Dalva Ventura
Clínica Santa Lúcia já está em pleno clima de carnaval, com a turma da terapia ocupacional preparando as fantasias, a bateria ensaiando o samba, enfim, uma movimentação só. Como acontece todos os anos, os internos, isto é, os clientes da clínica, estão animadíssimos.
O Maluco Beleza vai abrir o carnaval friburguense pela décima terceira vez consecutiva. Sem contar a primeira, em que o bloco desfilou, de forma ainda muito insipiente, em frente à Clínica Santa Lúcia, em Mury. Desta vez o bloco homenageará Nova Friburgo, sua diversidade cultural e suas potencialidades, com um carnaval que tem tudo para fazer história.
O carnaval na Santa Lúcia começa em novembro, por ocasião da festa de escolha do samba a ser apresentado na avenida. Este ano, sete sambas concorreram e os vencedores foram Claudinho e Elizelton, autores do Alô, alô, Friburgo, aquele abraço. Desde então, a carnavalesca Monique Bertão está dedicada a preparar as fantasias.
Monique promete colorir a avenida com muita loucura e alegria. Ela está no bloco desde o começo e é sempre uma das mais empolgadas. Pode-se dizer que Monique é a alma do Maluco Beleza, ou seja, quase não dá para imaginar o bloco sem sua participação, que não se limita aos preparativos e aos bastidores do desfile. Mesmo sem seu pandeirinho, que a tendinite não permite mais tocar, Monique sai pela Alberto Braune curtindo todas, sem perder de vista a harmonia e o conjunto do grupo. Não sem razão, sua neta, a pequena Carolina, diz que a vovó é a dona do bloco. Monique ri e faz questão de esclarecer que isso não existe. “Não tem nada disso, o bloco não tem dono, é de todo mundo, mas alguém tem de ficar ali organizando as coisas e eu acabo cuidando um pouco desta parte também”, diz.
Abraçando Nova Friburgo de corpo e alma
Como sempre, a concentração para o desfile está marcada para 17h da sexta-feira de carnaval, na Praça Dermeval Barbosa Moreira, com início marcado para 18h. Cerca de 40 clientes desfilarão no bloco, todos malucos beleza, isto é, internos em condições de ir para a rua, sob supervisão médica, sem que isso represente qualquer risco para eles próprios ou a população. “As meninas irão fantasiadas de flores, com abadá branco e um outro por cima, verde, enfeitado com as flores que elas mesmas confeccionaram na terapia ocupacional. Os meninos vão de vegetação, todos de verde”, conta Monique, explicando que sua parte consiste em embelezar o pavão, porque muita coisa os próprios internos fazem.
Um trabalho que ela considera supergratificante, até por ser muito reconhecido pelos clientes. “Eles curtem demais o carnaval. Só de me ver na clínica eles já ficam empolgados, perguntam quando vão começar a preparar as fantasias, a ensaiar”, diz.
Este ano o abre-alas será o trenzinho que circula na cidade durante os fins de semana, cheio de crianças, enfeitado com hortênsias e as bandeiras das colônias. Em seguida virá a comissão de frente, composta pelos enfermeiros e profissionais da clínica, todos caracterizados de moda íntima, com carretéis, sutiãs e calcinhas pendurados, ao lado de pratos, garfos, chuchus, berinjelas e pepinos. Uma salada mista bem maluco beleza, para mostrar a qualidade dos nossos restaurantes, assim como a pujança da fruticultura e floricultura.
A seguir vem a bateria, com cerca de 60 a 70 integrantes, e a porta-bandeira Marinês à frente. Ela trabalha na faxina da Santa Lúcia e já sai no Maluco Beleza há muitos anos. A bateria é um caso à parte, pois, apesar de contar com uma contribuição muito grande das escolas de samba da cidade, que emprestam alguns instrumentos, já dispõe de vários feitos na própria clínica. Graças a um funcionário conhecido como Barra Alegre, o Maluco Beleza dispõe atualmente de 30 a 40 instrumentos de percussão. Outro personagem importante dentro do bloco é o mestre de bateria, Dedei, da Imperatriz de Olaria, que dois meses antes já começa a frequentar a clínica para coordenar os ensaios.
Este ano, os organizadores calculam que o Maluco Beleza saia com pelo menos 800 integrantes, que vão se agregando ao bloco quando ele pisa na avenida. Se o vice-prefeito vai desfilar este ano? “Claro que vou, é ruim de não ir, hein?”, responde Dermeval Neto, na bucha. Como sempre ele sairá na bateria tocando seu chocalho. Antes Dermevalzinho tocava bumbo, “mas machuca demais, para tocar aquilo tem que ser cascudo mesmo”. Por falar em Dermeval, vale lembrar que foi ele quem trouxe o bloco para desfilar na cidade (antes saía só nas ruas de Mury) e também quem inverteu a mão do desfile. É que na primeira vez que o Maluco Beleza desfilou na Alberto Braune, em 1996, a Faol deixou os pacientes em frente ao Centro de Turismo, e não diante da Prefeitura. E agora? O que fazer? Dermeval resolveu na hora: “Vambora daqui mesmo”. Assim foi feito e deu tudo certo.
