“Essa cidade merece o carinho de todos neste momento de retomada e esforço para reconstruir a autoestima”, disse a cantora sobre Nova Friburgo, após o show no Festival de Inverno
Por Alessandro Lo-Bianco
Após cinco anos sem gravar álbuns, a cantora, compositora e instrumentista Marina Lima está às voltas com o lançamento de Clímax, seu novo disco com 11 músicas inéditas. “Pensamos neste nome porque ele simboliza bem o momento que tenho atravessado em minha carreira. Clímax significa ponto culminante e é justamente uma fase que estou descortinando; o ápice da minha carreira. É um momento em que estou muito madura dentro dessa junção, meu lado de compositora, cantora e arranjadora”. Ícone da MPB nas décadas de 80 e 90, ela eternizou composições como “Charme do Mundo” (1981), “Fullgás” (1984), “Difícil” (1985), “Pra começar” (1986) e “Virgem” (1987), músicas que a fizeram hoje ser detentora de três milhões de discos vendidos.
Animada com o lançamento do seu 19º álbum, que leva o selo da Libertà Records e conta com a participação de Adriana Calcanhotto, Samuel Rosa e Vanessa da Matta, Marina se apresentou em Nova Friburgo no último dia 2, primeiro fim de semana do Festival de Inverno da Dell’Art, no Country Clube. “O show estava marcado para começar às 22h30, mas só começou às 2h15 da manhã! Uma parte do público debandou, claro, e a outra, fiel, ficou lá me esperando. Mas fiz com muito carinho, pois tenho lembranças queridas de Friburgo: camping, cavalos, lareiras, o frio... Essa cidade merece o carinho de todos neste momento de retomada e esforço para reconstruir a autoestima. Agora, o Festival de Inverno deste ano realmente estava muito desorganizado... Mas vai melhorar, tenho certeza disso”, declarou Marina.
Nesta entrevista, a cantora fala sobre seu novo trabalho, relembra questões passadas, como a relação com fãs e jornalistas numa época em que os meios de comunicação não eram tão modernos, o que mudou com a internet, a dificuldade que sofreu para se afirmar como compositora dentro de uma sociedade extremamente machista, a vida amorosa, a recente decisão do STF que legaliza a união entre pessoas do mesmo sexo e muito mais!
A VOZ DA SERRA - Seu disco novo já vazou na internet antes mesmo do lançamento. Como você pensa essa questão?
MARINA LIMA - Não penso muito essa questão por um vertente financeira, pois fiz o CD de forma independente e, como estou fora das gravadoras, não vivo mais do direito autoral do disco. Fico incomodada apenas porque, ao criarmos o trabalho, a gente sempre quer vê-lo sair do forno quentinho e completo, com a capa elaborada e tudo mais. Isso me incomoda, pois você sofre uma invasão que antecipa um trabalho seu que chega ao público incompleto, sem o resto das ações que envolveram toda a equipe, com uma outra identidade, e por aí vai...
AVS - Mas você acha que, de certa forma, a internet democratizou mais o acesso à música? Ainda vemos discos e DVDs sendo vendidos a preços inacessíveis para algumas parcelas da sociedade...
MARINA LIMA - Olha, penso essa questão de forma mais abrangente! No geral, acho que após o governo Lula e, agora com a Dilma, o Brasil se tornou um país mais democrático. Acho que houve uma redução considerável na questão das desigualdades. Mas, artisticamente falando, por outro lado, a cultura empobreceu. Hoje, qualquer coisa torna-se vendável e aí vão aparecendo muitas coisas que percebemos ser de péssimo gosto e qualidade.
AVS - Com essas constantes transformações, como fica a sua música neste contexto?
MARINA LIMA - Creio que há um diferencial no meu trabalho, justamente porque nele há muito de mim. Ele é o que eu sou, não representa um grupo social, uma periferia, é a minha voz, não a dos outros.
AVS - E como a Marina Lima encontra-se neste cenário?
MARINA LIMA - Me sinto inteiramente conectada com o momento atual. Sempre curti bastante a internet e tenho usado bastante o Twitter. Eu fico menos submissa, acabo participando mais das coisas, falo diretamente com os fãs, com a imprensa, adoro! Experimentei o Facebook mas não perseverei (risos). Era pedido de fazendinha pra cá e pra lá e acabei desistindo (risos). Mas acho o Twitter libertador, muito bom!
