Um diário para todos
“ Nossa memória é nossa coerência, nossa razão, nossa ação, nosso sentimento. Sem ela não somos nada “.
LUIS BUÑNUEL
João Carlos Moura
Acaba de sair o Diário de Fernando, um livro imperdível para todos lerem, sobretudo os jovens. Frei Betto deu tratamento literário aos segredos guardados por Frei Fernando de Brito, seu companheiro dominicano na prisão, e só agora revelados depois de mais de 10 anos.
Eis um livro para se meditar e tomar lições extraordinárias para que as atrocidades relatadas, nunca mais se repitam. Meu filho no Colégio Santo Inácio foi obrigado a ler Paulo Coelho, por que esse livro não pode ser adotado para leitura obrigatória em todas as escolas?
É um livro histórico porque trata do drama vivido por muitos jovens idealistas nos anos 60. Eles queriam mudar o Brasil e o mundo e entraram sem saber - ou querer -, no inferno da ditadura militar brasileira. Neste livro oportuno, podemos saber em detalhes como funcionava o esgoto humano (a prisão brasileira) onde eram jogados esses e outros jovens, como dejetos inservíveis. Gente como nossos filhos, culpados (sem julgamento) do delito de pensar diferente e apoiar a resistência ao golpe armado.
Era a cavalaria e bombas contra ideias, bolas de gude, rolhas e sonhos: armas perigosas que os estudantes carregavam para enfrentar os militares brasileiros, treinados para torturar pelos americanos.
Os Freis Fernando de Brito e Betto, nesta magnífica obra, contam em detalhes como funcionou uma parte ativa, cruel e podre, da redentora que, realizava prisões sem motivo claro ou aparente. Se julgava a priori sem defesa legal constituída. Era o olho por olho dente por dente, que fez com que boa parte da juventude entrasse na clandestinidade, para não morrer.
Os jovens precisam saber que pensar diferente naquela época era muito perigoso e arriscado, corria-se o risco também de ser cobaia do perverso delegado Fleury e seus seguidores (pais de família, amorosos, etc., mas torturadores) que só se saciavam ao ver o torturado como um quase nada, banhado de sangue e cheio de hematomas pelo corpo. O absurdo chegava ao extremo ao fazer-se o torturado padecer dolorosamente da cisão entre corpo e mente, pois dissociados mente e corpo, levavam o individuo até o enlouquecimento ou ao suicídio.
Frei Tito de Alencar,banido do Brasil e exilado na França, carregava consigo, internalizado, o torturador-delegado Fleury. Muito sensível, Tito era poeta, muito jovem, padeceu dos delírios persecutórios em consequência das torturas sofridas. Se matou na França.
A Igreja Católica que não aceita o suicídio, perdoou Frei Tito por seu gesto incontrolável: autor (com Fleury) de sua própria morte.
Esse livro toca e choca, por isso torna-se obra essencial e referência da história contemporânea brasileira. História verdadeira que começa a ser contada. Na literatura faz um marco. Nada mais pode se ocultar ou negar, depois das verdades contidas ( e sofridas), publicadas nele.
*artista plástico e psicanalista
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