Marcelo Freiman: "Quero viver em Nova Friburgo quando me aposentar"

segunda-feira, 07 de abril de 2014
por Jornal A Voz da Serra
Marcelo Freiman:
Marcelo Freiman: "Quero viver em Nova Friburgo quando me aposentar"

Texto: Márcio Madeira / Foto: Amanda Tinoco

Nascido no Rio de Janeiro, o tenente-coronel da Polícia Militar Marcelo Freiman acaba de comemorar 25 anos de carreira, ao mesmo tempo em que se despede do comando do 11º Batalhão em Nova Friburgo rumo a um novo desafio à frente da corporação em Itaperuna, no Noroeste Fluminense. Nesta entrevista exclusiva para A VOZ DA SERRA, Freiman faz um balanço dos três anos vividos no comando da instituição, relembra os momentos decisivos do período e fala de seus planos para o futuro.

 

A VOZ DA SERRA: Qual o balanço que o senhor faz desses três anos à frente do 11º Batalhão em Nova Friburgo?

Marcelo Freiman: Três anos e vinte e cinco dias! (Risos)


O senhor contou todos os dias?

Contei sim. A verdade é que o policial continua a ser policial mesmo quando está em casa, quando está de folga... Não tem como se desligar. E a responsabilidade é tão grande, o volume de trabalho é tão intenso, que cada dia vencido é um marco, uma conquista. As situações adversas surgem o tempo todo e o desgaste acaba sendo muito grande. Por isso eu fiz questão de contar cada um dos 1.120 dias no comando do 11º Batalhão.


E qual a sua avaliação sobre esses 1.120 dias?

Nós enfrentamos três grandes desafios durante o meu comando. Na verdade, as dificuldades começaram antes, no pós-tragédia, quando eu já trabalhava aqui como subcomandante e nós atuamos tanto no campo emergencial, socorrendo, como qualquer cidadão, e também lutando para que não ocorresse uma catástrofe maior, com invasão de comércio, saques, ou eventos dessa natureza. Nós trabalhamos para garantir a ordem, pois diante de eventos bem menores nós já vimos o surgimento de situações bastante adversas em outros lugares. Destruição de patrimônio, saques... Nosso desafio começou logo no início. Sob meu comando, no entanto, os principais desafios começaram com a greve dos policiais militares. Nós conseguimos, através de um diálogo franco com a tropa, conscientizar a respeito da necessidade do trabalho, sem abrir mão dos direitos de vez e voz, sempre destacando que a população não tinha nenhuma responsabilidade sobre tudo isso. Outro desafio foram as manifestações. Nesse episódio nós também aplicamos a metodologia do diálogo, através do trabalho de inteligência, agindo nas redes sociais para saber antes tudo que iria acontecer, atuando de forma preventiva e tentando identificar as lideranças para abrir frentes de diálogo. Eu fiz um acompanhamento pessoal de tudo isso e acho que o resultado foi fantástico. Não houve ocorrências.


Diálogo junto aos policiais e diálogo junto aos manifestantes também?

Exatamente. De um lado, com o objetivo principal de evitar que os policiais cometessem qualquer abuso de autoridade e de tranquilizá-los em relação aos fatos que estavam acontecendo. E de outro lado, o diálogo com os líderes, que muitas vezes nem aceitavam esse papel, mas, na realidade, apresentavam uma representatividade junto aos manifestantes. Essa também foi uma operação muito eficaz. O máximo que nós tivemos foram retenções no trânsito, sem registrar nenhum confronto.


Não houve hostilidades entre manifestantes e policiais?

Nenhuma. Nós tivemos o cuidado de mostrar aos policiais os direitos constitucionais dos manifestantes, e também a responsabilidade com relação ao direito de ir e vir daqueles que não queriam se manifestar. Também conversamos sobre as responsabilidades penais em casos de depredação de patrimônio público ou particular, então esse foi um grande desafio que conseguimos superar.