AVS - E de quer forma você tem se libertado com ele (risos)?
MARINA LIMA - Falo com amigos, e acho interessante o lado de conversar diretamente com os jornalistas e a imprensa que, no geral, tem usado muito esta ferramenta também. Não tenho fobia de relacionamentos, sou bem comunicativa e gosto de dar entrevistas. Acho que em alguns casos, a gente vê um pouco as informações sendo deturpadas. Mas com o Twitter, sou apenas eu quem fala, então não tem muito este problema, não sofro as edições (risos). Do jeito que eu disse, fica ali. É fantástico!
AVS - Entrando um pouco mais nesta questão da imprensa, do assédio, da fama e dos relacionamentos, você sumiu um tempo... Aliás, assim como Marisa Monte e alguns outros músicos, você andou mais reclusa até mesmo no auge do sucesso. Como é isso?
MARINA LIMA - Pois é! Nunca me senti confortável com esse status de pop star. Não queria aquilo pra mim e pra minha vida. Vi que aquilo não era a minha, não quis seguir por este caminho. Precisei então deste período para ter tempo de repensar quem eu sou, onde estou, fazendo o quê... Foi um tempo onde pude me encontrar novamente e reafirmar o que eu queria pra mim e abandonar o que não estava mais me interessando, ou nunca me interessou.
AVS - E como foi na época em que você foi considerada um símbolo sexual?
MARINA LIMA - Não foi, porque eu realmente não era. Tentaram vender essa imagem e eu bloqueie muito isso no começo, porque além de não ser, eu também não queria ser.
AVS - Mas e o lado bom da fama? Não tinha?
MARINA LIMA - Nunca tive a pretensão de ir por este caminho, cheio de assessoras e seguranças. Sempre pensei que poderia estar criando um monstro e, com isso, perder um monte de coisas junto.
AVS - Hoje você está com 55 anos. É complicado para alguém que já foi considerada um dia um símbolo sexual, se ver envelhecendo. Tenho entrevistado algumas atrizes e vejo como isso é doloroso pra elas. Como você pensa esta questão?
MARINA LIMA - Penso que todos somos únicos. Ninguém é igual a ninguém, e ninguém pode julgar os outros pela aparência. Vejo algumas mulheres mais mudaras olharem para outras da mesma idade e ficarem se comparando, dizendo que, ao menos, tem marido, e por aí vai... Já sofri este preconceito pelo fato de não ter casado, como se eu fosse uma rebelde no mundo.
AVS - Você acha que o mercado artístico é um pouco ingrato neste sentido?
MARINA LIMA - Eu ajudei a criar, claro, junto a outros artistas, o movimento pop no Brasil. Cazuza, Renato Russo, nomes que foram referências mas que não estão mais aqui conosco, envelhecendo junto. Se este mesmo movimento hoje me deixar desconfortável em algum sentido eu pulo fora. Já fiz isso antes. Se eu tiver apenas que continuar gravando “Uma Noite e Meia”, tô fora. Somos o reflexo do que éramos antes, a gente amadurece mas sempre somos parte do passado. Vejo algumas pessoas dizerem que “Isso não é da minha época...” Como assim? Você morreu por acaso? Me sinto muito ativa com a época que estamos atravessando, que também é a minha época. Lógico que tenho em mente que cada idade requer um esforço, mas me sinto muito inserida na sociedade neste aspecto. Sem problemas...
AVS - Percebo que você não é daquelas que tem vontade de esganar jornalistas, não é?
MARINA LIMA - Não, não... Fique tranquilo (risos). Acho horrível quando tem esses bafafás entre artistas e repórteres.
AVS - Você também se afirmou como compositora e instrumentista. Isso em uma época onde a mulher ainda não tinha, como os homens, as portas tão abertas para o mercado musical. Esse machismo chegou a atrapalhar seu trabalho?
MARINA LIMA - Realmente as coisas eram outras no passado. Você tinha mulheres cantando, mas não via ninguém tocar também, ninguém compunha. Tinha a Rita Lee e tal... Isso fazia com que as pessoas me olhassem e desconfiassem que havia um truque. Tinha mesmo muito machismo, no sentido que não queriam dar tanto poder à mulher.
AVS - Fale mais sobre essa questão da desconfiança...
