Matérias - 03 de janeiro

sexta-feira, 02 de janeiro de 2009
por Jornal A Voz da Serra

As receitas do dia seguinte

Mario de Moraes

“Há pessoas que só bebem em circunstâncias muito especiais. Mas consideram especiais todas as circunstâncias em que bebem.” – Millôr Fernandes

A farra está ótima, o sujeito bobeia e passa da conta. As doses a mais, em geral, não são levadas a sério, o camarada acreditando que é bastante forte para virar mais algumas. Quando ele desaba, sempre aparece uma pessoa bondosa para levá-lo em casa ou, se a coisa estiver pior, para um hospital, para desintoxicar-se.

No caso do cabra ainda se agüentar nas pernas, embora meio zuruó, mas feliz da vida, ele chega em casa, desaba no leito e adormece em seguida. No dia seguinte, no tal day after, é que a coisa pega. É aquela zoeira, a cabeça girando, as paredes do quarto se movendo, a boca seca. E aí surge uma das expressões mais interessantes da língua portuguesa: “Gosto de cabo de guarda-chuva”. É claro que ninguém provou um cabo de guarda-chuva, mas é exatamente o sabor que o sujeito acha que sente, quando acorda de um porre homérico.

Os alemães chamam a ressaca alcoólica de katzenjammer; os ingleses de morning after ou washed out; e os americanos dark brown taste (que tem alguma semelhança com o nosso gosto de cabo de guarda-chuva).

O que fazer? Existem diversas receitas. Uma delas, possivelmente inventada por um alcoólatra, é tomar um copo de cerveja em jejum. Alguns aconselham um banho bem frio ou café forte sem açúcar. Antigamente – os mais idosos hão de se lembrar –, quando se partia para uma festança, onde se sabia que o álcool ia rolar à farta, a gente se prevenia ingerindo uma colher de sopa de azeite. Segundo os entendidos, o azeite impede que o álcool em demasia afete o bebedor. Depois, surgiu o Engov (o comercial é grátis): um antes; outro, depois.

A receita da vovó

Segundo reza a história, a primeira receita contra o porre foi inventada por uma vovó. Uma certa quantidade de caldo de carne em um litro de água, alho e cebola e duas colheres de óleo. Argh ! Deixe ferver, quebre um ovo dentro e espere cozinhar. Para ficar no ponto, engrosse o caldo com farinha de milho. Esse é o chamado escaldado da vovó. Ele pode não curar a bebedeira, mas, pelo menos, o deixará bem alimentado.

Os médicos acostumados a atender aos pinguços têm outro conselho para evitar o porre antes de começar a entornar: beber muita água e tomar um bom copo de leite. Não esquecendo, também, do Engov (mais um comercial grátis!). Se você não fez nada disso e entrou bem, os doutores aconselham uma dieta especial: bastante leite, acompanhado de sucos ou vitaminas de frutas, saladas, caldos de carne, legumes e frango cozido. Segundo esses entendidos, são alimentos ideais para o porrado.

Veneno com veneno se cura

Para melhorar o estado geral do paciente, existe uma receita muito conhecida entre bebedores veteranos. Talvez você já a conheça, mas não custa tomar nota: encha um copo grande de suco de tomate, coloque bastante pimenta em pó nele e, depois, bata dois ovos e acrescente-os à mistura. Finalmente, o toque de classe: despeje uma pequena dose da bebida que o derrubou na véspera. Mexa bastante e vire de uma só vez! Talvez desarranje os intestinos, mas garantem que dá certo.

Os nordestinos apresentam outra solução: uma sopa de siri bem quente.

A turma da estranja tem outros métodos. Cecil Pick Me Up é um coquetel com o qual os ingleses procuram curar suas bebedeiras. Cecil refere-se a um antigo hotel londrino do mesmo nome. Pick Me Up é uma expressão referente a certos coquetéis capazes de livrar o beberrão da ressaca.

O Cecil é preparado com os seguintes ingredientes: uma gema de ovo, um copo de conhaque e uma colher de chá de açúcar. Depois de bater bem a mistura, despeje-a num copo grande cheio de champanhe. Os britânicos apostam que o sujeito, após beber o Cecil, está pronto para outra carraspana.