A colaboração comunitária, através do disque-denúncia, também se tornou muito mais popular durante a sua administração...

Sim, eu massifiquei exatamente isso. A polícia não trabalha sem a comunidade. Se a comunidade não me falar o que está acontecendo na região, eu não terei como fazer um planejamento adequado. Existe hoje a consciência de que a polícia é uma colaboradora e não uma inimiga.


E qual foi o terceiro desafio enfrentado?

O terceiro desafio foi a semana missionária que antecedeu a Jornada Mundial da Juventude, porque eram dois mil jovens estrangeiros na cidade e alguns nem tinham condições de se comunicar em nosso idioma. Novamente, o diálogo foi a palavra fundamental diretamente com a diocese, fazendo um planejamento que envolvia toda a programação. Uma operação extremamente complexa, porque eram dois mil jovens andando por todos os cantos da cidade simultaneamente. E esse foi mais um desafio superado, porque não tivemos nenhum tipo de ocorrência, e recebemos até muitos elogios por parte dos próprios jovens, que já tinham vivido experiências não tão tranquilas em países mais bem aquinhoados que o nosso.


Então seria possível resumir a tônica do trabalho desenvolvido pelo Batalhão através dessas duas palavras: inteligência e diálogo?

Sem dúvida. Essas foram duas palavras constantes em minha gestão.


E o que o senhor aprendeu durante esse período no comando do 11º Batalhão?

Bom, aprendi tanta coisa... Mas eu acho que uma das lições mais importantes é da integração. No nosso comando — e eu digo nosso porque incluo aí todo o efetivo do Batalhão, desde os envolvidos na parte estratégica, na parte gerencial e na parte de execução — o processo de gestão foi completo. Eu envolvi todo mundo nisso, porque nós estamos na corporação para prestar um serviço. Acredito que o maior aprendizado foi nesse aspecto, no respeito às outras instituições e, mais do que isso, no respeito à sociedade. Ela espera da gente um serviço público de qualidade e nós temos que atender a essa demanda. O tempo todo nós tentamos ouvir a sociedade e ouvimos, inclusive, muitas críticas, porque teríamos sido muito rígidos, por exemplo, na contravenção penal. Eu atuei muito pesado na contrafação, que são esses objetos que são falsificados e vendidos, principalmente CDs e DVDs. Entendo que a lei deve ser cumprida e a negligência nessas áreas gera corrupção e descrédito para a instituição policial. E se gera descrédito, então está na contramão dos objetivos institucionais. Por isso, nós temos que fazer de tudo um pouco, temos que nos desdobrar mesmo. Os maiores problemas são homicídios, roubos e tráfico de drogas, e nós precisamos atuar maciçamente nisso. Mas a forma de demonstrar à população que nós estamos sensibilizados é atuar também nos problemas considerados menores, dando atenção a todos os casos. Certa época, por exemplo, nós fomos procurados por familiares, dizendo que senhoras e senhores aposentados estavam gastando toda a renda em máquinas caça-níquel, em jogos de azar. Em casos como esse, existe uma parcela da população esperando que a gente faça alguma coisa sobre isso. Então nós também temos que dar atenção a essa população. Para dar conta de tudo, nós buscamos integrar com a Polícia Civil, nossa coirmã, que divide conosco o sistema integrado de metas da Secretaria de Segurança Pública. E nós chegamos a ser premiados duas vezes pelo cumprimento das metas, mesmo com a carência de mais de 160 policiais, de acordo com estudo feito pela própria Secretaria.

Esse déficit continua até hoje?