Nos primeiros anos era muito difícil colocar o Maluco Beleza na rua, pois o bloco depende basicamente de doações. Hoje a situação melhorou bastante, graças, principalmente, à ajuda do empresário Silvio Montechiari, da Silvetex, que doa todos os tecidos com os quais são confeccionadas as mortalhas. No começo as roupas eram todas improvisadas e feitas com tecidos baratíssimos. Hoje em dia os internos vão para a avenida não só bem vestidos como uniformizados, o que garante sua segurança, já que há muitos anos não tem cordão de isolamento. Outras empresas e personalidades locais também contribuem para o desfile, entre elas, Rogério Faria (Stam), Assis (Carimbos Atlas), Gloria Dominguez (Hotel Dominguez Plaza), Marly Pinel, Cristina Moreira, A VOZ DA SERRA, Rádio Friburgo AM, TV Serramar, TV Zoom, TV Focus e TVC.
Amigos o médico Cláudio Chaloub
Este ano o Maluco Beleza sairá sem um de seus mais animados integrantes. O nefrologista Cláudio Chaloub, morto recentemente. Ele foi um dos fundadores do bloco e nunca deixou de participar do desfile, sempre trajando as mais loucas fantasias. “Claudinho já saiu de sol, de Nero, de guerreiro disso ou daquilo, qualquer loucura que eu fazia ele vestia”, conta a carnavalesca Monique Bertão. “Só teve uma fantasia que ele não usou e eu só vim a saber o motivo depois. É que ela era toda em vermelho e preto e ele era Fluminense doente”, diz. Está explicado.
Na sexta-feira de carnaval a camiseta do bloco terá uma caricatura de Cláudio Chaloub ao lado de Raul Seixas, feita pelo psicólogo Paulo Langer de Mattos. O estandarte do Maluco Beleza ostentará a mesma caricatura. Quando o bloco chegar ao meio da Avenida Alberto Braune, bem em frente ao palanque, o samba vai parar e todos farão um minuto de silêncio, com a marcação do bumbo ao fundo. Em seguida o samba recomeça. Afinal, é carnaval e, com certeza, é desta maneira despojada e alegre que Cláudio Chaloub gostaria de ser lembrado.
Treze anos de loucuras
1995 - Loucura também é cultura - A proposta do enredo era buscar o reconhecimento do potencial criativo dos chamados loucos.
1996 - Chegou o circo - Tratava de um tema bem próximo ao Maluco Beleza: a alegria contagiante dos espetáculos circenses.
1997 - Maluco Beleza já contagiou - O enredo mostrava que a cada ano o bloco conquistava mais o coração do povo friburguense.
1998 - Maluco Beleza, cultura e união - O enredo espelhava o potencial criativo dos chamados doentes mentais, quando contam com espaço e oportunidade.
1999 - Ex-corno, ex-viado, ex-anão! - As grandes impossibilidades do homem contadas de uma forma bem-humorada.
2000 - O alienista - O enredo narrava as aventuras e desventuras do doutor Simão Bacamarte, médico capaz de internar uma cidade inteira em seu manicômio, conforme a obra de Machado de Assis.
2001 - 2001, uma odisseia no espaço - Uma aventura do Maluco Beleza no Panteão Grego, com as célebres presenças de Zeus, Eros etc.
2002 - Um sonho no Havaí!!! - Desta vez, o Maluco Beleza viajou pelas belezas do Havaí, suas praias, vulcões, surfe, luaus e as belas lendas do local.
2003 - Maluco Beleza na aldeia tupiniquim - Mostrava a cultura indígena brasileira, com sua sabedoria, amor e simplicidade.
2004 - Maluco Beleza cantando a história de outros carnavais - Fazia uma retrospectiva dos carnavais anteriores do bloco.
2005 - Sou! Mas quem não é? - Mostrava que a loucura não é tão distante assim e que “de perto ninguém é normal”, como diz Caetano Veloso.
2006 - Santa Lúcia, 40 anos viva no folclore brasileiro - Comemorava os 40 anos da fundação da clínica.
2007 - Santa Lúcia, amanhã será um novo dia - O enredo abordava a realização de projetos inovadores no tratamento das patologias mentais.
2008 - Bengalas, o rio que passou em minha vida - Chamava a atenção do povo friburguense para a necessidade de resgatar a vida do nosso Rio Bengalas.
Alô, alô, Friburgo, aquele abraço
(Compositores: Claudinho e Elizelton -
Intérprete: Beto Simpatia)
Alô, alô, Friburgo,
Cidade do meu coração
Hoje caprichei para te exaltar
E te abraço na canção
Suíça Brasileira
De fauna e flora divinais
Recanto de nobres imigrantes
Emoldurado de riquezas naturais
Na agricultura, beleza pura!
No ecoturismo, muita aventura...
Tem as indústrias com suas artes
E a moda íntima que invade toda parte
Povo hospitaleiro
Entre a serra e o céu a sonhar
Friburgo, você é carinho
A rosa sem espinho
Que eu sempre hei de amar
No calor de cada dia
Joia rara vamos preservar
Neste batuque eu também vou...
No embalo do maluco beleza
E relatar de flor em flor
Nossa cultura em poesia, meu amor
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