Marcos Antônio da Conceição

segunda-feira, 18 de março de 2013
por Jornal A Voz da Serra
Marcos Antônio da Conceição
Marcos Antônio da Conceição

Ana Borges
O pai se chamava Francisco, era apaixonado por música e, se dependesse dele, seus 10 filhos seriam músicos. Até conseguiu que alguns deles o seguissem, por um tempo, na banda onde tocava clarinete. Não chegou a enfiar ovo cru goela abaixo de nenhum deles, como em “2 Filhos de Francisco”—porque sonhava mesmo era com filho instrumentista, e não cantor—, mas os temas preferidos para conversar com a prole eram música, instrumentos e a banda que tocava fundo o seu coração: a Euterpe Friburguense. 
Se não tivesse falecido aos 53 anos, já viúvo de dona Maria do Rosário, hoje Francisco—o Chico Bom (Bom é sobrenome)—estaria orgulhoso da herança que deixou: uma semente que germinou e deu frutos. Por motivos diversos como vocação, interesse, opção, entre outros, pelo menos um filho de “vingou”: Marcos Antônio da Conceição, hoje com 49 anos, é clarinetista, licenciado em Música pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor concursado da prefeitura do Rio e dá aulas também na Euterpe Friburguense, onde toca há 35 anos, e no Instituto Villa-Lobos, onde foi aluno. Foi uma longa jornada, de muita batalha temperada com altas doses de força de vontade. 
Nascido e criado no bairro Rui Sanglard, mais conhecido como Morro do Rui, é lá que o Marquinhos da Euterpe, como os amigos o chamam, vive até hoje, com a mulher, Nilcéia, e dois filhos. Na verdade apenas o caçula, Igor, de 11 anos, mora com os pais. A filha Luana, de 21 anos, está no Rio cursando o 6º período da faculdade de música da UniRio, outra conquista que enche de orgulho esse pai que, por sua vez, teve na própria figura paterna o seu maior incentivador. “É do meu pai que eu me lembro quando olho para trás e penso na minha infância e juventude. A primeira imagem que me vem à mente é a dele. Pelo jeito como ele cuidava da gente e por uma coisa que ele costumava dizer: ‘Vocês vão ter uma vida dura, porque a vida é dura mesmo. Então, se é pra trabalhar muito e ganhar pouco, melhor ser músico. Vão ganhar pouco, mas em vez de carregar tijolos, vão carregar maletinhas com instrumentos, coisas assim levinhas, e ainda ser feliz enquanto estiverem tocando’. Ele sabia do que estava falando porque tanto pegava no pesado quanto no ‘levinho’: era pedreiro, mas tinha também uma clarineta com a qual se apresentava na Euterpe. E eu tive a felicidade de tocar na banda com ele por uns cinco anos, até a sua morte”, conta Marcos Antônio.
O caçula Igor já deixou claro que ainda é muito novo para saber o que quer ser quando crescer, revelou o pai, apesar de ele também ser aluno da Euterpe, onde toca clarinete, seguindo a tradição da família. Ao contrário do seu Francisco, que fazia gosto que os 10 filhos fossem músicos, Marcos nunca tentou influenciar Igor e Luana. “À medida que a gente ia crescendo, chegando aí nos 14 anos, tinha que ajudar nas despesas da casa [trabalhavam com o pai] e estudar na escola. Meu pai achava importante a gente terminar pelo menos o ensino fundamental. Aos trancos e barrancos, a maioria de nós terminou, mas era complicado trabalhar, ir pro colégio e ainda estudar na escola da banda. E nem todos os meus irmãos queriam ser músicos. Meu pai não obrigava, mas sugeria, falava e falava. Bem, todos nós terminamos os estudos, uns o 1º grau, outros, o 2º, e poucos, o 3º grau. Essa formação superior, para a maioria de nós, veio depois dos 30 anos. Eu mesmo só fui terminar o 2º grau depois dessa idade, pra poder fazer faculdade, depois dos 40. Mas fiz e conquistei o direito de dar aula no Instituto Villa-Lobos e outras unidades de ensino municipal e na Euterpe. O apoio do meu pai era incondicional, mas não havia dinheiro para investir em estudos”, diz, acrescentando que por ter uma situação financeira melhor, pôde dar para seus filhos o que seu pai não conseguiu. “A Luana, graças a Deus, na maior parte do tempo tem bolsa de estudos”, ressalta. É um motivo de satisfação para Marcos a possibilidade de prover o sustento da família com o ofício que ele escolheu, e que lhe dá imenso prazer. Isto, para ele, não tem preço, é um privilégio.
Como integrante da Banda da Guarda Municipal, Marcos já sentiu grandes emoções ao se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Assim como fica emocionado ao ver seus pequeninos alunos se tornarem profissionais da Euterpe, dando continuidade ao trabalho que há 150 anos é desenvolvido por professores (ex-alunos), de várias gerações. Essas crianças de hoje, assim como as de tempos passados, mantêm a banda viva. Com muito empenho, perpetuam através dos anos, o sonho de Samuel Antônio dos Santos, fundador da Euterpe, em 26 de fevereiro de 1863. 
Ele não tem preferência por gênero musical. Vê beleza no som de todos os instrumentos, chegou a comprar um teclado para a filha acreditando que ela acabaria optando por ele em vez do clarinete, mas ela se manteve fiel à tradição familiar. Não restou ao pai a não ser respeitar a escolha de Luana. Marcos ouve de tudo, gosta de quase tudo, do clássico ao popular. Inclusive teve um grupo de pagode quando jovem, chamado Voo de Paz, onde tocava cavaquinho. Mas não durou muito tempo. “Porque a gente tocava na noite, e isso atrapalhava os afazeres do dia.” Marcos lembra com carinho do mestre português José Botelho, hoje com 85 anos, que veio para o Brasil ainda criança. Conta que foi aluno dele, a filha também, no Instituto Villa-Lobos. “O professor Botelho emprestava instrumentos, estimulava a gente a experimentar novos sons. Com ele conheci Weber [Carl Maria von, alemão], Mozart [Wolfgang Amadeus, austríaco], Beethoven [Ludwig van, alemão], Rossini [Gioachino, italiano], gênios da música clássica”. 
Aprecia do mesmo modo, a MPB, cujos compositores ele considera igualmente gênios da moderna música brasileira: Tom, Vinícius, Chico, “e suas letras maravilhosas para melodias perfeitas”. Meio assim como a sua própria vida, quase perfeita, segundo ele. Marcos Antônio da Conceição é um homem feliz, de bem com a vida, que soube ir atrás do que queria e conseguiu. Sem pressa, esperando o momento certo para dar cada passo. E assim ele chegou lá. E sem querer parecer piegas, mas se parecer, e daí?, ele diz que olha ao seu redor e ouve música antes, através da figura do pai, durante, olhando para si mesmo, e depois, “quando ouço meus filhos tocando. Que mais posso querer?”.

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