Isto tudo na ressaca a sós, porque existe aquela em que você acorda no leito e, para suavizar o sofrimento, vê que tem uma bela mulher ao lado, com quem transou antes de apagar de todo. Nesses casos, os ingleses trocam o Cecil por outro coquetel, que eles batizaram como Between The Sheets. O que pode ser traduzido como Debaixo dos Lençóis.

Ela está lá, aguardando a sua volta, você vai até a cozinha e prepara o coquetel rejuvenescedor: 1/3 de conhaque e 1/3 de rum, com algumas gotas de limão. Bota gelo e bata bastante. Os ingleses afirmam que, se essa mistura não o livrar do porre, uma coisa é certa: você adquire forças para voltar para debaixo dos lençóis.

Como melhorar o estado geral

Os experts aconselham aos porrados evitar alimentos gordurosos ou codimentados. Eles devem ser substituídos no desjejum por frutas como laranja, maçã ou banana, que possuem um bom teor calórico. Como vão necessitar de glicose, devem acrescentar um pouco de mel às frutas. Se não forem diabéticos, é claro. Embora diabético que toma bebedeira mereça mesmo sofrer. Tem mais: bebam bastante água, mesmo sem vontade.

Para os mais sensíveis, a fórmula é outra: procurem um canto bem tranqüilo e silencioso da casa, acomodem-se numa fofa poltrona, tomem um copo cheio de água de coco e procurem esquecer a farra do dia anterior.

Em geral, quando você for se olhar no espelho, levará um susto com o aparecimento de negras e feias olheiras. Tenha calma, que há jeito para tudo. Se tiver chá de camomila em casa, faça umas compressas e coloque-as em cima dos olhos. Em caso contrário, rodelas de batata também resolvem.

Receitas de muito antigamente

Entre várias, retiradas de um livro de receitas publicado no início do século 20, o pirão de jiló. Experimente. No máximo botará pra fora o excedente da véspera, o que poderá aliviá-lo bastante. Corte meio quilo de jiló em pedaços bem pequenos. Corte uma cebola bem grande em rodelas. Junte dois dentes de alho, sal, pimenta do reino, cheiro verde, pimenta ardida, meio copo de óleo e farinha de mandioca. Refogue o jiló com todos os temperos, depois cozinhe-o em muita água. Quando estiver cozido, engrosse com mais farinha. Mau proveito.

Escaldado de fubá. Tempere metade de um frango a gosto e depois o desfie. Separe farinha de milho e 3 a 4 ovos. Depois que o frango estiver preparado, engrosse o caldo com um pouco de farinha, de modo que fique ralo. Com o frango ainda na panela e bem quente, coloque os ovos dentro do caldo e deixe-os descansar sem mexer. Após alguns minutos, está pronto para ser servido, podendo ser perfumado com cheiro verde.

Se seu estômago não agüenta o tranco, tem receita mais leve: bata num liquidificador o caldo de duas laranjas, meia beterraba ou uma beterraba pequena descascada e uma cenoura média, também descascada. Depois de batida, coe a mistura numa peneira.

Os chás também entram nessa

O sujeito está gemendo, tem a cabeça pesada, o estômago entrou em guerra com o próprio, talvez um chá resolva o problema. Antigamente, o mais aconselhado era chá preto. E de todos, o mais famoso era o Lipton, importado da Inglaterra. Hoje existem chás mais apropriados para bebedeiras, como o de boldo. Ele também serve para os comilões, quando se empanturram. O boldo, segundo os entendidos, aumenta a produção de bílis. O paladar é amargo, mas vale o sacrifício.

O chá de erva-cidreira funciona como diurético e calmante, auxiliando a digestão; o chá de hortelã, que deve ser preparado com folhas frescas, produz o mesmo resultado. Existem, ainda, os chás de erva-doce, de canela, de camomila, de maçã e até de mate.

O melhor mesmo, para evitar dissabores, é beber com moderação e comemorar alegremente as festas às quais forem convidados.

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