Um homem simpático, receptivo e comunicativo, que vivenciou o mundo das drogas como usuário e traficante. Usou maconha, cocaína, LSD, ecstasy e tudo aquilo que permitiria uma viagem, talvez, sem volta. Mas João Guilherme Estrella, que foi a inspiração do livro de Guilherme Fiúza, "Meu nome não é Johnny”, adaptado pelo cineasta Mauro Lima para as telonas, deu a volta por cima, se recuperou e hoje vive da sua maior paixão: a música.
Quem o vê assim recuperado não acredita nas situações que ele viveu e superou: foi traficante de cocaína, o que lhe rendeu uma condenação de quatro anos de prisão, convertidos em dois anos cumpridos no Manicômio Judiciário Carrilho, no Complexo Penitenciário Frei Caneca.
Um caminho de drogas e tráfico
João usou todos os tipos de drogas, menos heroína (não a usou devido a um filme e livro que o alertaram, "Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída”). "Tive muita sorte em ler esse livro, isso fez com que eu não quisesse usar heroína. O filme também alertou muito”, diz.
O fato de ter uma quantidade muito grande de cocaína disponível fez com que ele consumisse bastante. Mas, antes do tráfico ele não tinha interesse no pó. "Coca nunca tinha despertado meu interesse. Usava raramente, mas o tráfico fez com que eu quisesse. Eu era mais fã de LSD”, conta. "Cheguei a usar 20g diariamente, fiquei quatro dias e quatro noites cheirando. Isso antes de eu ser preso”.
O tráfico era feito de forma pacífica: não tinha armas, crianças, brigas. Ele traficava praticamente sozinho. "Meus clientes eram pessoas conhecidas, muitos artistas. Não iniciei ninguém. Vendia para quem eu já tinha contato”, esclarece. Ele diz que não se sentia à margem da lei pois não lidava com violência.
Descriminalização
Sobre a descriminalização das drogas, João Guilherme Estrella tem uma opinião bem formada: "Não acho nada sobre a descriminalização das drogas. É perda de tempo. Temos que falar de corrupção, falta de água, esgoto, fome. É um assunto que está em pauta há mais de dez anos e pouco vai se modificar. Falar muito se mascara e perde-se um tempo precioso quando coisas mais importantes deveriam ser discutidas. Somos obrigados a votar, os jogos nas loterias estão ligados ao governo, as pessoas podem consumir cachaça e não podem usar maconha. Político se aposenta com oito anos de trabalho e o verdadeiro trabalhador com 35 anos, batalhando. Isso não é democracia”, opina.
Prevenir, conscientizar, alertar, debater e motivar
Hoje João Guilherme faz palestras com o objetivo de prevenir e conscientizar sobre o uso de drogas, debatendo de forma transparente com a plateia, aconselhando os participantes a buscar caminhos produtivos e saudáveis. "Não fiz um estudo para que isso acontecesse. A divulgação do livro e do filme e as sessões em faculdades me atraíram, o bate-papo é sempre bom. E o retorno dos jovens sobre como foi a reviravolta aconteceu aos poucos”, afirma.
A troca com os jovens é enriquecedora para João. Conversam com ele e tiram suas dúvidas. "Um deles estava preocupado porque os amigos usavam drogas e ele nunca quis. Ele tinha medo de ser careta. Falei pra esse menino que o coração dele tinha que estar no comando, seguindo o que ele estava sentindo. Que fosse ele mesmo, que não precisava ter medo de ser deixado de lado pelos amigos”, relembrou.
Pessoas de diversos grupos assistem a suas palestras e se dividem entre os que já experimentaram e conhecem alguma droga e os curiosos. "A minha experiência desperta curiosidade, como se fosse uma voz que atestasse as opiniões e o que acontece. A ligação com o jovem é muito legal, aprendo muito”, diz.
Depois de buscar tanta coisa, de tentar encontrar a melhor forma de viver, de atingir seus objetivos, descobrir seu sonho, João Guilherme Estrella conclui: "A lucidez é que te leva a fazer coisas boas, que te faz ir muito longe. Já temos essa química, esse poder, não precisamos de aditivos. Meu sonho era fazer música e hoje faço”, comenta.
Se pudesse voltar no tempo, João Guilherme diz que faria tudo novamente. "Não me arrependo. Isso me ensinou muito. Foi preciso passar por isso para hoje poder ajudar as pessoas.”
"Meu nome não é Jhonny”
Compositor, músico e palestrante, esse é João Guilherme Estrella, personagem real do livro e filme "Meu nome não é Jhonny”, que conta a história passada na virada da década de 80, no Rio de Janeiro, quando a juventude carioca varava madrugadas em busca de diversão, numa explosão do consumo de cocaína por uma elite boêmia. João se tornou o principal fornecedor de cocaína das altas rodas, passando pelo deslumbramento do poder e dinheiro farto. Mas nem tudo foram flores: sofreu, caiu e passou pelo submundo urbano, de onde poucos conseguem sair. E João Guilherme Estrella conseguiu.
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