MARINA LIMA - Já disse em outras entrevistas que, quando gravei “Uma Noite e Meia”, só faltaram dizer que eu era “puta”. Isso porque as mulheres eram aceitas apenas para cantar, não para dizer o que pensavam. Senti sim muita resistência quando comecei a compor. Era como se eu estivesse recebendo poder demais.
AVS - E como você percebe a mudança hoje?
MARINA LIMA - Vejo que não adiantou tapar o sol com a peneira. As mulheres vieram com tudo e não dá pra evitar mais. Por isso, acho uma grande conquista termos uma mulher na presidência do nosso país. Não estamos na perfeição, mas acho que as portas se abriram. Mas imagina nos meus tempos de juventude, quando assinei meu primeiro contrato aos 17 anos. Era muito complicado...
AVS - Você acha que as mulheres hoje estão precisando cada vez menos dos homens?
MARINA LIMA - Não afirmaria isso, mas creio que está rolando um embate sim. Muita coisa mudou. Antigamente os homens transavam com as mulheres e descartavam. Hoje, vejo muitos homens na situação reversa, com medo de transar e também serem descartados. A diferença é que agora as mulheres também aprenderam a fazer o que os homens fizeram a vida inteira. Estamos caminhando para uma sociedade mais igualitária.
AVS - Em todos os sentidos, né? O que você acha do reconhecimento legal por parte do Supremo Tribunal Federal para casais do mesmo sexo?
MARINA LIMA - Já estava na hora! Não tinha mais como ignorar. O engraçado é ver e brincar com uns amigos meus que estão apavorados com essa situação, com medo de tomarem o “golpe do baú” (risos). Isso porque os gays, até então, nunca se casavam, apenas moravam juntos. Não tinham direito a receber o que agora é reconhecido, como pensão e plano de saúde.
AVS - Você acha que muitos gays ainda não estão preparados para esta responsabilidade?
MARINA LIMA - Acho que algumas apenas não estão acostumadas, porque nunca pensaram uma dia que iria se consumar, de fato, esta possibilidade.
AVS - E você? Já juntou a este ponto a escova de dente com alguém (risos)?
MARINA LIMA - O máximo foi morar junto (risos). Mas agora, quando pintar alguém já vou dizer logo: “Agora tem tudo, vamos ter plano de saúde, vou querer tudo que tem direito (risos). Não sei se vou casar com homem ou mulher e nem se vou casar, mas fico feliz de saber que independente de qualquer escolha todos têm os mesmos direitos. Achei esta decisão fantástica!
AVS - Doa a quem doer, não é mesmo?
MARINA LIMA - Sim, e vão ter que engolir (risos). Temos presidente negro nos EUA, uma mulher presidente do Brasil, e por que não gays com direitos iguais ao resto da sociedade? Quem não engolir, porque é maluco ou reprimido, pede pra sair! Já aguentamos tantas coisas, não é mesmo? Então por que não aguentar uma mudança? O mundo mudou, estamos agora com uma cara nova!
AVS - O que te levou a trocar o Rio de Janeiro por São Paulo?
MARINA LIMA - Já pensava ir pra Sampa desde 1998. Alguns cantores como Tom Jobim foram mais longe, foram para Nova York. Mas eu pensei nesse lugar porque tenho muita abertura de trabalho lá, é uma grande metrópole com muitas pessoas de fora. Sinto-me feliz com essa sensação de ser meio que uma estrangeira também.
AVS - Mas você já morou um tempo lá fora, não?
MARINA LIMA - Sim, e aprendi muito nesta época. Na verdade, aprendi a tocar violão nos EUA com uma chilena. E foi lá mesmo que comecei a tirar algumas músicas que tinha como referência dos meus pais, como Elis Regina e Baden Powell. Para completar, quando a bossa nova entrou com tudo nos EUA eu já estava lá!
AVS - Tem artistas que somem um tempo considerável antes de apresentarem um novo trabalho. Isso torna o conteúdo mais atraente e rico?
MARINA LIMA - Depende da inspiração do artista, sabe... No meu caso é um disco que vem sendo feito há mais ou menos três anos. Acho que pelo fato dele ter transitado por vários períodos de tempo, é rico neste aspecto. Costumo dizer que não é um trabalho sobre um último verão. É algo maior.
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