Memorial do Anchieta: muito mais que simples reverência aos jesuítas

quarta-feira, 18 de agosto de 2010
por Jornal A Voz da Serra
Memorial do Anchieta: muito mais que simples reverência aos jesuítas
Memorial do Anchieta: muito mais que simples reverência aos jesuítas

Memorial do Colégio Anchieta:

Uma viagem ao passado dos jesuítas

Dalva Ventura

Não só os ex-alunos, mas todos os que se interessam por história – de modo especial a de Nova Friburgo – certamente passarão horas de muito encantamento no Memorial do Colégio Anchieta. Inaugurado há poucos meses e só recebendo visitantes às sextas-feiras e sábados, com hora marcada, o Memorial Histórico Fides et Scientia (Fé e Ciência) foi criado com uma proposta muito clara: preservar a cultura jesuíta, mas, vai muito além. A ideia surgiu em 2006, durante uma exposição que comemorava os 120 anos do colégio, e levou quatro anos para se concretizar.

O memorial, que já está sendo chamado de Museu do Anchieta, ocupa três grandes espaços existentes no hall do teatro e nele estão expostas 280 peças, que vão de imagens sacras a peças raras. Entre elas, um pedaço do “bendegó”, o maior meteorito já encontrado no país, em 1784, que, aliás, é uma das peças que mais chama a atenção das crianças e jovens que visitam o memorial. Além do Anchieta, só há mostras desta pedra no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Não se sabe como o bendegó veio parar no Anchieta, mas explica-se pelo interesse que os jesuítas sempre nutriram não só pela fé, mas também pelas mais diversas áreas da ciência.

Fundado em 1886, portanto, com 124 anos de história, o Colégio Anchieta é ainda hoje um símbolo importantíssimo da passagem marcante dos padres jesuítas por Nova Friburgo. Nada mais natural que brindar a cidade com um espaço que contasse esta história. Tudo começou quando a professora Dilva Maria de Moraes teve acesso ao fenomenal acervo ali existente na época em que organizou a exposição dos 120 anos do colégio. Conversando com o padre Benjamin Gesteira Pino, reitor do colégio na época, sobre as preciosidades encontradas, Dilva foi incentivada por ele a dar vida ao memorial.

Não foi preciso falar duas vezes. Quem conhece Dilva sabe o quanto ela ama este tipo de trabalho. A partir daí foram quatro anos de trabalho duro, não só dela, mas da diretora do colégio, Jane Ayrão, e dos arquitetos Maurício Pinheiro e Luiz Fernando Folly, convocados para dar a forma final ao espaço.

A visita ao passado já começa pela fechadura, que é de 1905. Naturalmente as peças teológicas ocupam boa parte do acervo. Só relíquias dos santos ali existentes, todas com certificados de autenticidade, isto é, assinadas pelo Sumo Pontífice e o Colégio dos Cardeais, são mais de 300. Evidentemente, apenas uma pequena amostra delas foram expostas.

Entre as peças que representam a liturgia, destaque para as doadas pelo papa Pio X, como uma túnica usada por ele e um crucifixo com detalhes em bronze do século XVI. Paramentos, panos de ombro da época em que o padre celebrava missa de costas, sinos, campainhas, acendedores de velas, turíbolos, cálices de prata e de ouro, patenas, vasos sagrados, conopeus (aquela cortininha do sacrário), formas e prensas para fazer hóstias, paramentos. São, enfim, muitas peças religiosas, todas antiquíssimas, para deleite dos visitantes.

E tem muito mais. Amostras das peças usadas na construção do telhado (início do século 20), roldanas, pregos, cadeados, coleção de chaves. Sem falar nas fotos – inúmeras - mostrando os trilhos encontrados no terreno do colégio, pois ali passava uma espécie de trolley bus com tração animal.

Jane Ayrão faz questão de destacar o nome do padre fundador do Anchieta, Lourenço Rossi, um físico italiano cheio de ideias. Ela conta uma história curiosa. O Geral da Companhia de Jesus perguntou a ele quantos padres precisaria para fundar o colégio nas serras e sua resposta foi a seguinte: “Basta-me um artista”. Foi então que ele trouxe um construtor, um engenheiro, um arquiteto da época, chamado Prosperi. Quando o colégio ficou pronto, conta Jane, havia apenas sete alunos matriculados. O padre fundador, então, decidiu recomendar o colégio à Nossa Senhora e no final do mês já eram 39. “Hoje são 1.200, a sementeira continua”, declara Jane.

No entanto, surge mais um problema. O colégio não podia funcionar sem autorização do monarca regente. “Não seja por isso”, disse Prosperi. Colocou as plantas debaixo do braço e foi pedir o aval diretamente a D. Pedro II. Infelizmente, este documento assinado pelo monarca ainda não foi colocado no Memorial, pois está sendo restaurado.

Religião, arte e ciência

Quadros com imagens de santos, todos belíssimos, ornamentam as paredes do Memorial. Detalhe: nenhum deles tem a assinatura do autor, porque isso, na época, representava vaidade. A segunda e a terceira partes do museu são mais voltadas para o resgate do passado colegial propriamente dito. Entre as inúmeras fotos ali expostas, identifica-se o Quidinho, filho de Euclides da Cunha que estudou no Anchieta, assim como seus irmãos. Tem também fotos da banda e da orquestra do colégio.

O Memorial conta com praticamente um museu de história natural, que desperta muito o interesse das crianças. Entre os instrumentos de física usados no laboratório, tem até um sextante (instrumento para medir um ângulo entre dois objetos) da época do descobrimento do Brasil, que chegou ao Anchieta no início do século 20. Outros documentos interessantes são os exemplares do primeiro jornal colegial do Brasil, o Aurora Colegial (de 1886 a 1911), e até um “caderno de redação” deste jornal.

A exemplo dos novos museus, o Memorial do Anchieta conta com verdadeiros cenários de época. Por exemplo, uma cadeira de barbeiro, outra de sapateiro e até a cama onde Rui Barbosa dormiu quando foi paraninfo da primeira turma formada no Anchieta. O filho dele, Joãozinho, também estudou no colégio. Destaque também para o quartinho do padre Leonel Franca, um dos maiores ícones do catolicismo no Brasil, que também foi aluno do Anchieta.

Por último, mas não em último lugar, pois é um dos maiores orgulhos dos responsáveis pelo memorial, a Capela da Madre Pietá, que é simplesmente belíssima.

O fato é que nenhum outro colégio jesuíta tem tanta história como o Anchieta. Além do que está exposto, ali tem muita coisa guardada, principalmente da parte documental, que demanda uma pesquisa muito profunda. Segundo a coordenadora Dilva de Moraes, o que está exposto até agora é um décimo do que está guardado e ainda está sendo classificado. “Pegamos um pouquinho de cada coisa, mas ainda tem muitas fotografias e documentos guardados na Sibéria”, diz, referindo-se a uma sala do terceiro andar, que ganhou este nome não precisa nem dizer por que. Mesmo sem ar condicionado, é geladíssima.

Para visitar o memorial é preciso agendar com a direção do colégio pelo telefone (22) 2525-4400.

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