Bruno Tausz (*)
5 de janeiro de 1995 - Quando acordei Anka vom Haus Klem já não respirava mais. Senti o que todo mundo sente quando perde um ente querido. Meu primeiro impulso foi humano: escrever um artigo contando como sofri com o desaparecimento dela. Mas isso não traria substrato algum e estaria contra tudo o que ela me ensinou.
Este texto deverá conter tudo o que de bom e positivo a Anka deixou para a humanidade. Ela foi gênio! Posou pacientemente, com um haltere na boca, num estúdio de fotografia cheio de refletores, com uma maritaca passeando por cima de sua cabeça, até conseguirmos um flash com a Zeca (maritaca) empoleirada no haltere e de frente para a câmera: foi capa do livro Adestramento Sem Castigo.
Anka conquistou árbitros cinófilos com seu simpático latido durante sua apresentação em pista: foi grande gampeã. Anka fez demonstrações de adestramento encantando as crianças e apaixonando seus pais: latia para pedir coisas, levava crianças à cavalinho para passear, brincava com os filhos, enquanto seus pais estavam ocupados, e tomava conta deles. Todos queriam uma cachorra assim: foi uma grande anfitriã.
Na intimidade do lar, Anka participou de todas as nossas festas, minha e da Rosangela, reuniões, aventuras e experiências; foi uma inigualável companheira nas horas de dificuldade, desde o café da manhã até o boa noite.
A grande lição de vida
Anka me fez compreender que um cão jamais faz coisas erradas. Isto me foi ensinado da forma mais lógica que um ser humano não consegue raciocinar: o conceito de coisa errada foi criado pelo homem, portanto, se um cão faz algo que nós consideramos errado, fomos nós que não conseguimos explicar a eles que aquilo é errado... e o erro é nosso.
Anka me mostrou que enquanto nós, humanos, precisamos fazer anos de psicanálise para viver o “aqui e agora”, os caninos só conseguem viver desta maneira. Eles desconhecem o lapso de tempo de a dimensão do espaço; portanto não compreendem, por absoluta incapacidade de avaliação dessas dimensões, o passado e o futuro; assim, só vivem o presente.
Um cão não consegue associar qualquer agressão nossa a alguma coisa que tenha feito no passado, mesmo que esse passado seja de alguns segundos, portanto, castigar um cão para que aprenda a lição e nunca mais repita, além de ser antididático, é totalmente ineficaz.
Quem já tentou explicar a uma criança de uns dois a três anos o que é ontem, amanhã, quinze minutos ou semana que vem pode imaginar qual seria a dificuldade com um cão. Foi assim que nasceu o método sem castigo Anka vom Haus Klem.
O único animal com capacidade para a obediência é o homem. Obedecer é fazer o que a gente não está a fim, porque alguém está a fim... senão...
Para caracterizar a obediência é absolutamente necessário temer uma represália (futura).
Um cão não obedece... e jamais obedecerá a quem quer que seja.
A gente só aprende o
que não se deve fazer...
A gente só dá valor ao que não presta. A gente só sabe ensinar o que não pode. A gente só aprende o que não se deve fazer. Os inteligentes humanos consomem 80% de suas vidas pensando exatamente no que não querem. E tem uns humanos que estudam a fundo tudo o que não pode e depois escrevem num papel e chamam de lei. Se eu matar uma pessoa, terei que pagar 15 anos de reclusão, mas se for a primeira vez tenho 50% de desconto e se tiver bom comportamento ainda ganho um bônus de 25%.
Os humanos estão sempre ocupados. Os cãos não têm nada pra fazer o dia inteiro... A cama é gostosa, a comida vem na hora certa, o passatempo é ficar olhando pra seu dono e tentando adivinhar o que ele vai fazer. Então o cão sabe um monte de coisas, por exemplo:
- Quando você pega a coleira é porque vai sair com ele.
- Quando você se arruma todo elegante, já sabe que vou ficar sozinho.
- Quando você chama para a piscina, é o que ele mais gosta.
- Ele só tem problemas quando você tenta ensiná-lo alguma coisa! Pois uma vez é de um jeito, outra vez é ao contrário, aí ele não consegue lhe entender. Um dia você não deixa subir no sofá, no outro dia você deixa só um pouquinho. Quando você sai ele pode ficar no sofá e ninguém o incomoda. Ele nunca sabe...
Como ensinar um cão
* É impossível ensinar a um animal a não fazer coisas. * Nós, animais, só conseguimos aprender a fazer coisas.
* Em vez de ensinar a não fazer xixi no tapete, você tem que condicioná-los a fazer no lugar da sua melhor conveniência.
*Se você zangar com seu cão no exato momento em que ele estiver fazendo xixi no seu tapete persa, assustado, ele vai parar instantaneamente. Na segunda vez que você pegá-lo em flagrante fazendo xixi, terá ensinado tão-somente que você não gosta que ele faça xixi, e mais: quando ele fizer sem você estar olhando e nada acontecer, terá aprendido a fazer escondido.
* A sua fantasia exige um cão companheiro, educado, valente e, principalmente que, proferida uma palavra de ordem, a execute, para seu orgulho, com presteza e perfeição. Mas, para isso, os humanos não querem fazer esforço algum.
* Para os humanos, inteligentes e civilizados, o bom comportamento nada mais é do que uma obrigação, não deve ser premiado.
* O erro é que merece a sua atenção e a sua preocupação.
* Quando você está lendo, estudando ou redigindo uma matéria importantíssima e o cão ao seu lado, quietinho e bem comportado, não estará fazendo mais que sua obrigação. Ele jamais terá sua atenção, porque sua tarefa é tão importante que você não pode desviar sua atenção nem por um só segundo. Agora, se ele pegar seu sapato e sair correndo, você larga tudo o que era tão importante e sai correndo atrás dele. Conclusão: ele acha que você gosta que pegue seu sapato e saia correndo.
(*) Bruno Tausz é humano, etólogo e autor de livros sobre comportamento animal - email: btausz@brunotausz.com.br
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