regrinha básicas de cooperação: sujou, limpa; pegou, guarda; desarrumou, arruma. A república só funciona com a ajuda de todas as meninas”, disse. "Quanto à alimentação, às vezes elas cozinham juntas, mas a maioria prefere comer em restaurante. Quando elas resolvem ir para o fogão, fazem aquelas comidas mais simples. Você sabe... o famoso miojo”, brincou.

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TAGS: estudante | morar sozinho | viver em outra cidade
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