Miguel Ruiz e o sonho da tocha olímpica

A torcida é grande para que “o maior jogador da cidade de todos os tempos” seja um dos nomes escolhidos para conduzir a tocha em Friburgo
terça-feira, 05 de julho de 2016
por Ana Borges
Miguel Ruiz Garbes (Foto: Lúcio Cesar Pereira)
Miguel Ruiz Garbes (Foto: Lúcio Cesar Pereira)

Ele começou a jogar aos 13 anos de idade e desde então é apontado como “o maior jogador da cidade de todos os tempos”. Assim pensam seus colegas, não só da turma do futebol, mas de todas as modalidades esportivas praticadas em Friburgo. Hoje, aos 92 anos, um lúcido e independente Miguel Ruiz Garbes ainda pretende realizar mais um sonho: conduzir a tocha olímpica. Ele aguarda ansioso por esse momento histórico na cerimônia prevista para o dia 30 de julho.

Nada mais justo, reafirmam os que se dedicam e/ou se dedicaram, de diferentes formas, à prática esportiva, e conhecem a trajetória de Miguel. Entretanto... até o presente momento, a sua participação está indefinida. O que há é especulação, desejo e torcida para que seu nome, que não consta da lista dos patrocinadores do evento, seja incluído, oficialmente. Pessoas amigas e ligadas à cerimônia estão empenhadas pela inclusão de seu nome. A torcida é grande.

Miguel tem uma memória invejável e não deixa pergunta sem resposta. É capaz de lembrar detalhes curiosos de histórias envolvendo colegas de times como o lendário Heleno de Freitas (Botafogo). E isso, tendo começado sua carreira ainda menino no time infantil do Friburgo Futebol Clube, em 1937, que foi o campeão da temporada. Nos recortes de jornais e revistas cuidadosamente guardados, podemos apreciar crônicas que registravam momentos como, por exemplo, “Miguel é um jogador de classe, toques precisos e chute potente. Atua como meia armador pela direita, e abusa da visão de jogo privilegiada para desmarcar os companheiros de ataque”.

Em reportagem de Vinicius Gastin para A VOZ DA SERRA, há dois anos, Miguel foi descrito como um atleta “sempre tranquilo com a bola nos pés, autor de gols decisivos em diversos campeonatos. Além das características técnicas, o companheirismo e a disciplina marcaram a trajetória vitoriosa e renderam a maior comenda que um jogador poderia almejar à época: o "Prêmio Belfort Duarte”, de 1962, conferido pela CBD, atual CBF”. Miguel completa: “Esse prêmio nem Pelé tem. Recebi porque completei 120 partidas sem ser expulso”, diz, hoje, com justificado orgulho.

Uma carreira movida a paixão

Miguel lembra de um momento especialmente feliz: quando jogou na seleção brasileira no lugar de Luizinho, ao lado de Nilton Santos, Zizinho e outros craques. O ano era 1954 e a equipe brasileira se preparava para a Copa do Mundo concentrada em Friburgo, jogando contra a seleção local com Miguel no elenco. Num dos treinos, Luizinho se machucou e o técnico Zezé Moreira convocou Miguel para substituí-lo. “Nunca esqueci o que senti na hora, alegria misturada com responsabilidade. Me marcou para sempre”, conta.

Enquanto mostra as medalhas, troféus, reportagens e trechos de livros, além de fotos que são registros memoráveis da história do futebol brasileiro e de sua carreira — dos 15 aos 85 anos, até sete anos atrás, ele ainda jogava pelada no Country Clube, que o homenageou dando seu nome ao campo de futebol - vai descrevendo fatos como um cronista daqueles tempos. Entre os recortes de um extinto jornal carioca, um repórter escreveu, há mais de 50 anos, que Miguel era considerado um dos melhores atletas em atividade, na região. Tanto que, aos 20 anos, chamou atenção de um grande clube do Rio. Em 1943, “o time amador do Botafogo esteve em Nova Friburgo para um jogo amistoso e o time friburguense venceu por 3x1, com dois gols de Miguel. Encantado com a atuação, Canella, o técnico carioca, o convidou para jogar pelo Botafogo. Na primeira temporada, Ruiz conquistou o campeonato carioca amador e a oportunidade de atuar pela equipe principal”.

No entanto, contrariando a vontade do treinador, o presidente do clube insistiu na escalação de Heleno de Freitas, de quem, aliás, Miguel fala com respeito e carinho. Na época ele ficou um pouco abalado, e pensou: quem sabe, com aquela decisão o presidente decretou o rumo de sua vida profissional, interrompendo sua projeção no cenário nacional? Mas, bem ao seu feitio, não perdeu muito tempo com esse tipo de elucubração. Não se permitiu mágoas, pelo contrário, atendeu de boa vontade o desejo da família que o queria de volta. “No fundo, sentia saudades daqui e da família”.

Na época ele estava ambientado, numa ótima fase, jogando bem e numa perfeita relação com o time, que tinha craques como Gonzáles, Heleno, Santa Maria, Zezé Moreira. “Algumas vezes saíamos juntos à noite. O Heleno, além do talento e personalidade em campo, era um cavalheiro, uma pessoa educada, agradável, divertida. A minha estada no Rio foi ótima, aprendi muito e só tenho a agradecer a oportunidade que tive”, relata, demonstrando humildade, o que, no fundo, evidencia ainda mais a sua grandeza como ser humano. 

A tocha olímpica, a derradeira conquista

De volta a Friburgo, continuou sua trajetória vitoriosa: 22 títulos conquistados, sendo o maior vencedor do futebol friburguense, ao lado de Paulo Banana. Foi peça fundamental no tricampeonato do Friburgo entre 1945 e 1947, e posteriormente no hexacampeonato. Entre 1956 e 1963, Miguel participou de três bicampeonatos do Friburgo, e conquistaria dois títulos da terceira divisão pelo Roqueano Social Clube (1964 e 1965). Em 16 de junho, participou da inauguração do monumento ao Zico, em Friburgo, quando foi homenageado pelo ídolo do Flamengo, tendo seu nome afixado na placa comemorativa.

Miguel ainda continuaria jogando por mais de 40 anos, em peladas com os amigos, até os 85 anos (2008). “Não sobrou mais quase ninguém da minha turma pra jogar, e depois, com 92 anos, reconheço, as pernas já não são as mesmas”, brinca. Hoje, ele fica feliz em encontrar os amigos, de vez em quando ir a uma feijoada, ver futebol pela televisão. “E aguardar meu ato de glória final, que seria segurar a tocha olímpica. Não corro mais atrás de bola mas ainda caminho bem”, encerra, com um sorriso, esse moço de 92 anos, cheio de energia, vitalidade e simpatia.

Em tempo: Quem conhece Miguel Ruiz Garbes, a pessoa, o atleta, o cidadão, de tradicional família friburguense, defende a sua participação na cerimônia da passagem da tocha olímpica. Poucas cidades brasileiras podem se fazer representar por um atleta de 92 anos, com o currículo de Miguel, que jogou com uma geração de craques nacionais de reputação internacional. Friburgo e seus atletas, de todas as modalidades, empresários ligados ao esporte e público, de modo geral torcem para vê-lo participar desta festa, um legítimo representante da classe esportiva local - Miguel Ruiz Garbes, dono de um perfil incontestável de atleta olímpico.

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