Continua. Mas não é porque nós temos o déficit que vamos deixar de trabalhar. Nós podemos até não conseguir atingir alguma meta, mas nesse caso nós temos que chegar o mais perto possível dela. E isso nós temos feito. Todas as vezes que não alcançamos algum objetivo, nós perdemos por muito pouco. E a população percebeu isso, que nosso interesse maior nunca foi pela pecúnia dos prêmios, mas sim por fazer o melhor para a sociedade. Para contornar essa falta de pessoal, nós passamos a buscar inovações, como a parceria que estabelecemos há seis meses com a Prefeitura, no sentido de tentar levar três destacamentos para pontos específicos da cidade, onde fizemos o diagnóstico da necessidade de um policiamento permanente para auxiliar a população e prevenir o surgimento de zonas de exclusão no futuro. Uma delas é no Alto de Olaria, outra no Alto do Floresta, e também no limite entre Conselheiro Paulino e Riograndina, onde estão sendo construídas 2.180 unidades habitacionais no condomínio Terra Nova. Nós entendemos que, com um aumento populacional da ordem de dez mil pessoas, há uma necessidade iminente de garantir a ordem e a segurança do local, atuando de maneira preventiva. Por isso mesmo, na inauguração das primeiras unidades eu já aproveitei para levar a questão ao então vice-governador Luiz Fernando Pezão, alertando para a necessidade desse posto de policiamento ostensivo, até mesmo porque Riograndina não tem destacamento e já existe essa necessidade há algum tempo. Já o Alto de Olaria e o Alto do Floresta são duas comunidades que precisam ter policiais permanentemente para evitar que aconteça o que aconteceu no Rio de Janeiro e hoje nós estamos gastando fortunas para pacificar onde o poder paralelo acabou por se estabelecer. Essas são medidas de apoio, é claro, ao trabalho de inteligência que já fazemos, ao cadastrar todas as ocorrências e os autores, que muitas vezes nos permite cruzar dados e resolver crimes nas primeiras horas após terem sido cometidos.


Considerando o conhecimento que o senhor e sua equipe acumularam a respeito do cenário criminal das cidades cobertas pelo 11º Batalhão, a transferência não representaria uma perda de agilidade para a corporação?

A princípio sim, porque de fato nós temos hoje um conhecimento muito grande a respeito dos perfis e isso nos confere muita agilidade na solução de diversos casos que, de outra forma, poderiam demorar muito mais tempo a serem esclarecidos. Mas é justamente aí que entra a importância da integração porque, felizmente, eu não trabalhei sozinho, e outros profissionais que vão continuar em Nova Friburgo compartilham desse conhecimento, conservando a memória da instituição. Esse seria um problema maior se toda a equipe fosse substituída, mas da forma como está sendo feita, não vai criar problemas, não.


Ao término de seu período em Nova Friburgo, ficou alguma frustração?

Eu gostaria de ver estabelecidos esses três postos de policiamento ostensivo aos quais me referi. Essa é uma pequena frustração, mas ao menos fico contente de termos dado o pontapé inicial para essa realização.


Recentemente, o senhor recebeu uma homenagem espontânea na Câmara Municipal, agendada antes que fosse divulgada a sua transferência para Itaperuna. Considerando que os vereadores são representantes legítimos da população, o que esse tipo de reconhecimento significa para o senhor?

Ah, é uma honraria muito grande, porque é a certeza de que nós trilhamos o caminho certo, da forma como a população esperava que a gente se conduzisse. Então, quando os representantes do povo e o próprio povo pelas ruas demonstram alguma forma de agradecimento, isso é sinal de que a gente está caminhando de acordo com o que a população deseja de sua polícia. Nesse sentido, o nosso marco de proximidade foi dado pelo artista plástico Felga de Moraes, quando criou a Mão Amiga. Para mim, essa escultura representou uma reaproximação da Polícia Militar junto à população de todos os municípios atendidos pelo 11º Batalhão — e de Nova Friburgo, em especial.


O senhor nasceu no Rio de Janeiro, mas sua mãe é daqui e sua carreira se desenvolveu em grande parte aqui também. Onde o senhor pretende morar, depois de se reformar?

Aqui em Nova Friburgo, com certeza! Minha família está toda aqui, eu amo essa cidade e pretendo continuar aqui sim, quando puder voltar.



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